Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

Bom descanso, bom Ano Novo

João-Afonso Machado, 31.07.13

 

Outro dos enganos em que o calendário sistemáticamente nos faz incorrer é o do momento do fim do ano. Talvez porque reveillons só em tempo frio, climatizado pelos casinos, sob os rigores de tão ferozes tempestades que até o mau gosto serve para encasacar o vácuo imperante nas almas e transformar o espumante em aceitável bebida. Não, o fim do ano é hoje. Amanhã será o limbo e no primeiro dia de Setembro o recomeço da vida a sério. Até lá, muitos chamam de "estação tola" o período intercalar.

Tola, tola... talvez para alguns. Depende do local, do corte dos colarinhos, da cor das calças, da naturalidade do sorriso ou da utilização que se dá à máquina fotografica. Agosto pode bem ser o mês em que a doutrina questiona este recanto estranhíssimo que criou para resguardo dos que não são sem culpa de não ter sido - o dito limbo. Isto como mero exemplo do muito que se pode reflectir não longe das ondas do mar ou entre o arvoredo no campo ou na montanha.

Porque há vida para além da profissional. Há corações que se conquistam, experiências que se concretizam, livros à espera de serem lidos... E a Volta a Portugal em bicicleta, é claro.

Um bom descanso, um bom Ano Novo para todos.

 

 

Na Pocariça, onde os leitões têm asas

João-Afonso Machado, 28.07.13

Lembro perfeitamente esse casamento há 25 anos. Um dia de festa, um grande amigo e a que ele escolhera para sua Mulher - no correr do tempo, uma grande amiga também - e todos quantos foram distinguidos pela sua amizade e pelo seu convite.

Na Pocariça, Cantanhede, em plena Bairrada. Uma região cuja beleza reside, precisamente, nas suas gentes, no espírito folgazão e no apetite comilão dos bairradinos. Acresce a tudo a memória das perdizes e dos coelhos, das célebres aberturas da caça na Pocariça. Saudades, recordações preciosas a chamarem-nos a lugares de culto de uma idade que há muito já lá vai.

E ontem foi o dia de soprar as tais 25 velas desse casamento. Houve bródio. Até porque o casamento está uma instituição cada vez mais descartável e o próprio legislador se encarregou de o pôr a ridículo, criando mutações aberrantes e insultuosas. Um casamento de 25 anos é actualmente um feito venerável, admirável, uma autêntica relíquia. Em minha opinião, sempre reforçada, esses honrados casamentos merecem a homenagem nossa de não casarmos. Velemos contrictamente a sua imagem e deixemo-nos ficar pelo acordozinho verbal entre duas pessoas de boa fé e boas intenções, com eficácia meramente inter-partes. Não contribuamos, em suma, para a sua bandalheira e louvemo-lo em todas as bodas de prata para que formos convidados.

(Assim divagando, quase esquecia o porquê do título deste apontamento: nas almoçaradas da Pocariça, os leitões assados surgem do céu fulgurantemente, em estonteante velocidade; torna-se necessária uma imensa destreza, a pontaria infalível da garfada acertando o naco à passagem rasante da supersónica travessa. Desta vez, consegui pendurar cá dentro três magníficos e bem tostadinhos exemplares.)

 

E o nosso Álvaro lá se foi

João-Afonso Machado, 24.07.13

De algum modo Álvaro Santos Pereira personifica este Governo que foi e já não é, mas continua a ser. No seu lado mais aproveitável, evidentemente. Discreto, bem intencionado, desprovido de fidelidades partidárias, um discurso ameno. Alvo dilecto da Imprensa, sempre ávida de curriculos vazios ou frases mais escorregadias, gaffes, digamos assim.

Álvaro deixou alguns pilares, espera-se que sólidos, e partiu.  Possivelmente na hora certa.

Porque neste Governo que foi e já não é, mas continua a ser, talvez seja mesmo verdade se passe a falar menos em finanças e mais em economia. Caso em que o ariete Pires de Lima sobressai de entre todos para encabeçar a pasta respectiva. Até porque, é convicção geral, o termo «irrevogável» nele é interpretado literalmente e Pires de Lima tem muito mais que fazer...

No restante, Machete..., assim a idade não lhe tolha os passos (nem Passos lhe tolha as ideias). E Jorge Moreira da Silva, com um ministério mais comprido do que ele, há de cumprir: é famalicense e basta. 
(A poção mágica da Política é sempre o bairrismo.)

 

 

Momentos trastaganos

João-Afonso Machado, 22.07.13

Podia ser ainda a voz do sangue, mas creio-a não tão forte. Ou o gosto de partir e a consciência de que para aqueles lados o mundo é imenso. Mas há mais no ímpeto das incursões alentejanas. Mais até do que o chamariz das perdizes e das lebres. E da eterna comparação com a nossa História e orgulho minhoto. Não sei bem o quê - algum dia o descobrirei... - mas algo é, acredito que a vastidão, o fatalismo, um horizonte de terra, senão mesmo de aridez, longinquo como o mar.

