Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

Há assassinos a montante

João-Afonso Machado, 30.06.13

O sonho disfarçou-se de esperança. Talvez porque jamais os melros deixem o seu cantorio de final de tarde nas margens dos rios, entre recordações antigas de fundos limpos, areados, águas correntes. Era imenso o entusiasmo, quase da altura da desilusão. Aquelas cores enegrecidas, espessas, não enganam, somente nos deixam sem respostas e aos peixes sem respiro.

Lugares venerandos das trutas lendárias e de homens seculares, pontes capazes de enfrentar o Tempo e sobreviver. Três pardelhas minusculas insistindo as matasse, não queriam voltar a tão tristes águas. Foi preciso empurrá-las...

 

 

Correio do Minho

João-Afonso Machado, 30.06.13

Prezado Senhor Dr. Mário Soares:

Escrevo-lhe para o Campo Grande, convicto de que, nesta vaga de calor, aí se encontrará rodeado de todos os seus livros e quadros, menos os que conserva na Fundação ou em Nafarros. E muito a correr, somente para o informar estou de abalada em mais uma travessia do Atlântico Sul, partindo aqui do aeródromo de Braga. Tenho de chegar a tempo da final da Taça das Confederações e substituir a Presidente Dilma Youssef no Maracanã.

Nada disto constitui novidade para si, eu sei. A Presidente indisposta por excesso de turbulência popular e o sempre amigo Dr. Mário Soares a aconselhá-la - do que você necessita é de um monárquico, católico e conservador (de um anarquista, em suma), olhe aí o Machado, o rapaz vai lá...

E a Dilma telefonou-me e eu fui, ou melhor - vou. Por acaso em um momento nada conveniente, tenho entre mãos o guião para uma peça teatral, encomenda da Câmara Municipal, sobre o assassinato de um morgado minhoto seiscentista. Ainda hesitei... Mas depois, pensei, o ambiente no Brasil sempre há-de ser inspirador da escrita, assim eu consiga regressar, e enfim, noblesse oblige.  Aí estou, com os motores da avioneta já a aquecer.

Suponho não cometer uma grande inconfidência se lhe contar que a Dilma, estimando-o sobremaneira, far-me-á portador de uma reduzida tanga, oferenda para o Dr. Mário Soares. Para o seu algarvezinho que se aproxima (ela acha-o abatidote e quere-o rejuvenescido) e como símbolo universal do estado a que socialistas e trabalhistas conduzem os povos, neste caso irmãos. Eu acho legal, da parte da Dilma. 

Está na hora. Acenam-me de dentro do Cessna.

Não se exponha muito ao sol. Espere pela tanga. E receba as mais cordiais saudações do mais humilde dos seus colaboradores na obra imensa de salvar o Mundo,

João Afonso Machado

 

 

 

Sobre eventuais surpresas eleitorais

João-Afonso Machado, 28.06.13

Dentro precisamente três meses serão as eleições autárquicas. A fraquissima votação nos partidos da Coligação é quase uma certeza e compreende-se - nunca antes houve um Governo tão impopular e, embora os assuntos não sejam misturáveis, em Portugal é deste modo que se ajustam as contas.

Por essa e por outras (não é uma interpretação minha, resulta do que gente muito próxima das cúpulas do PS me contou então), Sócrates, tentando afastar de si o incómodo de pedir a intervenção da Troika, congeminou um PEC IV, valeu-se da ingenuidade e precipitação de Passos Coelho, rejubilou com o chumbo na AR de mais esse aperto e saiu da trampa por si acumulada responsabilizando a Oposição pelo seu cheiro. Após saborosa estadia em Paris, ei-lo de novo entre nós, a destapar a fossa e a apontar o dedo a quem a não carregou.

Tudo para dizer que mais do que não admirador de Passos Coelho compete-me dedicar a Sócrates a minha total ausência de consideração. E, ainda, que se não fosse o actual, outro qualquer 1º Ministro se veria a trilhar os mesmos caminhos da aflição. Infelizmente, no que respeita a políticos, só nos é dado escolher entre maus e menos maus.

Sucede, porém, o Poder Local vir revelando - não de há muito - gente com reais capacidades e dedicação. E força bastante para (se identificadas com os partidos da Coligação) se manterem à frente das suas autarquias ou conquistarem-nas aos seus adversários. Contrariando absolutamente o expectável e prestando um valiosissimo contributo para o desmascarar do Estado e a afirmação das Regiões.

 

 

Por cá, a greve geral

João-Afonso Machado, 27.06.13

Segundo os jornais, Arménio Carlos e Carlos Silva deram o «pontapé de saída da greve» (sic) aos primeiros minutos de hoje no Centro de Resíduos Urbanos da Câmara de Lisboa. Gostos não se discutem... E, de manhã, o dirigente da UGT comentava na televisão tudo estar a correr bem, os camiões do lixo não tinham saído.

