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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

Um minhoto na Capital

João-Afonso Machado, 21.02.13

Fui descobri-la verdadeiramente desanimada. Sentada à borda de água, com ar de quem via a Barca do Inferno. Mas, justamente, era mais um dia de greve. A sua viagem à outra banda já não seria.

- Bandidos! Gatunos!

Tentei acalmá-la, não era prudente aquela linguagem. Ainda ontem um grupo de democratas assim apelidara um Ministro e

- Olhe, a prestar contas na Policia. Identificados e sabe-se lá que mais...

Ripostou com aquela fúria tanto do meu apreço. Uma coisa era insultar um Ministro em plena conferência, outra este seu desabafo, carregado de sentido, não?

- Quer-se trabalhar, precisa-se trabalhar, e estes mariolas - ainda por cima os que ganham mais - fecham-nos as rotas com as malditas greves.

Confesso, não percebi (nem quis perguntar) que raio de trabalho fora ela arranjar na margem de lá. No local onde menos provavelmente se trabalha, salvo o exercício profissional da greve com intuito lucrativo. E logo me vieram à ideia os metalurgicos da Lisnave e o cerco da Assembleia e o desgraçado do Olívio França, que era do PPD e lá do Norte, já de provectissima idade, a cair de fraqueza e nervoseira, conduzido ao hospital, enquanto os manifestantes passavam coxas de galinha assadas aos deputados do PCP... Irra! Para essas bandas do Demo, jamais!

Mas ela insistia

- Ladrões! Se não se querem cansar, demitam-se. Vão-se embora que não falta quem...

E debalde lhe explicava estava a dois passos da detenção. Há coisas que se não admissiveis de chamar a um Ministro, muito menos a um comunista, queria dizer, a um democrata de gema. Ela não me ouvia. Não entendia o especial estatuto desses iluminados. E eu, olhando em redor, já temia o aproximar de algum deles, de pau em riste em defesa da greve contra o reaccionarismo fura-grevista.

- Preguiçosos! Mandriões! Chulos!

Já da outra ponta do cais se avizinhava um ser hirsuto, alentadíssimo. Meu Deus, não é que o reconheci, da reportagem da semana passada frente a S. Bento? Um dos mais visiveis, na linha da frente, à pedrada a tudo quanto mexia?

E a meia-voz, apenas para poupar a minha desbocada amiga a um embaraço maior, entoei então: Grândola, vila morena terra da fraternidade / o povo é quem mais ordena... - e por aí fora, até o gorila, resfolegando bravamente, desconfiadamente, tornar ao seu poiso, enfim.