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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

Já passou

João-Afonso Machado, 31.08.13

Era um olhar maternal, as mãos postas em desvelo, todo o carinho do mundo debruçado sobre a região. As preocupações de Agosto justificavam-no: o insucesso das Universidades de Verão (este povo seu filho dilecto, que não estuda nem quer saber...), a traquinice dos rolos de fumo trepando para o céu, do cimo de qualquer monte... E a muita gente sucumbida aos fogos, as chamas lavrando os campos da destruição, por todo o lado gritos de aflição (e aqui e ali de júbilo: foi detido o incendiário do Caramulo...). Enfim, razões sobravam para multiplicados cuidados.

Mas tudo lá vai. Portugal volta agora ao trabalho. O Tribunal Constitucional preencheu já a folha de serviços que remeteu ao Governo. Os comunistas estão quase a acabar de carpinteirar a Atalaia e - contra todos os receios - o contentor das t-shirts do Che chegará a tempo. António José Seguro afinal não morreu, sequer emudeceu. E (muito na sua terminologia) a agenda política apresenta-se recheada: parece que se vai legislar sobre os piropos às mulheres, o BE não brinca em serviço quando se trata de direitos fundamentais!

(Ana Drago, a menina é um borracho! - remato eu, antes que me incriminem.)

 

"O Velho Minho"

João-Afonso Machado, 30.08.13

O derradeiro jantar, antes do regresso à base. A Póvoa de Lanhoso é outro lugar obrigatório de visita. E o calor cansa, mesmo suavizado pela transparência das águas em praia fluvial do Cávado.

"O Velho Minho" é isso. Simples, de muito bom gosto e melhor paladar. Anfitreão excelente. Convidando ao retorno. Experimentem.

(Majestosa, a escarpa e o que resta do castelo de Lanhoso, em seu alto. Belas vistas! Ali, acolá, mais além, quantas espirais de fumo assinalando os incêndios, os nossos mais recentes estivais amigos. Passou muito perto o helicóptero, pendulando a sua bolsa de água. Nada a assinalar: faz parte do quotidiano...)

 

Contagem decrescente

João-Afonso Machado, 28.08.13

O fim de Agosto em contagem decrescente e os convites a surgirem para esta caminhada e aquele jantar, País adentro. Treze quilómetros sob um sol genuinamente estival entre os altos de Paredes de Coura e uma feijoada já em terras dos Arcos de Valdevez. Foi ontem.

Com os caprichos dos imensos monolitos graníticos a deixarem esquecer as formas do mau gosto que por aí campeia. Os suados estradões onde melhor acelera a oxigenação das condutas respiratórias. E um enigma, os negros mantos de carvão e cinza aqui e ali: tão longe de tudo, seria a própria Natureza em auto-mutilação? Seria a incúria ou a maldade humana? Moisés, tornado à vida, lidando mal com a sarça ardente?

Fora incêndio. Mais um, igual aos quatro ou cinco que ainda fumegavam no horizonte. Portugal é assim, nós somos assim...

O fim de Agosto em contagem decrescente tal como as eleições autárquicas. Ao ritmo do matraquear das armas no Médio Oriente e da palração Governo v. sindicatos dos funcionários públicos cá para as bandas nacionais. (Tristes, desconchavados pensamentos assolam as gentes, indiferentes à distância criada das coisas feias). Em Setembro, que é como se já houvesse principiado.

 

 

 

Contra a maré

João-Afonso Machado, 26.08.13

São as tais questões que não podem ser decididas em Lisboa, é lá (cá) na terra! Se Vizela conseguiu, porque não há-de as Taipas ser concelho, também? Um outro a cindir-se do de Guimarães?

As Taipas cresceram em volta de umas termas. É uma vila - está lá, na placa da estrada: Vila das Taipas - mas não é freguesia, porque essa chama-se Caldelas. Ainda assim, percorrem-na ventos independentistas. Sem dúvida, mais uma «velha aspiração».

Talvez tudo fosse conciliável. Havendo boa vontade e algumas concessões de terra por parte dos vimaranenses e dos bracarenses e famalicenses. Somente, teria de ser um concelho dos bons velhos tempos pré-partidocratas. Com capitão-mor, juiz de fora e juiz dos orfãos, uma chusma de clérigos vagueando em seus sítios, muita lavoura, albergarias bem guarnecidas. Sem desemprego.