Os gostos não se discutem, repete-se. Vai um calor dos demónios, o lixo não consiste propriamente numa fonte de saúde, mas é absolutamente respeitável as varejas tenham os seus admiradores.

Ainda assim, dei de barato o meu direito ao nauseabundo. E logo cedinho, aproveitando o primeiro passeio das pequenas, tratei de apurar as opções do pessoal camarário aqui da terra nesta madrugada. Não fosse ter prevalecido o direito aos montículos dos restos da cozinha amontoados ao longo dos passeios.

Nada! Os arruamentos limpos como se em outro dia qualquer. Absoluta sonegação do direito aos maus cheiros e à podridão. Gostei muito da greve geral aqui para estas bandas, conforme pude depois confirmar numa minha deslocação aos correios. Persista ela todos os dias.

 

 

À atenção de todos nós

João-Afonso Machado, 24.06.13

A imensidão do Brasil dispersa bastante o desejável prumo da análise que a sua actual situação merece. Por onde começar, ante os que nos é dado ver? Talvez perguntando ao nosso velho Marocas para que serve um "Partido dos Trabalhadores". Sim, um partido de Esquerda nado e criado sob a benção universal dos camaradas, feito todo ele a pensar em favelas, multidões de esfomeados, abismos sociais... Enfim, nisso mesmo, nos trabalhadores.

E, é claro, um partido assim desenhado, socialista, recheado de amigos de Mário Soares, há-de, por defenição, passear sempre na governação de mãos dadas com o Estado Social.

Pois é o que se tem visto em S. Paulo, no Rio, em Niterói, Belo Horizonte... Com a turbamulta levando tudo à frente, sem transportes públicos nem serviços de saúde (então e o socialérrimo SNS, camaradas?) mas com uma Copa e uns Jogos Olimpicos à porta...

Dilma, já se percebeu, não tem o fôlego de Lula. De momento, enaltece o diálogo, anseia dialogar e promete novas medidas. Muito mal vão as coisas quando principiam as ofertas do pacote... Até porque fica a inevitável interrogação: então mas porquê só agora? Onde esteve o pacote até agora?

Infelizmente, tudo isto faz lembrar as aventuras de Tintin entre os Pícaros. Com Dilma, um Tapioca de saias; e Serafim Lampião, o loquaz Soares, ligeiramente menos encurvado mas por igual empenhado no Carnaval socialista.

 

 

 

 

Feira Medieval, sabem onde

João-Afonso Machado, 22.06.13

Dizem que foi a Idade das Trevas, mas não é verdade, é mais um engano "deles", a querer desinformar a gente. Como bem se vê, o mundo medieval eram os mestres e os oficiais e aprendizes de cinco estrelas. Ao contrário dos sindicatos, as corporações viviam não da luta, mas da concertação de classes. E de uma realeza de crepes, doçaria e boas viandas, que isto logo à noite é que vai ser cá um festunço!...

Manda o rigor histórico se diga, calhava de vez em quando uma epidemiazita ou outra, e as inevitáveis invasões dos maus, sempre levados de vencida pelos bons. Por isso permanecemos Portugal até hoje. Na esperança de, desta feita, derrotarmos em campo de batalha, outra vez, os almorávidas do Nobre Soares.

 

 

Outro quindim da greve dos profs.

João-Afonso Machado, 19.06.13

Aos 15 anos já pensava pela sua cabeça, em regra, aliás, não muito condizentemente com modas e movimentações de massas. Militava na Juventude Monárquica Revolucionária e prezava muito a sua liberdade. Como ainda hoje em que profissionalmente conjuga a lavoura e a docência no Ensino Secundário.

Por razões que são as dele - e um ou outro excêntrico consideram valer tanto como as das demais pessoas - resolveu não aderir a esta última greve que espalhafatosamente caiu em cima da data dos exames. Vai daí, comunicou aos seus colegas a sua decisão e apresentou-se a serviço, na vigilância das provas.

Da reacção dos colegas: a reprovação e o insulto. Mesmo por parte daqueles com quem sempre mantivera cordiais relações.

Dos acontecimentos do dia: a meio da manhã veio cá fora fumar o seu cigarro. De imediato se viu rodeado por outros professores e por mais achincalhos, ameaças e - curioso!... - variadas fotografias tiradas com telemóveis. Ainda assim aproximou-se deles, procurou o diálogo, conhecia-os todos e o grupo não era enorme (os restantes grevistas deviam ter aproveitado para tratar de assuntos pessoais...). Conversa fria, distante, de muito pouco companheirismo. Foi quando um prof. de Educação Fisica se dirigiu a ele em claros propósitos de agressão. Outros, mais sensatos, impediram chegassem a vias de facto.

