Jugulação
A assistência é numerosa e animada. Na margem portuense do Douro, ante uma saca de lampreiras nele pescadas nas redes. E o carrasco revela-se exímio na sua arte. Uma a uma, as "bichas" são peduradas pelo "pescoço" em corda amarrada a um tronco, após o que uma navalha bem afiada lentamente cava um rego circular abaixo das guelras e um alicate as despela de um rasgão só. Depois são abertas de cima a baixo, retirando-se das suas entranhas um orgão estranho, semelhante a uma tripa, que as percorre longitudinalmente. Deve ser por essas alturas, a paciente sucumbe enfim. Nada a aflijir as muitas gaivotas pousadas nas cercanias, exultantes com esses bocados imprestáveis para o petisco, que lhes são lançados. Então o entendido retalha o ciclóstomo (a lampreia) em várias peças transversais, e remata o espectáculo com a sua decapitação. Venha, da saca no chão, a vítima que se segue.
As piadas, no mais conseguido estilo tripeiro, multiplicam-se. Está ali um belo capital vendido ao quilo, e sempre com uma procura superior à oferta. Se se tratasse de toiros ou de peças de caça, seria gravíssimo, prova provada do atraso dos nossos costumes, da barbárie que somos. Como não se trata... segui de consciência tranquila para uma magnífica almoçarada de arroz de lampreia entre amigos.