E a eternidade do silêncio. Como se o tempo não se movesse, apenas as amplitudes térmicas a ensinar-nos a mover os pés. Ou então todo o ouro que custa uma sombra e uma charca de água, o voo rodado das águias. Em tudo o Alentejo esmaga, queima, afoga, sofre e ensina o sofrimento. Somente deixando vivas as saudades, as suas imagens, o grito calado como o de qualquer refúgio.

 

21 de Julho

João-Afonso Machado, 21.07.13

TITAS.jpg

Olhar resignado de rainha,

mãe, dor, sofrimento,

medo silenciado,

tormento e vida

 

e tu sabendo da partida

sem jamais admitires

o fim que dizem

aí vinha,

 

querida minha

sempre nossa 

imortal rainha.

 

(in Margarida, ed. DG Edições, 2010)

 

 

 

 

A agricultura, afinal...

João-Afonso Machado, 20.07.13

A leitura dos jornais diários, além de muitos e muitos desastres viários, revela todos os dias - sem exagero - a morte de pessoas em acidentes com tractores. Hão-de reparar... Depois, quem se quiser dar à curiosidade de saber o que aconteceu, passa do título ao texto e descobre sexagenários, septuagenários, octogenários... e capotamentos, manobras mal feitas, dir-se-ia - quase infantilidades.

Numa palavra: estúpidos fins de vida.

De notar, também, as mencionadas infelicidades ocorrem, quase só, a norte e no centro do País. A nossa orografia facilmente ensina porquê, sem necessidade de explicações adicionais.

O porquê: a agricultura nacional foi levada ao abate na década de 80 do século transacto, quando a CEE entrou a mandar no nosso destino. Havia um objectivo estatístico, números de cor descer a população que vivia da lavoura de 18 para os 3%. Se calhar foi cumprido, nesta nossa estranha sina de cumprir o mau e passar ao lado do bom.

Os sobreviventes da referida depuração têm hoje a idade que têm... e continuam vivendo do que sempre viveram. Justamente quando a nova vaga, desesperada de celeiros e preços e ocupações, torna ao discurso da terra.

Mas a realidade é o que é. Destruir custa imensamente menos do que construir. E, no intervalo, acerta em cheio na gente - agora já não subvalorizada - que morre à míngua de continuadores.

A República portuguesa é isto. Sempre, sempre, impunemente.

 

 

"Na antiga azenha"

João-Afonso Machado, 19.07.13

Era uma ruina, apenas. Nos idos em que, a pé ou de bicicleta, calcorreava seis quilómetros e enchia a alma e trazia qualquer coisa no cacifo daquelas águas límpidas e sumarentas de bogas e trutas. Que saudades! Estou a vê-las, as pintalgadas, palmudas de mão ampla, depois da mais silenciosa aproximação, hirtas e enormes, postas de cabeça contra a correnteza. Uma e outra e outra, aqui e mais vinte metros ali. Chegando o tempo das rolas, revejo bem a estranha sensação suscitada por um miúdo, cartucheira à cinta, espingarda a tiracolo, pedalando estrada fora, seis quilómetros pareciam nada, e Nine fogueado nas margens do rio Este até cansar. Vai lá uma vida que tanto e tão longe viveu depois, memorialista, sempre na mira do regresso.

Entretanto, a sujidade principiou a brotar em Braga e as trutas foi um ar que se lhes deu. Tantas vezes passei a belíssima ponte românica, já de automóvel, parando invariavelmente a beber recordações. Avinagradas na sujidade do leito fluvial, turvo, moribundo, capaz apenas de alguma enguia, umas fedorentas pardelhas. A azenha, ruína onde chegou a funcionar um matadouro clandestino (!), transfigurara-se em habitação à sombra da qual ainda acreditei na pesca e invejei o proprietário. Relembro peixinhos, desses que resistem a todos os venenos, relembro o fim inevitável das galinhas-de-água e das rolas do início da época venatória. Eram sucessivos setembros de desilusão.

E foi no ano transacto que voltei à carga, a matar dores do Passado, a velha ponte imperturbável, nos muitos séculos da sua existência. A azenha era agora um restaurante, uma esplanada, o ranger das madeiras do soalho sobre a massa hidraulica. E as águas haviam recuperado claridade, o peixe entusiasmava, visto cá de cima, rabiando entre a vegetação aquática. Preso à margem, um botezinho dava o toque da ressurreição, era uma festa, uma promessa, um chamariz. Um breve trecho de felicidade.

Assim combinámos, tu e eu, um jantar na velha azenha de Nine. Assim invocámos os passos mais elegantes da nossa juventude e rematámos a noite com beijos que prometiam a continuação do Amanhã. Assim acreditei no determinismo e em inauditas regras do cosmos e nessa convicção vivi tantos meses.

