Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

Soares

João-Afonso Machado, 16.12.12

A esta hora creio estar Mário Soares "no ar", em mais uma entrevista televisiva. Não poderei acompanhá-la - a Família não deixa. Assim ficarei sem dados concretos para - uma vez mais e sempre - cair em cima do veneno que destila e de todo o mal que jamais deixou de causar a Portugal.

Amanhã, por isso, outras coisas poderão ser ditas. A serem sobrepostas à sua última boutade - nem no tempo de Salazar se passou, em terras pátrias, tanta fome como agora.

Daí apenas a constatação de que, na sua demagógica ética republicana, Soares parece ter esquecido as privações suportadas por todos, no decurso da II Grande Guerra - possivelmente porque disporia de outras fontes de abastecimento... E, porque não?, o inesquecivel momento em que Soares "virou" democrata - esse mesmo em que a Esquerda mais exaltada o impediu de discursar no 1º de Maio de 1975.

Foi aí. Soares, simplesmente, temeu por si próprio. E só assim arrumou o socialismo "na gaveta" e apanhou a boleia do descontentamento generalizado até aos sucessivos triunfos na Fonte Luminosa, no 25 de Novembro e nas sequentes Legislativas. Com Sá Carneiro, de permeio, a cortar-lhe cerce a discursata abusiva.

Outros tempos... Já tão longínquos que todos esquecemos os seus abraços, o namorico com Cunhal. Presentemente, com a sua Fundação privada dos fundos da sua sobrevivência, Soares retorna a isso mesmo - aos abraços e ao namorico com (os sucessores de) Cunhal.

 

 

Areais e memoriais

João-Afonso Machado, 16.12.12

Em outra dimensão, ei-lo, colector de migalhas, onde o Verão se ri e festeja e se comprime entre a multidão. À distância de uns meses, cada vez mais minutos parcos de existências que galopam desabridamente entre o colorido das barracas e o furor das águas galgando o areal. Sei bem qual instante prefiro: este mesmo das gaivotas e dos pilritos, dos destroços trazidos pelo mar.

O Verão de plástico nada tem para contar. Somente a fúria da tempestade se faz da carne e do osso das muitas - boas e más, mas todas de verdade - recordações vindas entre correntes e remoínhos, as tais migalhas da vida arriscando o bico certeiro das aves marinhas, não fosse a gente, postos de cócoras, debruçados sobre os despojos esparsos pelas onda, a salvá-las do esquecimento.

 

 

"Retrato"

João-Afonso Machado, 14.12.12

A tua voz distante,

sombra de contornos esbatidos,

eco sem século nem origem,

- convite?, apelo?

Ou vertigem?

 

E os teus olhos de amante,

claros ou negros? – indefinidos,

eco sem século nem origem,

- convite ou apelo?

 

Vertigem!

 

 

 

A Reconquista

João-Afonso Machado, 14.12.12

Encham-se as sitiadas hostes sportinguistas de júbilo e esperança. Nem a invernia nem as águas do Minho impediram os Pelágios, vencida Covadonga, de alcançarem já Valença. O seu destino é Lisboa, assim reunam forças bastantes para o combate inevitável e sangrento. Mas vitorioso. Que os derradeiros leais ao califa Godinho Lopes o aconselhem a ir fazendo as malas.

 

 

 

 

"Alerta vermelho"

João-Afonso Machado, 14.12.12

O Minho está sob tempestade feroz. Esperamos sobreviver, talvez o céu não nos caia em cima da cabeça. Nem uma árvore qualquer. Mas ouvem-se as sirenes dos bombeiros, de quando em vez. Desentupimentos, é o mais certo, e nada como aligeirar estas tolices dos «alertas vermelhos» (ou «encarnados»?).

Isto, obviamente, cá para o Interior. No litoral, a sério, queira Deus o mar não faça das suas, hão-de andar embarcações ao largo que a vida está dificil.

Quanto ao mais... Em entrevistas de hoje ao JN, os responsáveis autárquicos de todo o distrito de Braga, nada apoquentados com o vento e a chuva, unanimemente apontaram o lado de onde vem a catástrofe - o do desemprego. E o que faz aí a Protecção Civil? E o Estado Social, esse benemérito?

(Chove no meu quarto, algo sem dúvida desagradável mas não constituindo perigo de afogamento. Nem impedimento ao trabalho.)

 

 

 

 

"Indesejos"

João-Afonso Machado, 12.12.12

Se me encontrares na rua

algum dia, por calhar,

 

olha o céu de inverno

pintado de azul, tão terno,

 

e não pares, continua

com esses olhos no ar.

 

 

 

Aconteceu assim

João-Afonso Machado, 11.12.12

Não queiras dizer que não aconteceu. Acrescenta apenas, baixinho, foi há muito tempo. Pois foi. Entrava eu nos 18 anos e tu quase a despedir-te deles. Mulher feita, fresquinha, a vila inteira seguindo-te os passos bem lançados, apesar de ainda sem rumo defenido. Tudo podia ocorrer. Já só faltava fechar a última cavilha da minha velha mala de viagem. Viviamos a iminência do nunca mais.