Da necessária conclusão: a greve não é um direito, antes um dever. O dever de, pelo menos, contribuir para a estatística dos sindicatos. A Constituição ou foi escrita ou está a ser lida ao contrário.

Leva quem não greva? Será assim?

 

 

 

 

 

Ainda a greve dos professores

João-Afonso Machado, 18.06.13

A conversa estava interessantíssima, nos intervalos em que elas, ambas professoras, não discorriam sobre a maçada da carga horária e da reforma e das avaliações e das suas regalias. A conversa - a verdadeira conversa - centrava-se mais na excitação de ir a Lisboa, nesse dia de passeio, com viagem ainda por cima de borla. É claro, não estava em causa a perfidia do ministro. Mas o que as levava à Capital era, entusiasmadamente, as montras, a companhia, o fim-de-semana fora da norma. E a televisão, a t-shirt, o carnaval na Avenida da Liberdade. Por isso mesmo, o grande chefe Mário Nogueira foi jamais chamado à colação. Ele ou os sindicatos ou mesmo o ministro, pelo menos em assanhadas palavras contra a sua alegada prepotência.

Partiram cá de cima e levaram farnel. No dia seguinte contaram tudo: tinha sido um forrobodó.

Aliás, com tradições. Como bem explicava aqueloutro professor, a meio caminho entre a escola básica e o seminário - porventura um mestre de Religião e Moral, um homem desconhecedor da mentira - já tinham entalado este e mais este ministro (e nomeava-os todos, desde Guterres para cá) pelo que também Crato cairia aos pés dos docentes portugueses. Era só mais um...

Bem vistas as coisas, Portugal só tem um problema - é não ter safa alguma...

 

 

Se a Esquerda não existe?

João-Afonso Machado, 16.06.13

No prefácio ao seu O Antigo Regime e a Revolução, escreveu Alexis de Tocqueville «os franceses fizeram em 1789 o maior esforço jamais efectuado por qualquer povo, para, por assim dizer, cortar o seu destino em dois e separar por um abismo aquilo que haviam sido até então daquilo que queriam ser no futuro. Neste sentido, tomaram toda a espécie de precauções para não levarem para a sua nova condição fosse o que fosse do passado; impuseram-se toda a espécie de constrangimentos para se moldarem de modo diferente do de seus pais; nada esqueceram para se tornarem irreconhecíveis».

Será de acrescentar -  a tal ponto que, alguns anos volvidos, marchavam atrás de Napoleão numa das maiores sanhas imperialistas de toda a História Universal... E as movimentações bolcheviques de 1917 limitaram-se a repetir o fadário em relação ao qual só com a queda do Muro de Berlim pudemos respirar fundo, enfim.

A Esquerda voltou então - agora - à formulação libertária, mais do que à igualitária. Mas sempre massificante - o barulho é o seu oxigénio. E entre as propostas extremistas de Jerónimo e o discurso despudorado de Sócrates - únicamente se dirá que a Esquerda mostra bem o que é em momentos televisivos como o de logo à noite (RTP1), "antes e depois do adeus"...

Porque, em boa verdade, a Esquerda não sabe, e nunca soube, exactamente o que quer. Apenas invectiva o que não quer - os modelos societários tradicionais (sejam eles asiaticos, europeus, africanos...) cuja evolução seria recomendável decorresse da interligação entre a ciência e a reflexão sobre a essência humana. Onde a revolução pretendeu atingir a organização económica visa hoje destruir os alicerces sociais das comunidades. Ei-la, umas décadas depois dos obsessivos "planos quinquenais", na linha da frente do combate pela legalização do aborto e  do consumo do haxixe...

A interessante crónica de José António Saraiva ("A esquerda não existe") na última edição do Sol talvez peque assim por alguma imprecisão. É que se dificilmente a Esquerda se poderá unir em torno de um programa comum, isso significa apenas que a Direita, imensamente mais progressiva, não padece de tais problemas dado as suas franjas mais extremistas - pelo menos cá em Portugal - há muito terem desaparecido do mapa político.

 

 

"Palavras açaimadas"

João-Afonso Machado, 15.06.13

É no atropelo de não saber

e não escrever,

 

é vê-lo,

o sentido imenso do querer,

dor sem o desenho

dos olhos de alguém

para os ler.

 

Lenho, ferida, sangue perdido,

amor, empenho

e raiva incolor

no vaivém sofrido

em esperanças de cor.

Sinal entre horas a passear

 

e um beijo final no silêncio açaimado

das palavras a hesitar.

 

 

 

Pág. 1/2