Ainda recentemente voltámos. Outra vez rodeados de águas pardas – oh desilusão! – em pescaria de crianças. Mas a azenha estava lá, a sua varanda sobre o rio e uma comidinha ligeira – uns camarões, outros petiscos para picar – a imprescindível garrafa de verde branco fresquinho. Falaram-nos em lontras, esquivas, sorrateiras, rente às margens, e eu até quis acreditar, tanto quanto em outras miragens ao som das velas. Numa ingenuidade de adolescente, a espingarda e a cana esquecidas, todas as manhas também, numa espécie de ansia ante a primeira experiência. A sonhar acordado, dormindo apenas para a realidade…

Afinal, nada travara o caminhar dos anos. O que antes nunca chegara a ser jamais seria, senão apenas em momentos fugazes e escondidos de toda a gente…

Mas aproveitem, caríssimos famalicenses. Vão à azenha velha de Nine e sonhem, recordem, sorriam um pouco também. Talvez escutando somente o calado deslizar das águas do Este.

 

(Publicado no semanário Cidade de Hoje, de V. N. de Famalicão, ed. de 18.JUL.2013, na crónica De Torna Viagem)

 

 

 

O "Manifesto"

João-Afonso Machado, 17.07.13

O recente "Manifesto" de reputadas personalidades - um papel sempre presente em ocasiões de aperto - é, desta vez, importante. Como única é a situação que o determina.

O repto foi lançado. Por Cavaco Silva. E dirigido aos partidos supostamente menos irresponsáveis - o CDS, o PSD e o PS.

Pois muito bem. As notícias estão aí, minuto a minuto. O PS é uma entidade no Parlamento, tem cara para se dizer outra nas conversações programadas para alcançar o dito consenso de «salvação nacional». Onde, obviamente, multiplica queixumes quanto à atitude dos demais intervenientes.

Seguro não quer eleições antecipadas. Cumpre apenas o papel de desgastar a Direita partidária. No restante nem ele sabe como como é, ou será. Trata-se somente de sacudir águas do capote para cima da t-shirt dos seus interlocutores.

Será que o subscritor Daniel Bessa deixará passar esta tactica em claro? Ou os outros de boa fé, oriundos da mesma área?

Se calhar, o PS detestou este "Manifesto". Sobretudo onde se frisa o perigo do não regresso ao mercado financeiro internacional.

 

 

Nada de confusões

João-Afonso Machado, 15.07.13

A classe política está em autêntico delirio. Tem um Verão inteiro para politicar - aos berros, da banda da Esquerda radical, borbulhando despeitos e acusações mútuas entre a mais moderada e os partidos da Direita, coitados, cada vez a perceber-se melhor quão falhos de competências. O tema é obvio: uma conjugação de esforços de salvação nacional ou eleições antecipadas.

A iniciativa coube ao Presidente da República. A serem - quem acredita? - bem sucedidos os seus estratagemas, Cavaco garante um lugar na História. Por ter conseguido o que, em todo o Constitucionalismo português, apenas El-Rei D. Carlos e João Franco haviam logrado: mais do que a tolerância, o apoio do Partido Socialista de então aos regeneradores-liberais. Atrevimento esse, aliás, que custou a vida aquele desditoso monarca.

Mas - nada de confusões. Socialistas como Batalha Reis ou Augusto Fuschini, apoiantes do chamado fortalecimento do poder real, tinham lido Saint Simon, Owen, Proudhon... Como eles, Eça, Ramalho, uma boa e sã parte da geração de 70. Karl Marx nunca entrara na gaveta em que Soares o colocou porque nem sequer de lá saíra. 

E, liberal puro (qual Estado Social!), Afonso Costa tratou imediatamente, implantada a I República, de lhes demonstrar o respeito que lhe merecia o seu utopismo. Durante umas décadas não tornou a falar-se de socialistas e os de agora não prestam.

 

Progressos no Parque

João-Afonso Machado, 13.07.13

Este é o primeiro Verão do Parque. Uma novidade em vegetação, fauna, o curso de água menos excitado mas ainda assim limpo, carregado de vida.

E as noites continuam os dias em magotes de gente. No momento dos espectáculos musicais ou teatrais, na "hora de ponta" do restaurante e do bar. Ou mesmo prosseguindo o footing, o passeio de bicicleta.

O Parque da Devesa, em Famalicão - terra de acentuado desemprego, note-se - é, por isso, um símbolo: do que podemos esperar do Poder Local e de nós próprios, testando resistências, buscando forças e esperanças. A vida continua, ao menos sem inconsequentes revoltas.

(A animar a malta, porque faz falta, esteve cá ontem o Herman José. Mas, com franqueza..., tão honrosa visita teve o condão de me reter em casa à noite. Sossegadinho.)

 

Pág. 1/2