A dificil fuga ao fácil
Queria todos os dias ir embora; persistia, cada minuto, em ficar. No alto da serrania, sem outrém, no silêncio de quem não decide falar. Porquê? Porque negava a si mesmo a sua vontade?
Nem o próprio, em rigor, sabia responder.
Havia o passado mais longínquo, povoado de nomes e lugares, feitos, atitudes. De clandestinidade, também. Conhecedor de todo esse passado, esforçava-se por o reflorir num presente clarinho, sorridente. Desgraçadamente entretanto guardado na gaveta do passado mais próximo. Jamais viveria o presente, concluiu...
Subsistia o futuro, no horizonte desse presente sempre perdido, mas árduo, trabalhoso. Incerto. E guiava-lhe os passos o dito futuro, por incógnitos caminhos sem bússola e sem voz, somente pelo olfacto.
Mas eram os seus olhos que entaipavam esse passado torpe e vislumbravam amanhãs felizes. Dias nascidos no próprio dia, desirmanados de todos os ontens. Oferecidos com amor a quem os merecia.
Asfixiar o passado, não o deixando tomar-lhe conta das veias, construir a casa nova em forma de coração, de palácio. Agarrando-se desesperadamente à picareta, à grua, a quanta ferramenta não deixasse a antiguidade soerguer-se e a hecatombe surgir. Numa cruel labuta em que o fácil é doloroso e a empresa custosa mas justa, como se, em essência, não pensasse principalmente em si, antes em amanhã.
Numa expressão de gratidão capaz de alcançar o pico da montanha.
