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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

Onde outros dizem "barbárie"

João-Afonso Machado, 31.03.14

Apanhaste o sinal no ar. E logo estacaste, aspirando-o, em busca de uma orientação que o vento te dará. Concentrado, o olhar semicerrado como se, entre muitas, fosses escolher apenas uma nota musical. A partir de agora reinará o vagar, um andar quase de estátua, até ao recorte belíssimo do mármore dos antigos, atitude própria dos deuses olimpicos.

Nesse momento despertará um voo, o estampido da arma e a recolha da ave caída a depositar nas mãos do teu parceiro de caça. Tudo se resumindo, afinal, em mais um hino à perfeição.

Ao longo do ano o campo e o monte conhecerão as mais díspares colorações. Esse é o mundo imenso onde aprenderás cada dia o diálogo com quem te criou e guiou o teu instinto. A Natureza viverá em ambos, e ambos saborearão a Natureza assim tão próxima, contrariamente aos que a supõem distante, inacessivel, moribunda.

Apreciei conhecer-te. Bem mereces o orgulho dos que te rodeiam. A meu lado (embora por acaso não aí), um sorriso feminino e enternecido repete as minhas palavras. És um rapaz cheio de sorte!

 

 

 

Mas as trutas tinham ido à missa

João-Afonso Machado, 30.03.14

Em parte, a culpa foi da mudança da hora. Mas o culpado maior foi o jantar de ontem, essa proeza madrugada fora conseguida de escabeche de sável e de perna de porco molhados por quantos molhos e experiências etílicas a imaginação alcançou. A que tudo acresceu o queijo. Ouvira-se já o cornetim da alvorada quando as tropas recolheram à caserna.

E o resultado foi esse. Uma grade e dois pescadores, apenas, dormindo na borda do rio. Isto por volta do meio-dia.

Não, essa história da truta trazida quase ao alcance da mão não convence. A do veado em fuga das serranias galegas, atravessando as águas um pouco a montante, juro ser verdadeira, pena foi a máquina fotografica não estar a postos.

Deixa lá. O especialista da pluma também vinha a seco e aqueloutro, de suspeitissima expressão, valeu-lhe a caixinha das minhocas...

E depois, ao meio-dia... provavelmente as trutas tinham ido à missa. Sim, deve ter sido isso mesmo. Está tudo explicado.

 

 

 

 

 

A comezaina estatal (social?)

João-Afonso Machado, 27.03.14

Nem mesmo se a discussão fosse ideológica a desculpa seria maior. Assentemos as ideias: o "Estado Social" surgiu, conceptualmente, com Marcelo Caetano, em finais da II República. Não é, por isso, uma invenção socialista. Nem interessa saber quando, o facto é que, no correr dos tempos, o aparelho estatal foi crescendo desmensuradamente, ao ponto de se tornar incapaz de se alimentar a si próprio. Tal a voracidade com que chamava a si vorazes comedores descuidados de outra forma de sustento.

A breve trecho, passaram os cidadãos a dar de comer ao Estado, em vez de este a providenciar o bem-estar daqueles. Como? Obviamente através da carga fiscal.

Entre a demagogia eleitoralista e a despesa pública (do dito Estado) gerou-se o famigerado deficit.

Torneando a questão, a Oposição criou um discurso novo - o do ataque ao neo-liberalismo. Na realidade, um meio de captar simpatias entre um povo inteiro que havia de - pela dita via dos impostos - aguentar o equilibrio das contas até o mencionado desmando se esbater.

Nesta ordem de ideias, a opção pela chamado desenvolvimento económico é puro sofisma. Um país não cresce em produtividade de um mês para o outro, mas todos os meses os funcionários públicos aguardam o seu vencimento, o seu ganha-pão. Ninguém tem razão, todos têm razão...

Assim o problema subsiste. Na formulação da Esquerda, o Estado Social existe por causa de e para os cidadãos. Como não há como o manter, taxam-se os contribuintes especialmente para esse efeito. Contas feitas: nós pagamos o Estado Social para que este nos custeie. Se calhar haveria meios de obter, menos complicadamante, o mesmo resultado final.

E, entretanto, entre greves e outras formas de protesto, a economia nacional não descola...

 

 

Direita-centro-esquerda, volver

João-Afonso Machado, 25.03.14

A propósito das eleições autárquicas francesas, a rapaziada dos jornais criou um novo gráfico político sem eixo determinado, isto é, concebe um "centro-direita" e um "centro-esquerda", esquecendo definir o que seja o "centro". 

