Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

A quem enfiou o barrete

João-Afonso Machado, 04.04.14

H:\IMAGENS\EXPERIÊNCIAS\REPÚBLICA.JPG

Em páginas e páginas de uma longuíssima carta datada de 16 de Outubro de 1910, Alfredo Guimarães relata ao Visconde de Pindela o que lhe foi dado apreciar nos tristes dias da Revolução republicana. E conta o seguinte episódio que transcrevo integralmente:

«Uma criada nossa tem um sobrinho de 15 anos. Na quarta-feira da revolução apanharam o rapaz para os lados da Praça da Alegria, meteram-lhe uma enorme espingarda nas unhas, afivelaram-lhe um revólver à cinta e levaram-no cheio de medo para a Rotunda, onde uma dúzia de soldados guarnecia as peças e grande porção de populares fazia enorme vozearia. Chegados ali, um que parecia chefe apontou ao pequeno um cesto e disse-lhe: "se quiseres comer, ali há bacalhau, pão com carne e queijo - se quiseres vinho pede àquele que ali anda em baixo, e se vires chegar-se algum desses malandros dos monárquicos atira-lhe sem dó...". O rapaz não quis ouvir mais nada, desatou a comer beefs, pois de bacalhau estava ele farto, e de vez em quando atirava para o ar para se divertir e porque assim lhe tinham recomendado um dos chefes: "é preciso fazer tiros rapaz, para assustar essa canalha". Inimigos nunca os viu e no fim de dois dias, morto de sono, esperou um momento propício, encostou a espingarda a uma árvore e raspou-se com o revólver».

Esta carta alicerçará, sem dúvida, um livrito mais em que creio poucos escaparão de uma nada simpática adjectivação: posto uns, afinal, não terem sido heróis; posta a mancha  de cobardia dos restantes a borratar o Regime a que no dia anterior se juravam afectos. A História tem de ser imparcial e os mitos devem preservar-se apenas dentro dos limites da razoabilidade. Portugal era republicano? Vasco Pulido Valente (in O Poder e o Povo) diz que não, e frisa esse «postulado falso: o de que o país queria a República. Depois do 5 de Outubro, depressa se tornou claro que não queria. E, assim, esquecendo as suas mais solenes promessas, o PRP nunca decretou o sufrágio universal ou lutou pela descentralização eleitoral ou administrativa. A longo prazo, o democratismo republicano não podia deixar de se revelar aquilo que era: a expressão ideológica da vontade revolucionária da pequena urbana».

É como foi e continua a ser.