Não fora o acaso daquela tarde na pastelaria! Essa mesma onde os mais exuberantes entusiastas da tua beleza te cercavam a salmodiar banalidades. E onde eu nem costumava entrar, mais levado para os bilhares ou talvez para longe de tão intransponível concorrência.

Assim pensava, assim continuaria a pensar, não surgisse essa tarde, esses breves minutos de ninguém mais e um olhar, um sorriso, dois passos e o cigarro que me pediste e eu não te dei porque detestavas tabaco sem filtro, mas pronto, de repente senti um olhar a puxar-me para a cadeira em frente, era o teu, carregado de curiosidade, mesmo de interesse, interesseiro, a Universidade vinha aí, como ia ser, como não ia, insisto, as tuas pernas, as mais lindas da vila, hesitavam ainda no rumo a seguir.

E assim foram todas as horas até ser noite nesse longínquo solstício de verão, de volta de uma cerveja e da poesia do Jim Morrison com que principiei a chamar-te para um mundo diferente, sem calças de boca-de-sino nem Barry White.

O mais não interessa. Nada aconteceu para além da pastelaria depois encerrada ao público, justamente porque nela só cabia toda a nossa história e...

(Não!, não me interrompas garantindo-me gostavas imenso tivesse sido assim. Foi. Quando, como e onde, não sei. Mas foi.)

 

 

Sentidamente

João-Afonso Machado, 11.12.12

O desabafo de uma mãe - anoitecendo, é à luz da vela ou de um "foco" e a rezar para que a comida não se estrague no frigorífico; a notícia sobre o que já não se consegue pagar de consumo de electricidade entre as famílias portuguesas, assusta, choca, dá muito a pensar. A miséria é sempre mais perceptivel através de situações concretas, rostos expressivos e identificáveis, não chega saber-se que - não se sabe aonde - alguém sofre, passa privações, chora os seus males e os dos seus filhos.

Talvez haja mesmo algum orgulho em nos dizermos não mais perto de a quem nada falta do que não tão longe dos que tudo perderam. A desgraça, felizmente, não nos bateu à porta, mas privações desconhecidas em outros tempos já se sentem e por elas norteamos o quotidiano. Algo de absolutamente estranho às gentes do aparelho do Estado; algo, ao invés, a vir merecendo especial atenção das autarquias, e essa, decerto, a mais agradável surpresa ao fundo do longo túnel à nossa frente.

Não se trata de criticar esta ou aquela opção política; somente a aparência, o status, o automóvel portentoso, a regaliazinha.

Não sei porque ocorre, muito ou pouco possa ser feito, a produção literária ou a criação de cães surgem tão cheias de oportunidade e pertinência. Possivelmente porque estes são, sempre foram, os maiores amigos do homem; e aquela uma espécie de confessionário, ou uma manifestação contra ou a favor do que quer não reclame o ar cheio de pedras da calçada.

 

 

Lá no cimo, junto às ruinas do que nunca foi

João-Afonso Machado, 09.12.12

Era o monte dos grandes passeios escolares da infância. Com saída logo ao amanhecer, merenda trazida de casa e um bom par de quilómetros pela frente. Acompanhados dos professores e sempre escoltados por matas à esquerda e à direita e em frente, sempre em frente até ao topo da elevação. Onde pontificava a capelinha, o parque das romarias e uma tarde de brincadeira, logo que saciadas a fome e a sede.

É de imaginar há quanto tempo assim era tal floresta, com vista para a vila...

No andar das décadas, as suas encostas cogumelizaram-se de casas, aliás, a esmagadora maioria das quais do mais duvidoso gosto. Atrás das casas veio o alcatrão. E atrás do alcatrão, os cafés, as mini-indústrias e as oficinas e mais casas. Todos os dias mais casas.

Ainda agora, lá em cima, uma urbanização - quase duas dezenas de fogos - coisa moderna, construções em banda (como se diz)... com o acabado ar de definitivamente inacabadas. Não disfarçando a irremediável falta das amplas vidraças com que se revestem as faces avarandadas dos cubos e dos paralelípipedos habitacionais da arquitectura mais recente.

E o mono ali ficou, no pico do monte, esparvoado, decerto à espera que cá em baixo, nas instâncias judiciais, alguém lhe dê um destino, defunta que será a empresa sua construtora.

A ganância frequentemente é fatal à lucidez: números redondos, há no presente mais 1,8 milhões de casas do que famílias em Portugal. E tanta coisa para quê? Se fosse só para ficarem à espera... Se não tivessem dado cabo da paisagem...

 

 

"Soneto do Tempo"

João-Afonso Machado, 06.12.12

Tempo ordeiro este Tempo vagaroso,

Matematicamente calculado,

Tempo, ritmo igual, suplício penoso,

Calendário em punho levantado.

 

Mas porque não galopas, poderoso

Como  qualquer corcel livre no prado,

Galgando horas e dias, fogoso,

Sem freios e relógio nem cuidado?

 

Corre Tempo, cavalga – ultrapassa

Previsões e leis de sincronia,

Calca a espera, tira-me a mordaça

 

E acalma, por fim, a tua euforia.

Pára! Diga-se então – o tempo não passa

E a saudade é absurda fantasia!