A circunstância talvez seja, porém, explicável sem denegrir Maurice Duverger. Assim: o que sucedeu nesta primeira volta foi uma significativa vitória da Direita sobre a Esquerda. Somente após dois anos a eleição do socialista Hollande e traduzindo um inocultável sinal de protesto contra a sua política.

É isso mesmo que custa admitir à circum-navegação da Imprensa: o insucesso da tropa PS, sobretudo em França, acima de tudo num país supostamente muito ao largo das atribulações das nacionalidades sem-abrigo como a nossa. Esbater os males da Esquerda num "Centrão" inconceptualizado será, assim, o objectivo desse velejar sinuoso que urge não deixar inconsequente.

Em suma, o "Centro" não existe. Há a Direita e há a Esquerda. Esta que se defina (mais reformista, menos revolucionária...) se não quiser ser apenas o trauma intriguista das punhaladas políticas (ou da guilhotina...) do Terror lançado pela Liberdade-Igualdade-Fraternidade.

Quanto à Direita, o rumo é certo: o da histórica actualidade e modernidade da Nação (como realidade poítica e cultural), em que envergonha sempre o odiento e extremista discurso dito nacionalista. Algo mais necessário acrescentar?

(E a propósito: parece que Sócrates não gostou de ser encostado à parede quando sentado à mesa do diálogo com Rodrigues dos Santos. Tal o levará a descambar do centro-esquerda para a extrema-esquerda do espectro partidário?)

 

 

Orgulhosamente...

João-Afonso Machado, 24.03.14

O estandarte estava lá, e lá deve permanecer. Talvez a pedir maiores dimensões, capazes de encher aquela imensa parede erguida do mar. Mas valem sobretudo as intenções, o orgulho de ser o que se é.

Neste caso, açoreanos de S. Miguel. Do abrupto lado da ilha voltado a nordeste. Terra de emigrantes, talvez. Ainda assim, terra de quem não esquece onde nasceu e vive o seu berço em qualquer ponto do planeta.

Assim creio o Portugal inteiro vai começando a pensar e a sentir. As suas origens, a localidadezita onde viu a luz dos dias. Sinal de que o mando se quer dos por ora comandados à distância.

Como com o Regime em que nos tornámos Nação. Como depois recordaram e ensinaram os Mestres integralistas. E como os açoreanos enchem a alma, felizmente ainda do imortal azul-branco...

 

 

O Poder Local todas as manhãs

João-Afonso Machado, 23.03.14

Os dias vivem-se aplicadamente. Com um sentimento generalizado que talvez não seja de revolta ou exaltação - apenas de desconfiança ou distanciamento. Em relação ao Poder Central, é claro. E a obra vai surgindo, o orçamento gerido com rigor mas sem buracos nem dramas. Por toda a parte nascem ideias e a sua concretização. Creio que todos acreditam - neles próprios. A Imprensa da terra dá notícia do crescimento empresarial, dos êxitos desportivos lá fora e cá dentro, do desenvolvimento cultural (muito em torno da identificação concelhia através da sua História e das potencilaidades actuais) e, uma vez por outra, de algumas zangas partidárias, assunto para qualquer conversita de café.

Isto, felizmente, numa Região inteira que conta consigo e com quase nada mais. O Poder Local é hoje uma realidade completamente afastada dos bandos de patos bravos que, em outros tempos, o sobrevoaram sombriamente. É, muito precisamente, o horizonte limpo e viável do País. Enquanto o Estado nos vai roubando todos os dias para se pagar e aos seus vícios.

 

 

 

 

"Uma experiência escolar"

João-Afonso Machado, 21.03.14

A escola punha-se lá no fim da rua sem saída. Por onde dei as minhas primeiras e inconsequentes pedaladas na bicicleta de um primo então ali residente. Como se chamava a escola? Não sei. Talvez nada mais senão “a escola primária”. Nem mesmo recordo o nome da rua de que fixei apenas a quietude, o silêncio, o à-vontade com que nos deixavam brincar sem temer o trânsito automóvel. Essa a imagem de há quase 50 anos, em que o bife com batatas fritas era, invariavelmente, o almoço das terças-feiras.

Hoje a escola intitula-se (complicadamente…) EB1 Conde de S. Cosme. E a rua, mais completamente, do Conde de S. Cosme do Vale. Da qual é insigne professor o meu ex-colega de turma, nas Caldinhas, o Jorge Pimentel, velho e inesquecível Amigo. O magnífico autor de uma proeza inédita – convidar-me para ler um conto de minha autoria aos seus pupilos da turma Girassol.