Muita gente viria de longe assistir. Meirinhos e aguazis manteriam a ordem. Na vila das Taipas os automóveis não seriam consentidos: quando muito o trotar dos cavalos. Além das famosas mulas do almocreve, tantas vezes requisitadas para trazer do rio Ave, que atravessa a vila, uma fartura de cabazes do melhor peixe.

E, garantidamente, seria de olhos postos nas Taipas que o Governo encetaria, enfim, uma reforma administrativa condigna. Muito aconselhado, verdade se diga, pelo mestre-escola local.

 

 

Crime no jardim

João-Afonso Machado, 26.08.13

Foram as cadelas que alertaram. Algo de anormal se passava num canteiro do jardim, uma restolhada sem propósito, ruidosa, um agitar de algo entre o acastanhado das folhas secas, quebradiças. Mais de perto, ressaltava a visão do sapo enorme, a boca escancarada, manifestamente aflito.

Sobrava tempo para buscar com que lhe deitar a mão, na ausência da máquina fotográfica, e onde o levar para umas poses a preceito. Os sapos não se deslocam excepcionalmente depressa... Nem as cadelas cuidaram de o vigiar, já desinteressadas.

Iniciada a operação de remoção, o bicho - inchado, ofegante - parecia preso ao solo, nem para trás, nem para a frente... Aproximando o olhar, a percepção de umas mandibulas cravadas numa das suas patas traseiras, friamente, sorrateiramente; na outra extremidade das ditas mandíbulas a cauda da cobra, toda enroscada nos troncos do buxo.

Era uma cobra de água, de onde veio não se sabe, talvez do poço da horta. Poderosa, meio metro dela. Largando a presa ao intuir o propósito de a apanhar também. Numa ziguezaguear infrene sob a vegetação do canteiro, depois da japoneira, até às heras do muro onde se escapuliu nos buracos das pedras. Sem dar mais hipóteses.

Sempre este azar da máquina fotográfica inacessivel nos momentos em que mais necessária é!

O sapo veio, enfim, devidamente escoltado. Escapara ao atentado. A pata alvejada bastante maltratada, com eventual fractura e muita baba branca de cobra a assinalar a violência da agressão. Esperava-o uma caixa de sapatos e a viagem até à cidade, onde os parques sempre são mais seguros.

Embarcou com a aparente serenidade de um ministro apupado pela multidão.

 

 

Tão simples e tão complicado...

João-Afonso Machado, 24.08.13

Seria só uma ligeira alteração do Código Penal: porque o incendiário, quando executa o seu sinistro propósito, não ignora que do mesmo pode resultar a morte de alguém, e mesmo assim persiste em levá-lo a cabo. Age, portanto, com dolo eventual e pratica o crime de homicidio. Julgado e condenado, aguardá-lo-iam uns anitos largos de cadeia e a simples constatação da hipótese seria, sem dúvida, dissuasora.

Já agora, mesmo sabendo das contigências orçamentais do Ministério da Defesa, não se vê por que não aproveitar o tempo quente em exercícios militares (e para-militares) nas matas transmontanas e das Beiras interiores, onde o inimigo - o dito incendiário - é real e bem merece ser caçado vivo e, insiste-se, exemplarmente castigado nos tribunais.

Por tudo isto, a preparação dos bombeiros para lidarem com as súbitas mudanças do vento (assim escapando à morte na fogueira) não parece fundamental. Os bombeiros são, na sua esmagadora maioria, voluntários, gente com vida familiar e uma profissão de que vivem e sustentam os seus. Já basta os ensinamentos de mecânica e chaparia - por via dos quais diariamente desencarceram as vítimas dos acidentes rodoviários - para lhes acrescentar tempo à sua disponibilidade cívica.

Mas a República vive demasiadamente ocupada em explicar a sua «ética» a todos nós, cada vez mais incrédulos, para poder dedicar-se a quem vai morrendo (na tal fogueira, inquisitorialmente...)  na defesa do património e da integridade fisica dos seus semelhantes. E por isso este ano não é diferente dos anteriores nem o será dos vindouros. Mesmo porque os bombeiros não pertencem ao género grevista.

 

O Basto

João-Afonso Machado, 23.08.13

Por artes que não vêm ao caso, a escultura jacente e acéfala de um guerreiro lusitano, oriunda da Galiza e datada do século I a.C., há muito foi posta de pé no coração de Cabeceiras de Basto. E, no correr dos tempos, acrescentada: sobre o pequeno escudo circular, com a inscrição «Ponte de S. Miguel de Refoyos 1612»; já no século XIX, com um estupendo par de botas de montar, um facies e uma bigodaça de granadeiro e a barretina de quem ousou enfrentar as tropas de Napoleão. Ali ficou, encostada à parede, devotamente baptizada - o Basto.

