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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

Quem pára o Palito?

João-Afonso Machado, 29.04.14

O homem tem um aspecto razoavelmente inofensivo, franzino, quase vergado ao peso da bigodaça. E um nome bonito - Baltazar, uma alcunha catita - o Palito. Nada faria supor. Mas um destes dias, tomado pela cegueira - falemos assim - deitou a mão à caçadeira e chumbou quatro mulheres, todas ligadas a si por laços de agora e de antigamente. Uma era sua filha; outra a mãe da sua filha; outra ainda a substituta da mãe da sua filha; a derradeira já não me ocorre quem era. E matou duas  e mandou as restantes para o hospital.

Foi um alvoroço sem precedentes lá na terra. A notícia correu o País e o Palito correu a refugiar-se hoje mesmo não se sabe onde. A Polícia partiu no seu encalço, de metralhadora em riste e cães farejadores à trela. Em vão. Alcançou a fronteira - conjecturou-se; que não - afirmou-se depois - escondem-no os seus comparsas, e há quem jure ele ter regressado a casa, saciado a fome (e a sede, decerto) e debandado novamente.

As mulheres da região nem ousam sair depois do anoitecer. Os seus maridos precavém-se. Parece que o Palito afinal tinha precedentes sanguinários, uma indeclinável tendência para o crime violento. E os jornais diariamente viram mais uma página desta novela que tanto podia ter sido protagonizada pelo João Brandão de Midões como escrita por Saramago sob encomenda de Hollywood. Mas não: o caso aconteceu em Valongo dos Azeites, algures entre a Pesqueira e Penedono, não longe de Espanha já. Seria uma historieta engraçada não fora o caso de as vidas perdidas e maltratadas serem reais. O Portugal actual traz à superfície as males de antigamente e e encolhe o campo de originalidade que era tão do acerto dos escritores ficcionistas. Sai-nos tudo ao contrário!

 

 

 

Peregrinando

João-Afonso Machado, 28.04.14

As serranias no horizonte são uma luz. Não porque a caminhada não as vá deixar muito para trás, somente devido ao que se busca nestes dias cujo único sentido será talvez buscar um sentido. Um rumo. Ou uma mão-cheia de confiança e de vontade, um desejo imenso decerto escondido na beleza da paisagem, no rumor da brisa. Às vezes sob um sol a queimar os olhos, o piso, a garganta, outras debaixo de um mar jorrado das nuvens. Quantos não compreenderão estas horas de marcha gritadas aos pés em voz de sargento!

Mas quantos, também, aprenderam já rogar pragas às pedras nos trilhos faz parte do programa; e que há sempre uma ave flanando, a frescura de uma ribeira, quantos e quantos trechos e cores onde é possivel acreditar em amanhã e sempre...

 

 

Do "Partido Evolucionista"

João-Afonso Machado, 22.04.14

Reler O Antigo Regime e a Revolução que Freitas do Amaral deu à estampa, como as suas Memórias Políticas, em 1995 (O Autor teve o cuidado de explicar que pedira o título emprestado a Alexis de Tocquevile...), ajuda extraordinariamente a perceber o seu discurso recente, em mais um congresso-manobra soarista onde apareceu... de cravo vermelho na lapela!

A obra é interessantíssima e a sua leitura recomenda-se. Como remédio para os males da memória e como laxante para o roteiro político de Freitas. Um aluno brilhante - é o próprio que, com generosa insistência, o afirma - no liceu e sobretudo na Faculdade: o melhor do seu curso.

Entenda-se porquê, através de um exemplo simples buscado no prefácio. Em 1961, o jovem Freitas foi convidado a candidatar-se à presidência da Assembleia Geral da Associação Académica da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Aceitou. No ano seguinte estoirou a mui referenciada crise estudantil que culminou com uma greve geral. Mais nada consta do texto acerca de qualquer intervenção do digníssimo Presidente da Assembleia Geral. Salvo ter sido levado na avalanche que demitiu todos os dirigentes académicos. Pois assim considera Freitas ter ganho «a sua primeira "medalha" no combate democrático»... Fazendo o quê? Apenas deixando que os outros fizessem por ele, para anos depois colher as flores...

Logo nas primeiras páginas, ainda, Freitas confessa as suas inclinações neo-liberais, com tendência para a democracia-cristã. Estávamos, repito, em 1995. Ontem, mesmo afirmando a sua indisponibilidade para a política activa, lá foi sugerindo a criação de um partido situado entre o PSD e o PS, a que daria o seu total apoio? E amanhã?

O espectro de uma sua nova candidatura à Presidência da República paira sobre o Regime. Óptimo! É o que se deseja ao Regime. Mas não a Portugal.

 

 

 

 

Correio do Minho

João-Afonso Machado, 21.04.14

Meu querido Amigo e Compatriota:

Escrevo-lhe entre trincheiras aguardando uma morte certa que espero seja gloriosa e breve, muito mais breve do que a terrivel, fatídica sequência de acontecimentos que a determinaram. Perguntar-me-á, se é assim previsivel o fim, o que faço ainda nestas regueiras. E eu respondo-lhe que é obrigação nossa, de minhotos de gema e tantos séculos de História, dar a vida ao longo desse Douro para cima do qual, a passar gente desonrosa, só pisando os nossos cadáveres. Cumpra-se assim o Destino, enquanto não se esvazia a derradeira caixa de zagalotes.