É claro – assustei-me com a proposta. Eu nada sei de crianças. Nunca escrevi para elas. E o fantasma de uma turma toda dormindo a sono solto, ou alvejando-me com aviõezinhos de papel, tirou-me o pio, pintou expressivamente a imagem provável do meu desaire.

Ainda assim aceitei o repto. Ponderei. Li o que tinha para lhes ler e cronometrei a leitura. Dei conta do cerrado da minha escrita. Vacilei. E fui dizendo que sim.

Mais a mais, não guardava boas recordações dessa escola onde, pela circunstância de iniciar os meus estudos com professora privativa, necessitei fazer exame que me confirmasse assento na 2ª classe do então inaugurado Ninho dos Pequeninos… Soube depois, estive, vai não vai, para ser chumbado dado o meu teorema sobre a aritmética assente: 7x7=49, e não a 7, conforme tentei demonstrar…

(Santo Deus!, o que o tempo encerra de bizarros e apocalípticos acontecimentos, e a memória nos castiga por tão inusitadas originalidades…).

Enfim, escolhi o texto. E, maturando a sua densidade e o auditório que me aguardava, optei por contar a história em palavras de momento, reservando a leitura apenas para o ponto fulcral do enredo. O demais, convidei, fossem eles, os ouvintes, a desbravar através do exemplar já na posse da Escola. Assim a sua curiosidade os levasse a tal…

Foi uma experiência nova. Não para a miudagem mas aqui para o velhote que não recorda pela sua frente uma plateia tão exigente, difícil de satisfazer. Mesmo porque – infelizmente – nunca me foi habitual lidar com quem reclama tanto pedindo assim pouco. Já Cristo ensinava: deixai vir a mim as criancinhas, proeza ao alcance de quase nenhuns. Era a incontornável questão da acessibilidade do discurso, desta nossa triste tendência para não saber falar simples.

Não obstante, sou capaz de crer este exame correu melhor do que aqueleloutro em que, afinal, 7x7 eram mesmo 49. Por se dar o caso de eles e elas, todos entre os 8 e os 9 anos, prodigalizarem à despedida comentários espertos e enternecedores. Sou-lhes muito obrigado, tal como ao Amigo Pimentel. Quanto a mim – nunca a idade seja impeditiva de personalizar a novidade e de desbravar o desconhecido.

Pelo caminho, entretanto, no silêncio da minha observação, ficaram instantemente as comparações. Entre a austeridade da minha meninice, corredores sombrios, soalhos a ranger, a uniformidade das batas e a segregação das aulas, rapazes para uma banda, raparigas para a outra. Quão mudou o Ensino! Quão ensombradas eram aquelas paredes e distantes e inexpressivos os docentes!

Agora…

Agora, contra muito do que eu julgara, há empenho, boa-disposição, colorido e criatividade. Abrangência. A rua de outrora, sem saída, escapa-se hoje pela jovialidade dos dias escolares. Entre os professores, nos mais veteranos, alguns meus velhos companheiros de liceu…

Vim embora de alma cheia. Mesmo porque vencido ficara o meu temor de confusão com o Avô Cantigas e, por inerência, com o Presidente da República. Algo que muito desagradaria a este idoso monárquico de alma e coração…

 

(Da rúbrica De Torna Viagem, no semanário famalicense Cidade Hoje de 20.MAR.2014)

 

 

 

Jugulação

João-Afonso Machado, 20.03.14

A assistência é numerosa e animada. Na margem portuense do Douro, ante uma saca de lampreiras nele pescadas nas redes. E o carrasco revela-se exímio na sua arte. Uma a uma, as "bichas" são peduradas pelo "pescoço" em corda amarrada a um tronco, após o que uma navalha bem afiada lentamente cava um rego circular abaixo das guelras e um alicate as despela de um rasgão só. Depois são abertas de cima a baixo, retirando-se das suas entranhas um orgão estranho, semelhante a uma tripa, que as percorre longitudinalmente. Deve ser por essas alturas,  a paciente sucumbe enfim. Nada a aflijir as muitas gaivotas pousadas nas cercanias, exultantes com esses bocados imprestáveis para o petisco, que lhes são lançados. Então o entendido retalha o ciclóstomo (a lampreia) em várias peças transversais, e remata o espectáculo com a sua decapitação. Venha, da saca no chão, a vítima que se segue.

