Das "Memórias de um Átomo"
«Era uma escola em reboliço permanente, infernalmente ruidosa, e a vizinhança queixava-se. Por tudo e por nada, a rapaziada pegava-se, degladiava-se, sustentava o burburinho durante semanas e semanas de acusações recíprocas.
Era, diziam os mais perspicazes, uma boa escola de jornalismo. De facto, não tinham parança, os obreiros dos jornais de parede.
E dessa vez foi o Tozé Seguro a resolver implicar com o Pedro Passos porque não queria o Franquelim Alves na equipa de futebol. Não queria, e mais - exigia ao Pedro explicasse a toda a gente por alma de quem admitira o Franquelim.
Mas o Tozé tinha uns óculos enormes e um olhar choramingão. Por muito que se quisesse dar ares de valentão (como o Valentim de Gondomar), saía-se sempre com aquela cara pingona de a quem tinham roubado os berlindes.
Menos mal quando a malta do Bairro da Estrela ou da Praceta Cunhal Patrício, que também não gostava do Pedro, vinha em seu auxílio.
- Dá cá os berlindes, ó ladrão!
- Gatuno! Onde escondeste os berlindes?, Sim, tu, ó Pedro! Tu e o Franquelim.
- O Franquelim roubou os berlindes?
- Não, vai entrar na equipa e não sabe jogar futebol...
- E os berlindes?
- Quais berlindes?
Com o recreio em brasa e os transeuntes escandalizados com tal cagarim, o Franquelim foi chamado a explicar-se: afinal, roubara, ou não, os berlindes ao Tozé?
Roubara nada. O que ele gostava era de futebol e só queria jogar. A Imprensa desportiva já o apelidava de "empreendedor", "criativo", um "predador" na grande área. Daí a confusão...
Bom, haverá em tudo isto um certo exagero. Mas o rapaz, se calhar, até dá uns toques.
O mais são as invejocas do costume...».
(Com a devida anuência do meu Amigo J. da Ega, a quem muito agradeço).