Quem pára o Palito?
O homem tem um aspecto razoavelmente inofensivo, franzino, quase vergado ao peso da bigodaça. E um nome bonito - Baltazar, uma alcunha catita - o Palito. Nada faria supor. Mas um destes dias, tomado pela cegueira - falemos assim - deitou a mão à caçadeira e chumbou quatro mulheres, todas ligadas a si por laços de agora e de antigamente. Uma era sua filha; outra a mãe da sua filha; outra ainda a substituta da mãe da sua filha; a derradeira já não me ocorre quem era. E matou duas e mandou as restantes para o hospital.
Foi um alvoroço sem precedentes lá na terra. A notícia correu o País e o Palito correu a refugiar-se hoje mesmo não se sabe onde. A Polícia partiu no seu encalço, de metralhadora em riste e cães farejadores à trela. Em vão. Alcançou a fronteira - conjecturou-se; que não - afirmou-se depois - escondem-no os seus comparsas, e há quem jure ele ter regressado a casa, saciado a fome (e a sede, decerto) e debandado novamente.
As mulheres da região nem ousam sair depois do anoitecer. Os seus maridos precavém-se. Parece que o Palito afinal tinha precedentes sanguinários, uma indeclinável tendência para o crime violento. E os jornais diariamente viram mais uma página desta novela que tanto podia ter sido protagonizada pelo João Brandão de Midões como escrita por Saramago sob encomenda de Hollywood. Mas não: o caso aconteceu em Valongo dos Azeites, algures entre a Pesqueira e Penedono, não longe de Espanha já. Seria uma historieta engraçada não fora o caso de as vidas perdidas e maltratadas serem reais. O Portugal actual traz à superfície as males de antigamente e e encolhe o campo de originalidade que era tão do acerto dos escritores ficcionistas. Sai-nos tudo ao contrário!