A propósito da renuncia papal
Foi, decerto, generalizada, a percepção de que algo iria rapidamente mudar na Igreja Católica após a morte de João Paulo II. Tanto quanto a surpresa com a eleição, para seu sucessor, de um cardeal alemão, eminentemente um teólogo mais do que um homem de multidões.
E depois a escolha do nome do novo representante de Cristo na Terra: Bento XVI. Um cardinal longo, um designativo parecendo vir do Passado. O anterior Bento (XV) exerceu o sem magistério em plena Guerra de 14-18, bateu-se pela paz (ao ponto de o Vaticano ser excluido das correlativas negociações inter-nações) e, uma vez consumado o armistício, dedicou-se à reforma da Igreja. Com vista à sua adequação para o mundo novo que se adivinhava despertar após aqueles anos de beligerância nunca antes vista.
Na prudente atitude de evitar entrar em especulações fáceis, às gentes do Catolicismo restava aguardar a recta orientação de todos estes dados para uma justificação plausivel. E esta talvez seja agora clara. (Doenças e escandalos obviamente à parte).
Se João Paulo II limpidamente foi o Papa certo no momento certissimo em que a Europa inteira (começando pela Polónia...) se preparava para a libertação do totalitarismo comunista, Bento XVI é de crer haja pretendido um breve interlúdio doutrinal antes de um novo - até em idade - Chefe da Igreja marcar uma outra forma interventiva no conturbado Presente e no conturbadissimo Futuro.
Porque o tempo que se segue será talvez muito mais de acção do que de meditação. A hipótese de um Cardeal nigeriano assim ganha todo o sentido e traduzirá em Roma as aceleradissimas mudanças que se vivem em todo o planeta.
Além do impacto histórico resultante de uma renúncia - facto raríssimo - do Santo Padre, é bem certo não seria necessário nem desejável aguardar a morte de Bento XVI para a Igreja se pôr em campo, ao lado dos muitos milhões que sofrem o dia-a-dia e - diariamente - carecem de ajuda.
Resignando, Bento XVI veio, além do mais, recordar aos fieis a lição da humildade; e, aos mais ortodoxos, a imperiosidade da evolução e da adaptação.