As piadas, no mais conseguido estilo tripeiro, multiplicam-se. Está ali um belo capital vendido ao quilo, e sempre com uma procura superior à oferta. Se se tratasse de toiros ou de peças de caça, seria gravíssimo, prova provada do atraso dos nossos costumes, da barbárie que somos. Como não se trata... segui de consciência tranquila para uma magnífica almoçarada de arroz de lampreia entre amigos.

 

 

 

Correio do Minho

João-Afonso Machado, 18.03.14

Minha querida Madrinha:

Escrevo a convidá-la para este milagre que o meu vizinho e muito amigo Edson me anunciou: ver sobre as nossas cabeças a mão do Senhor. Eu sei bem quanto a minha santa Madrinha é ligada a estas coisas da Religião e nem me ocorreu ir a Lisboa participar em tal graça divina sem a levar comigo. Diz que é no Campo Pequeno, que a Madrinha conhece: é aquele sítio onde se fazem touradas, a cada passo transmitidas pela televisão. Até pensei tratar-se de confusão ou de algum filme do cinema, como um, já antigo, em que o artista (a Madrinha explicou então que ele era português, lembra-se?) salvava a moça virgem torcendo o pescoço ao touro no meio da praça. Esse filme que tinha um nome esquisito e se passava no tempo dos romanos...

O Edson não chegou a explicar se nesse dia do milagre vai haver toiros. Ele diz que na sua terra é mais negócio de bruxarias e danças, mas já lhe apareceu a mão de Deus, numa noite qualquer dessas, e jura-me que foi muito bom e a vida dele daí para a frente foi só felicidade. Parece é que convém dar uma esmola generosa porque a gente que fala com Deus e consegue que ele mostre a mão a todos corre o mundo a fazer destes milagres e precisa da nossa ajuda para o sustento. Mas só o programa da visão, mesmo sem toiros, e a tal felicidade que é assunto certo, afiança o Edson, valem bem essa esmola.

A minha Madrinha tão boa há-de explicar depois se já existem bispas. Não é como com os padres, que só podem ser homens?

Também me esqueci de perguntar ao Edson o que lá vai fazer uma pastora. Se for por causa dos toiros, o normal são os campinos, ignorava que esse gado bravo tem pastores a tomar conta dele. Sempre é um serviço perigoso, a Madrinha não acha?

E os apóstolos não morreram todos há muito tempo, alguns martirizados pelos pagãos? Não se zangue a minha santa Madrinha, mas esquece-me às vezes a catequese, tantos anos lá vão.

E, no fim, se calhar há merenda. O pão sagrado será como eles chamam ao nosso folar, é o mais certo. Que esta gente, com estes nomes meio esquisitos, não é de cá certamente. Nem mesmo da terra do Edson que tem um filho chamado Dorival e outro Mirobaldo. Bom, se calhar são de perto, digo eu...

Mande a minha boa Madrinha depressa a resposta se quer ir. Daqui vamos todos em caminheta, numa excursão até Lisboa.

Com muitas saudades e os votos de continuação de muita saúdinha, querida Madrinha, pede-lhe a benção este seu afilhado que tanto a estima,

JAM

 

 

Das "Memórias de um Átomo"

João-Afonso Machado, 14.03.14

«Camaradas!

O nosso glorioso Partido, o SOLIDARIEDADE COMUNISTA POPULAR (SCP) reuniu o seu CCCXXXIII Congresso face à eminência da avançada reaccionária que tão mal pode causar ao nosso amado Povo. Sem excepção, patrioticamente, nele se encontraram todos os representantes do proletariado, sendo de assinalar o elevado nível de participação e o entusiasmo geral com que o repto do nosso amado Líder Bruno Carvalho foi correspondido. Avante!, sempre avante!, pelo triunfo da classe operária!

Camaradas!

Tenhamos bem presente as palavras do camarada Eduardo Barroso, comendador da Ordem Barroquista do Hospital: o imperialismo arbitrista vai mesmo causar porcaria, a sua aversão ao SCP é patológica, razão porque todas as movimentações polémicas são decididas contra nós - porque, contra nós, são todos corajosos e apitam tudo!; e do camarada Daniel Sampaio, sobrevisor popular da Alienação Mental: não estou tranquilo com esta arbitragem que tanto tem prejudicado as massas e o sempre amado Partido.

Camaradas!

A hora é de luta! Urge suster as arremetidas contra os oprimidos!

Camaradas!

Abaixo a opressão!

Longa vida aos desfavorecidos!

Morte ao odiento FASCISMO CONTRA O POVO (FCP)!

Sempre, sempre, pela 2ª Revolução Circular!

Abaixo a Reacção!».

 

 

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