Estupidamente
E, de súbito, a obrigatoriedade do voto tomou voz. Quero dizer, a República viu-se nua. Sem eleitores, sentindo-se tremelicar nas pernas da sua legitimidade. A República é tão-só o legislador, e sabe que isso - que é pouco - para si é tudo. Preparemo-nos, pois, para a próxima novidade do DR - termos todos de ajoelhar aos pés da (eleitoral) urna. Quer queiramos, quer não.
Abreviando, o problema não será de maior monta: assim como os portugueses sempre souberam dar resposta condigna à ditadura tributária, também alcançarão meios de sustar este psicadélico propósito de intervenção cívica.
E, afinal, temos, ou não, o dever de votar? Seguramente - não!, do ponto de vista jurídico; provavelmente - sim, em nome da cidadania. Mas a liberdade individual não poderá vez alguma ser posta em causa, pelo que a questão é moral, jamais do domínio do Direito Positivo.
Em suma, o abstencionismo não contende com a democracia, nem com o sistema parlamentar, nem com a ordem pública. Apenas com o Regime. Com a República portuguesa e com os seus próceres - com o seu total descrédito. Os quais, estupidamente, querem fazer-se passar pela vergonha de, na contabilidade dos votos, colocarem os brancos e os nulos à frente do colorido espectro partidário.