O meu sempre fiável Amigo não se negará o incómodo de dar cumprimento às minhas últimas vontades. Os meus restos mortais quero sejam trazidos para a minha terra natal, se não forem destruídos pelos rojos,  hipótese esta a mais provável. O meu Amigo havia de os ver ontem, disfarçados de gente do futebol, espalhando a Revolução e as bandeiras do sangue por todo o País. Bufando gaitas, encarnados e irados, esses rojos malditos, "mata! mata!" ouviu-se de norte a sul, essa triste canção da morte.

Foi tudo muito rápido, eles vinham chispados, descendo o mapa desde lá em cima, na Crimeia. "São eles!" - puxei eu pelo cotovelo do meu compadre quando os vi. "Eles" - volveu o coitado, sempre lerdo, - "isto é malta da bola, como aqueles ingleses, os diabos vermelhos, como lhes chamam.

Ora, brincadeira fosse, sempre marcharia do lado de Braga, onde realmente os moços do futebol vestem camisetas ao gosto dos matadores do Senhor, e nunca pela estrada da Póvoa e da que vem do Porto. Que é como diz, de todas as bandas. Eram eles, pois então, e, aqui chegando, a primeira coisa que fizeram foi rasgar e pisar a nossa amada bandeira azul e branca, a sagrada bandeira nacional, e impor a toda a gente o recolher obrigatório, tal a chinfrineira.

Os poucos que conseguimos escapar formámos a linha em toda a margem do rio e aqui estamos, o garrafão e o chouriço quase no fim, aguardando o ataque final, ainda por cima sob uma ventania que parece o Diabo já de volta das nossas almas. E hoje veio também a notícia de que as televisões anunciaram um novo Governo chefiado por uma troika constituída por Mário Soares, Vasco Lourenço e Freitas do Amaral, esse magano. Intitulam-se a Revolução de Cravo Vermelho ao Peito e dizem querer acabar com o mais odioso regime de há 40 anos e espingardar a todos nós.

Pois o meu Amigo do coração transmitirá aos meus que morremos de armas na mão gritando até ao fim - et pluribus unum!!!

É tudo, meu inesquecível Amigo. Estará comigo nos laivos finais do meu pensamento.

Creia-me sempre,

do coração

JAMachado.

 

 

 

Boa Páscoa!

João-Afonso Machado, 20.04.14

«Ressuscitar é passar a uma vida totalmente diferente». A reflexão é do jesuíta François Varillon, para quem «cada uma das nossas decisões é uma páscoa, isto é, dá-se em forma de morte e ressurreição». E, acrescenta, «na minha vida, o que vibra, o que me constitui, são as minhas decisões, pequenas ou grandes».

Este é apenas um primeiro passo para uma formulação final em que, agora mesmo, vamos vivendo já a nossa Eternidade. São ideias consoladoras de um brilhante pensador atento sobretudo às imensas verdades contidas nas minusculas particularidades dos nossos dias. Os quais, em suma, valem principalmente por quanto contém do nosso querer.

Uma boa Páscoa para todos!

 

 

 

Alcazares e Tapiocas

João-Afonso Machado, 17.04.14

«Os Capitães de Abril não vão discursar» - oiço pela enésima vez  nos noticiários. Já com largo enfado, acrescente-se, posto os valorosos militares de há umas semanas a esta parte não fazerem outra coisa senão discursarem. O que não seria de esperar não ocorresse persistirem em se considerarem uma espécie de donos do Regime. E não são.

Vamos por partes. Todos devemos à Revolução abrilina a liberdade de dizermos o que pensamos. Obrigado, Srs. Capitães! Não fora V. Ex.cias e eu ver-me-ia a braços com a polícia política a tolher-me a voz sempre que a levantasse exactamente contra o Regime (republicano e ditatorial, é claro).

Daí o lugar na História a que os militares de Abril têm um indiscutivel direito. Assim a modos de quem põe coroas de flores aos pés da estátua do António José de Almeida.

Porque quem proporciona a liberdade não pode restringir a liberdade. Não pode apontar rumos a essa liberdade, quero dizer, não lhe é permitido, em nome de um desempenho histórico (sem dúvida), intervir institucionalmente nos caminhos escolhidos pelo povo a quem - e por quem, alegadamente, - movimentou o fim da autocracia. Até prova em contrário, o sistema eleitoral define a vontade popular.... Caso contrário reeditariamos Gomes da Costa!

O Sr. Coronel Vasco Lourenço entenderá - se um dia participou no levante dos anseios silenciados dos portugueses -  como português resta-lhe usufruir desse benefício como cidadão que é, pronunciando-se a título pessoal ou no quadro de uma entidade política qualquer. O Conselho da Revolução foi um abuso e a Associação a que preside há muito parece arrogar-se de um direito potestativo abusivo também.

