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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

Santa Clara

João-Afonso Machado, 18.09.13

Não houve nunca o tempo das apetecíveis correrias ao longo dos infindos corredores que se adivinham naquele gigante. Nem nos idos das religiosas, aproveitando os segredos da noite para se atirarem das janelas, apontadas a carros de bois de fieis caseiros e à liberdade da espera dos seus amados. Eram apenas histórias guardadas nos séculos que antecederam a casa correcional, os rapazes ali encarcerados e a sua habilidade em encadernar, barato e bem, os livros merecedores desses desvelos em pele e ferros que enchiam a alma das bibliotecas.

Somente nos templos vizinhos, entre as estátuas jacentes dos sepulcros e outros bocados de passado, se repetiam os passeios até ao miradouro sobre o Ave com horizonte até ao mar. Há anos que já lá vão.

Da derradeira vez assim foi. Com um amigo, veraneante vilacondense de sempre. A memória transparente do rio, dos jaquinzinhos pescados do jardim, da velocidade no esqui, as lanchas, os botes, um trânsito automóvel exíguo - tudo já não era senão essa vaga recordação. Vila do Conde, outra atropelada por uma modernidade a quem ninguém ensinou a buzinar. Por tanto, a romagem que cada subida a Santa Clara traduzia exigia a qualidade dos romeiros. Daquele alto, quantos apelos aflitos da praia da nossa infância não ouviamos e acompanhávamos!

Depois o mosteiro entrou em manifesta ruina. A Vila (quero dizer: a cidade) insurgiu-se. Organizou-se. E posta em formação de ataque, investiu sobre aquela pouca-vergonha. Anteontem sairam de lá 54 toneladas de lixo vário.

Resta um destino a dar a Santa Clara. Um hotel? Algum malabarismo oficial? Um museu?

Não faço ideia. Gostaria apenas de, assim como não pude na meninice, ser agora livre de calcorrear aqueles corredores, as celas, sentir em cada uma o sofrimento de cada freira, sobretudo dessas mais formosas, vítimas de uma devoção que não era a sua. Ainda haverá por aí muitos carros de bois a transportá-las para melhores destinos...

 

 

 

A propósito de liberdade

João-Afonso Machado, 16.09.13

Caminhava espantado entre os primeiros sopros outonais. O grande mistério desse quase silêncio vivia nos passos repentinamente só seus, sem outros a ritmar consigo as horas e os dias da existência. E ecoava ainda, em si, aquela interrogação de ontem, se também carregava sobre os seus ombros o peso massacrante da reflexão.

Gozou o momento de algumas folhas pairando no ar. Mais a agitação, o magote de gente ao longe. Nunca fora de exuberâncias, ainda carpinteirava a defenição de felicidade, ali tão aplainada pela súbita e tranquila envolvência da solidão.

Conhecia quão pensava o mundo. Quão media o sofrimento e lhe sugava o proveito de uma ou outra ideia com valia. A rotina, mais o sossego que diziam proporcionar, era somente uma ilusão. Por isso aceitava de boamente não ser, em regra, compreendido. Assim ocorreria sempre, pelo menos para os submissos das vinte e quatro horas do dia. Não, além dessa mera circunstância do tempo, jamais lhe tirariam o espaço sem limites do ideal e a intransigente construção do impossivel.

(Tremeu então, não por efeito do frio: ainda não lograra distanciar-se de esporádicos acessos de mau humor, mancha indelével da sua participação em coisinhas. Essa uma aprendizagem inegligenciável...).

Por isso aquelas suas dores de costas, carpinteiro de utopias, breve cessariam, assim surgisse outra irrazoabilidade a que se dedicar.

Contando não mentisse nem esquecesse compromissos. Exactamente por se recusar vergar ao pragmatismo.

 

 

Autárquicas

João-Afonso Machado, 15.09.13

Não deixei de comparecer, hoje. A freguesia (a minha) reunia hoje em qualquer coisa que, resumidamente, era o apelo ao voto em um dos candidatos à Junta. Obviamente, o da minha preferência.

Houve discurso, houve cantares ao desafio. Com três intervenientes musicais: ela de Arouca, eles, um de Barcelos, o outro de Vermoim. O programa desenrolou-se sobretudo em torno das calças dos ditos, belíssimas, restava saber se com algo de válido lá dentro. Foi uma brincadeira pegada, quem estava gostou, riu-se, não demonstrou enfado. Por aqui é assim.

