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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

Nos antípodas da praia

João-Afonso Machado, 15.08.13

Vinhais, na ponta norte do distrito de Bragança, será para a maioria um dos mais improváveis pensamentos de Agosto. Afinal, pouco haverá além de umas terreolas e de escassíssimas vozes, e de muito mato entre pedregulhos e temperaturas tórridas. Isto, é claro, antes de se descobrir as praias fluviais, a boa cozinha e outros tantos pormenores a adoçarem a existência dos passantes. Tal a razão, aliás, para a sua permanência depois.

Entre Nuzedo de Baixo e Ervedosa, o rio Tuela separando estas duas inimagináveis aldeias, tempos se recordam em que cerca de 700 homens se desgastavam diariamente na mina de volfrâmio. E vozes de então como que trazem à vida a agitação de picaretas no miolo da serra, as toneladas de minério extraído e pesado, vindo em vagões de uma para a outra banda, o comércio sempre a prosperar pela féria dos mineiros.

Sobreveio a falência, o abanono, as ruinas afogadas na vegetação. Ficou um mundo de memórias e, por junto, umas dezenas de residentes. Alguns lobos e um contínuo multiplicar de javalis. Castanhas para comer, dar e exportar. Anedotas e dramas compungentes, quantas mortes naquele esburacado, causadas por acidentes ou pela doença.

A geração seguinte produziu muitos estudantes no liceu de Chaves com bilhete de ida para as universidades e para o mundo. O regresso faz-se em maré de descanso estival e a visita ao povoado compreende a mostra aos forasteiros de quantas casas vêm sendo restauradas e modernizadas, onde os muito canais televisivos e a Net impedem se desfaça a ligação com o exterior. Curiosa sensação, no fim, a de que aqueles reconditos lugarejos têm o futuro garantido e melhorado.

 

 

 

À margem do tempo

João-Afonso Machado, 11.08.13

 Entre os toldos no areal e o movimento das gentes, as esplanadas e as banquinhas a vender de tudo qualquer coisa. Entre a agitação inteira do mundo e o quase aterrador silêncio do que ignoramos. Como é possivel, em Agosto, ao sábado, frente ao mar, cercada pela multidão? Aquela fantasmagórica presença, perdida no tempo, perdida no espaço?

Tem a encarquilhada lombada de um grosso volume de histórias além-mar, nos remotos tempos o Brasil da emigração. Imaginamo-la nos seus anos aureos, sozinha entre as dunas, gozando fascinada a labuta dos sargaceiros da Apúlia. De onde talvez o seu proprietário tivesse partido um dia e regressado décadas depois, rico, magnata, saudoso dos cantinhos da sua infância.

E talvez benemérito, talvez barão... Famoso, adulado, castelão... Porventura sem descendência, obreiro de um mausoleu antecipadamente condenado à ruina. A vida eterna não é bem o que, se calhar, pensou ser.

Ainda assim... os seus restos mortais, ninguém os removeu. Para o bem ou para o mal, estão lá, mantendo os seus ossos e a sua memória. Deste modo impressionante e paradoxal.

 

 

Intervalo no veraneio

João-Afonso Machado, 09.08.13

A extravagância decorre sobretudo da leitura da crónica de Pedro Bacelar de Vasconcelos, hoje, no JN, e consiste, obviamente, no comentário político em tempo de férias, com o calor a apertar. Mas a isenção com que é referida a transversalidade das ligações entre o mundo da política e o financeiro merece bem o sublinhado e duas palavras mais.

Isto a propósito ainda dos famigerados swaps. Um tema já enjoativo onde a única conclusão possivel é a de que todos lá foram molhar o bico e sacudir as penas. Ou seja, confortar o bolso e disfarçar as contas públicas, sempre devedoras.

No fundo, fala-se da nossa sina, incontornável, até que  inventemos uma classe política nova, despida de aventais maçónicos e sinceramente vocacionada para o bem comum.

Enquanto não, uma nota apenas: já lá vão não sei quantas semanas e os swaps continuam nas páginas principais da Imprensa, com a Esquerda unida, exigindo a guilhotina a funcionar 24 horas por dia. É bom sinal - é sinal que não tem mais por onde atacar.

 

 

 

Arte xávega

João-Afonso Machado, 08.08.13

«(...) o quotidiano retomava a sua habitual compostura - sem esquecer a boina e a flanela axadrezada das grossas camisas atadas pelo umbigo. Agosto mirrava, queimavam-se os últimos momentos da fartura piscatória. E com que girândola! Nessa manhã de inspiração em que, esvaziada a rede, sob aqueles saltitantes milhares de peixotes de palmo e meio, uma corvina soberba jazia inerte, sufocada no frenesim dos mais espertinos.Um clamor prolongado encheu a praia. (...) Levada em mãos - não havia cabaz que a comportasse - suspensa pela guelra, (...) todos ganharam, à ceia, o direito a uma rodada especial de aguardente» 

 

(De Entre as dunas e os anos, in Contos do Tempo, ed. DG Edições, 2008)

 

 

 

No outro lado daquele estranho mundo

João-Afonso Machado, 06.08.13

Não se trata de terçar armas pelo campo contra a praia: também os areais são convidativos, sobretudo se não sobrelotados. A querela estabelece-se em outra dimensão, a do mundo mundano versus a vida simples.