Indo sempre por partes, podemos todos abreviar. Quanto à intervenção dos militares abrilinos. Os quais só deveriam seguir o exemplo do exemplo ético e desinteressado que tantas vezes apontam - Salgueiro Maia.

 

 

 

Mediterrâneo

João-Afonso Machado, 16.04.14

O berço de muitos milénios, o mundo dos mitos construidos nos vagares dos trirremes. Onde a História se pode permitir nascer da imaginação tornada realidade pela posse contínua da crença. Gregos e troianos, a invencivel fronteira entre o Ocidente e o Oriente, por muito que muitos queiram agradar a uns e a outros...

Do lado de cá, o Mediterrâneo espraia-se no areal e - talvez pela força do hábito - sugere azuis longínquos, navegações pilotadas por deuses e heróis, vinho e rebanhos de cabras, olivais, sob a força do sol. Como que convidando a fundar cidades e sonhos, ciclos fabulosos e pacificadores entre os choques e os titãs do dia-a-dia.

 

 

No mesmo País?

João-Afonso Machado, 15.04.14

Em breves notas a lápis na espera do aeroporto: foram dias de muitos quilómetros a pé, para lá e para cá, ao longo do Parque imenso. Onde a cidade inteira descomprime durante o fim-de-semana, correndo, pedalando. A passear centenas de cães distribuidos por quantas idades possamos supor. O turismo é já uma marca da casa, há o "bioparque" e o "oceanográfico" nos dois topos, visitas incontornáveis. E, transposta a cidadela, a parte histórica ferve nas mesmas águas da Economia, surpreendentemente plana, desprovida daqueles últimos redutos cimeiros e usuais palcos do heroismo sem recompensa. Onde as horas passam devagar entre palácios renascentistas e a beleza ocre de tantas igrejas nas plazas.

No regresso, as avenidas comercialmente mais responsáveis, muito cheias de neo-classicismo e de trânsito ordeiro, exemplar. Depois de uma das várias pontes que ficaram de um rio encanado, seco, sepultado, a urbe nova decuplica a original. Decuplica? - dez vezes, decerto. O resto são contas... Hoteis atrás de hoteis, artérias amplas e cheias de àngulos rectos. Em redor, automóveis de marcas caras e o mundo inteiro passando ali. Às mãos cheias do futebol milionário. Como a extremidade noroeste da Espanha é diferente de Valência!!!

 

 

Até já!

João-Afonso Machado, 10.04.14

O Tempo arrasta a saudade pelos penosos caminhos da incerteza. São os minutos, são as horas, tudo crescendo e avolumando-se, a indefinir o desfecho (porventura cada vez mais remoto) do reencontro. A saudade ditada pelo Tempo marca, magoa, assusta. Entre o esquecimento e a dor há sempre um lugar enorme em que muitos soçobram.

Já a Distância traz consigo a mais saudável saudade. Aquela com que se saboreava outrora um postal oriundo de recônditas paragens, e agora o quase encriptado SMS ou o telefonema mais mãos largas. A Distância, em si mesma, não se dissocia do regresso e este é, por norma, um festejo. Quase não seria tolice falar a propósito em ervas aromáticas, no seu agridoce sabor.

Mais a mais, foram-se nos dias de hoje as caravelas e as naus que confundiam estas duas dimensões da saudade. Mirar o relógio é contar o tempo que passou, insiste em passar, sabemos passará sempre. A causar estragos e angústias. Subir as escadas do avião... quem o faz sem o adeus lá em cima, e um sorriso deixando adivinhar a convicção ou a promessa de um até já! ?

É, pois, altura de partir. Isso mesmo: até já!

 

 

Asneiras

João-Afonso Machado, 09.04.14

É muita palha para esta manjedoura. Quase um arrependimento sem direito a penitência nem perdão. Quão melhor teria sido deixar as fotografias sairem apenas intuitivamente, assim como quem dispara à meia volta a acerta no alvo! Ficava o brilharete entre os comuns mortais, qualquer temor reverencial, porventura. O diabo foi querer entrar no domínio restrito da arte e da ciência, na decifração de tantas siglas e na utilização de ainda mais botões e aplicações. E entender as leis da Fisica prenhes de significações estranhas como a abertura, a velocidade - numa máquina sem motor... - a sensibilidade ISO, ou o momento adequado a cada modo, aquelas escalas numéricas, os retratos pincelados cada um borratando de cores impróprias as melhores intenções do praticante, os seus mais denodados esforços de benfazer...

É martírio para uma Semana Santa inteirinha. Um calvário de enigmas. E longe vem o tempo dos tripés e dessas objectivas que parecem trombas de elefante... Mas como não, se o sonho de uma vida é fotografar passarinhos no cimo das árvores?

Restam as cábulas. De tão prestigiosa instituição remontando aos inóspitos tempos do liceu e da faculdade. Oh! melro, espera lá que eu tenho aqui um papelinho e o professor está de costas agora...

 

 

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