Também outrora se roubavam pedras às ruinas dos castelos para fabricar as lareiras dos lares. Há neste portuguesíssimo desrespeito pelo património histórico (no arquelógico caso de o Basto, as estátuas gémeas terão todas permanecido do outro lado do Minho...) qualquer coisa do mais sincero carinho. Em redor do lar se reune a família, enregelada e esfomeada; naquele pitoresco o Basto se revê a região inteira, prenhe de lendas, tradições, episódios de coragem, valentia e resistência - assim catita, meio Viriato meio Gomes Freire, general por inteiro, o Basto foi elevado à dignidade de um símbolo!

E tudo as gerações acabam por perdoar, deixando crescer acima do pecadilho os mimos devidos aos adoptados. Quem ponderaria restituir hoje o Basto às suas origens, à sua essência? Quem enfrentaria, po isso, as hostes, reunidas em fúria, de Cabeceiras, Celorico e Mondim?

Pois se até as torres de Ofir ou o mamarracho Coutinho de Viana vieram para ficar...

 

 

 

 

Povo de tradições

João-Afonso Machado, 20.08.13

O Correio da Manhã acompanha-se agora de borla, entre muitos outros canais televisivos. Está lá tudo: os prolegómenos do crime hediondo, o depoimento dos vizinhos, a ambulância e o carro funerário esvaindo-se no horizonte, os orfãos ou o testamento que a vítima deixou. Tem também Maya e futebol em farta quantidade. E coisinhas cor-de-rosa, incluindo notícias da Família Real inglesa.

Os portugueses são o que são. É reconfortante saber mantemos esta nossa tradição da conversa à sombra da oliveira centenária, a tarde toda no adro da igreja paroquial. Somente, como escasseiam agora os senhores abades, podemos falar mais desbragadamente, esmiuçando incansáveis a sordidez de cada novo caso. Uma delícia!

 

Uma figura veneranda, aquele pai.

João-Afonso Machado, 17.08.13

Heroico, sem dúvida, aquele pai. O filho - reputado jornalista a quem muitas vezes pedimos moderasse debates República v. Monarquia - não esconde as suas simpatias pelo PS, muito embora com lucidez e imparcialidade bastante para se afastar da militância. E com alguns momentos de aflição pelo meio, sobretudo quando o pai resolve dirigir-se a son ami Mário Soares e escrever-lhe algumas verdades oportunas e cruas. - Pai, pai!, contem-te, isso não se diz...

Mas o pai diz. Preto no branco, em redacção lúcida e tesa como ele é. Um homem sem outro diploma além do da 4ª classe, que vive feliz com os filhos por si criados e educados, nomes prezados lá na terrinha e mais além. Uma inteligência vivissima cultivada longe das novelas, entre toda a informação televisiva disponível e submetida ao seu crivo crítico. E, o que mais impressiona, um falar invulgarmente rico de termos e expressões, onde a ironia e a metáfora dão bem conta da sua lucidez e do modo patusco com que encara a política e outros dislates da nossa existência.

Tem 90 anos. E autoridade bastante para condenar o «banditismo» de Soares quando quis «incendiar o País» apelando à «revolução dos sindicalistas». Soares, na realidade, não é mais do que uma criança, ao pé daquele pai. E mais irresponsável, menino mimado, do que todas elas.

 

Um País ainda por acordar

João-Afonso Machado, 16.08.13

Somos um País de riqueza imensa. A riqueza do belo ao nosso alcance, das formas cativantes aqui e ali, ao dobrar a esquina. Infelizmente, somos também um País distraído e por isso vulnerável, desprotegido - ante, tantas vezes, a rapacidade do estrangeiro de bom gosto e melhor sentido de oportunidades. 

E o pior: somos um País de improviso e muito desleixo. Povoado de parabólicas lado a lado com ruínas. De uma desconcertante mistura de chapa, madeira e alumínios. Desarrumado. Com pouco asseio. Um País à espera que acordemos para a nossa identidade, a parecer dormir um sono de branca de neve.

Quando assim acontecer - quando despertármos - o País será outro, incontornávelmente. E mandará recados à classe política, determinando o que quer e como quer, caso eles queiram manter o emprego.

 

 

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