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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

O minhoto e as serras

João-Afonso Machado, 06.04.14

Chovia no sopé da Serra e o minhoto resmungava. Não fora para isso que madrugara e viera, ele e os seus e um dia inteiro de viagem, estafadela nada de se compadecer com partidas da meteorologia. Chuva é o que não falta no Minho!... Muito dado ao cepticismo, mesmo ao pessimismo, o minhoto desconfiava já, sarcástico, a reclamar do logro, que raio de brincadeira é esta?, enquanto a camioneta curveteava Serra acima. A esse incómodo dos ouvidos que a todos atinge, acresceu o nevoeiro. Decididamente, o minhoto estava com azar e, sintomaticamente, azedado.

A placa na estrada assinalava 1500 metros de altitude e umas manchas brancas principiaram a surgir, aqui e ali, no solo. O minhoto atentou. Eh lá!, já não regressaria de olhares vazios... Ao passar a Lagoa Comprida entusiasmou-o o transbordar das águas e a multiplicação desses nacos alvos em quanto a sua vista se espraiasse. Subira já além das nuvens, o azul do céu reaparecera, percebia agora os vales glaciares, o efeito do degelo. Afinal valera a pena! O minhoto recuperou a boa disposição. S. Pedro não o trapaceara, inadmissivel atitude de que chegara a convencer-se.

E, na Torre, distribuia já abraços em seu redor. O neve sobrava para dar e vender. O minhoto, enterrado até aos tornozelos, revolvia tal raridade nos seus rincões, ria, gargalhava, gozou todos os bocados de paisagem e reivindicou as peles quentes de Viriato. Encheu a alma e a saca a tiracolo - com um apreciavel naco de presunto. (O famoso Queijo da Serra adquiri-lo-ia no regresso porque o minhoto ouvira entretanto estranhas histórias de sabão ou batata a fazer de conta. E gato por lebre é o que o minhoto não gosta de levar.)