Porque o que salta para a televisão e revistas da especialidade são, precisamente, esses espaventosos momentos em que algum governante poisa o rabo em qualquer praia mais a sul, ou os craques da bola e as carinhas larocas das apresentadoras, actrizes e similares acorrem a festas complicadíssimas onde somente se percebe que o importante é parecer, muito mais do que ser.

Por aqui, a piscina nasceu de um tanque de rega, enchida pelo esforço de um minúsculo ribeiro. A água ainda há-de chegar para dessedentar o milho circundante...

E a satisfação é geral e barata. No declive, a marginar o campo, alargam-se as mesas de granito onde as gerações minhotas mais velhas se saciam de sombra e farneis bem providos, a tarde toda em gozosa conversata. A rapaziada, que entretanto aprendeu a nadar, já não dispensa o fato-de-banho e dá-lhe o uso adequado. Mais além, um centenário moinho, inteiramente recuperado, proporciona outro toque de pitoresco e da beleza rústica da região.

No fundo, o que sobressai é a tendência da classe política para, até em férias, se revelar distante, inacessível e emigrada em um desconhecido planeta. Cujos satélites são, normalmente, os endinheirados de ocasião e aspirantes a tal. Assim, como é evidente, haverá sempre um abismo enorme entre nós e eles, esse mesmo fosso que no distrito eleitoral se chama Abstenção

 

 

 

O genocídio nos rios portugueses

João-Afonso Machado, 04.08.13

Chegaram os imigrantes, vindos dos quatro cantos do mundo. E invadiram os nossos rios, onde agora se fala sobretudo francês: são os gardons, as ablettes, as sandres (ou as sandras!, à nossa maneira)... e os góbios, os lúcios, os luciopercas, as percas-sol! Isto tudo onde antes abundavam as bogas, os escalos, os barbos, as carpas (mais a sul), peixe indígena e muito nosso - pelo menos quatro sub-espécies são (ou eram...) exclusivas dos cursos de água portugueses.

A ideia foi importar bicharada carnívora e tremendamente voraz. Seja da postura de ovos dos demais, seja do próprio peixe, juvenil ou adulto. E outra, inofensiva, de pesca fácil mas sem qualquer interesse desportivo. Todas essas espécies suficientemente adaptadas à poluição dos rios. As nossas águas transformaram-se numa áfrica tribal de catana na mão, os percídeos massacrando sem dó nem piedade os ciprinideos autoctones e inofensivos.

De forma que pescar nos nossos rios, hoje em dia é quase só isto. Nas albufeiras, então, o melhor é nem falar.

Não há dúvida: os portugueses querem mesmo mal a si mesmo. Seja na Política, seja na Natureza...

 

Correio do Minho

João-Afonso Machado, 02.08.13

Minha Mãe:

Espero que este postal te vá encontrar de boa saúde que eu cá estou bem desde que chegámos ontem, pela noitinha. A guerra para estas bandas nada tem de parecido com a outra, de que o meu pai tanto falava. A minha Mãe não fique, por isso, preocupada, que aqui nem o tal capim e as picadas, nem cobras e crocodilos. E turras, não há rasto de algum e até o nosso sargento não sabe descrevê-los. Parece que a missão será pedir os documentos ao pessoal que passa nas ruas, a maior parte são camones lá com o falar deles.

Disse o nosso sargento estamos aqui para segurança dos nossos chefes e de um outro estrangeiro também importante. O calor é que é muito e a malta passa o dia na praia. Numa patrulha que já fiz, um moço meio cigano perguntou-me se eu queria uma tatuagem. Pedi-lhe fizesse uma como a do Pai, a dizer Algarve 2013 Amor de Mãe, mas ele só queria desenhar dragões e outros bichos esquisitos e pediu muito dinheiro. Mandei-o dar uma curva senão ainda lhe exigia a identificação e ele foi logo.

Consta que não ficaremos cá muito tempo. Mas os da televisão andam sempre na rua, não te esqueças de estar atenta, pode ser que eu apareça a acenar-te. Ou até a ser entrevistado para te desejar umas boas férias, que o Natal vem longe.

Por agora é tudo. Despede-se este teu filho que tanto de ti gosta e te manda um beijo

JAM

Mãe: até me esquecia, escolhi este postal por me fazer lembrar a nossa linda terra. Já me disseram que é sítio onde se come a nossa boa comida e à noite tem umas moças a dançar para a gente. O nosso sargento prometeu-nos levar-nos lá no fim da comissão.

 

 

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