É claro, o candidato à Junta tem a sua empresa, o seu sólido modo de vida. Emprega gente e não precisa do metier autárquico para nada. Vai lá por devoção e espírito de serviço. Caso perca, no dia seguinte está em volta do torno que é o que faz há anos sem conta.

Conheço-o de longa data para poder afirmar a sua falha de ambições políticas. Não fora assim, há muito se embrenhara nas partidarites.

Ainda falaremos de Seguro e da sua recente descoberta do Interior. Por ora, apenas este registo: um freguês cidadão jovem, ciente das falhas socialistas dos últimos anos, em pleno coração do Minho decide perder dinheiro. Delega responsabilidades na sua indústria e faz-se à estrada.

Sem medo do vespeiro.

 

"Aparição"

João-Afonso Machado, 14.09.13

Ninguém mais

nesse sem igual momento

da geral evasão da palavra.

 

Mas um pouco além

o vazio trava

ao surgir alguém,

 

um louco do fundo das dores

(sabe-as quem?),

 

um mouco

entre os cordatos rumores

de meus sapatos.

 

 

 

Sábado

João-Afonso Machado, 14.09.13

Hoje repetir-se-ia a ida ao mercado por uns molhos coloridos de flores. Era a escolha cuidadosa, pequenos ramalhetes a substituir os que o sol decerto consumira. Tons vivos, afáveis, o contraponto da ausência sentida. Após o almoço seria a partida, aquela breve faina onde não faltavam as lamparinas, a cera, uma taça carinhosamente decorada. E o calor dos mármores, o silêncio das minhas competências, um regador, uma vassoura, toda a boa-vontade do mundo.

Sob o trique-trique das tesouras, os breves minutos finais da concentração e da memória. Quem se resigna ante o que é e não há como não seja?

Assim corri o meu mercado estes dias. Encontrando todas as flores capazes da atabafar uma saudade muita, bocados de ontens a cavalgarem-me o espírito. Mas jamais abrindo mão de um sorriso cá dentro, onde há gratidão, ternura e a alegria de saber viver inesqueciveis recordações.

Foi  e foi bom. A eternidade está, por vezes, nos aromas. Ou em olhares cravados na mente. Ou no passado irremediavelmente passado tão presente em quanto nos alegra hoje e amanhã.

 

Gente realmente importante

João-Afonso Machado, 12.09.13

Domingos da Silva Carneiro, por alcunha herdada, o Liques. Do lugar de Moço Morto, na freguesia de Gavião, do concelho de V. N. de Famalicão. Alfaiate que assentou praça em Novembro de 1892 no Regimento de Infanteria 18 (do Príncipe Real), no Porto. Deambularia depois por outros quarteis, do Norte até Lisboa, onde embarcou para Lourenço Marques. Sob o comando de Mouzinho de Albuquerque, participou na jornada de Chaimite.

Era um, das poucas dezenas de temerários, que esteve presente na captura do soba Gungunhana. Sem embargo, regressou anomimamente à terra, casou e prosseguiu no ofício de alfaiate. Ostentando já as insignias de 2º cabo. E vivendo numa casita coberta de colmo. Esta vida não se coadunava com a felicidade de um homem que, para reforço do erário familiar, vendia também sardinhas - era pai de 17 filhos. De seu - acima de tudo - possuia a medalha da Ordem da Torre e Espada - Valor, Lealdade e Mérito (pelo Rei e pela Lei).

A pobreza marcou a existência de um homem que não se amedrontava ante o fogo das armas, mas fugia das tesouras e das linhas de coser. A população famalicense solidarizou-se em torno do objectivo de lhe conseguir uma pensão. Liques era um herói da terra, urgia o País não esquecesse.

Cada vez mais longe do rame-rame quotidiano, Liques - sempre fardado, sempre ostentando a sua medalha de bravura - apresentava-se na estação ferroviária, de cada vez que alguma visita real (D. Luis Filipe, D. Carlos, D. Manuel II) irrompiam de comboio Minho acima.

O Monarca mártir fez questão Liques o acompanhasse de Famalicão a Viana, numa dessas viagens. Com uma generosa dádiva monetária de permeio..

Morreu de doença em Março de 1931. Foi-lhe dada sepultura em campa rasa no Cemitério Municipal.

A Câmara se encarregou depois de colocar na sua campa lápide impeditiva do desconhecimento que desmerecia.

Estranho heroi! Estranha vida! Depois de feitos da mais destemperada coragem, o ofício de alfaiate e vendedor de sardinhas nos seus inconformados dias sobrantes...

 

 

Silêncios de admirar

João-Afonso Machado, 11.09.13

Uma menina de oito anos morre no Iemen, por causa dos ferimentos recebidos na sua noite de núpcias (!!!). Já na Síria são às centenas os que pereceram pelo uso de armas quimicas - Obama ameaça com a guerra... Também na India se viola e se condena à pena capital os violadores.

E tudo isto sem uma vígilia, um grito indignado do BE e das mais forças progressistas nossas.

Porque será assim? Efeitos da campanha eleitoral que se avizinha?

Talvez não fosse pior ideia promover outra qualquer tourada por aí. Uns tantos ferros pregados em bovinos e eis o já célebre espírito cívico da nossa Esquerda a erguer-se novamente. Ao menos para consumo caseiro - vegetariano, recusando o bife.

 

De volta aos Arcos

João-Afonso Machado, 10.09.13

As actas que tenho a receber do último Congresso das Casas Antigas vieram mesmo a calhar, à míngua de uma justificação para abalar outra vez até aos Arcos de Valdevez. É lá a entrega. Não sei ainda em que hotel periférico e confesso-me nada preocupado. Mal seria se o Vez secasse ou fugisse ou se esvaziasse de peixe. Ou se os tasquitos da vila fechassem. Ou se o Soajo mingasse. Ou se as ruelas dos Arcos dessem em faustosas avenidas. Eu desaprenderia de namorar e toda a minha velhice teria de ser revista.

Porque os Arcos aguardam por ela, assinado entre nós o inevitável contrato-promessa de rio repleto e silêncio vitalício. De resto, espero levá-la (ela - não a minha velhice - sabe quem...) comigo porque o horizonte da vida vale bem o esforço de dois pares de olhos a mirá-lo.

Abençoado Congresso das mil folhas de actas que - espreitando o além - talvez nem folheie! 

 

Atenção proprietários ribeirinhos!

João-Afonso Machado, 09.09.13

A Lei (nº 54/2005, de 15 de Novembro) anda por aí às ocultas, filha do Governo de Sócrates. Poucos a conhecem, quase todos desconhecem o seu conteúdo. Levada a sério - e parece que é para sê-lo - revolucionará por completo o cenário da propriedade das terras ribeirinhas. Atente-se no seu propósito: estabelecer a titularidade dos recursos hidricos; e no teor do seu art. 15º, 1: quem pretenda obter o reconhecimento da sua propriedade sobre parcelas de leitos ou margens (...) de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis pode obter esse reconhecimento desde que intente a competente acção judicial até 1 de Janeiro de 2014, devendo provar documentalmente que tais terrenos eram, por titulo legítimo, objecto de propriedade particular (..) antes de 31 de Dezembro de 1864.

De acordo com a informação disponivel, até à data os tribunais não terão recebido mais de uma dúzia de acções. Tal significando a generalizada desprotecção, a partir do início do próximo ano, a que ficam sujeitos os donos das margens de sabe-se lá quantos cursos fluviais - porque, ainda, a defenição do navegável ou flutuável é altamente duvidosa, escorregadia. Acresce mais um dado: a margem corresponde a uma faixa de terra com 50 metros, medida do leito para o interior.

Será isto o Estado Social? Uma genuina armadilha socialista-expropriadora, concebida pela genialidade dos cérebros da defunta governação socratista? Para acabar (ou começar) o quê?

 

Meneses e a boa e a má dívida

João-Afonso Machado, 07.09.13

As últimas horas registam um crescendo de demagogia no Porto: a candidatura de Luis Filipe Meneses é, defenitivamente, uma realidade. Gaia ficou já para trás, agora só importa a campanha eleitoral. O último a sair que apague a luz, que é como quem diz - o cidadão (gaiense) que pague as dívidas.

Saiba-se, porém, distinguir: Meneses já explicou, existe a boa dívida e a má dívida. E não quererá, decerto - democrata eivado de espírito cívico - que esta última (a má dívida) seja paga pelos inocentes e remediados seus ex-munícipes.

Portanto... trata-se somente de uma questão de fazer contas.

Hoje mesmo, Meneses, imparável, já veio para os microfones, afirmando que a "marca" Porto vale muito mais do que a "marca" Portugal!!! 

A nação portuguesa chora; a capital do Norte amedronta-se; tudo porque Meneses é de marca. E provavelmente vai ganhar.

Rio, Rio, que saudades!