Aconteceu assim
Não queiras dizer que não aconteceu. Acrescenta apenas, baixinho, foi há muito tempo. Pois foi. Entrava eu nos 18 anos e tu quase a despedir-te deles. Mulher feita, fresquinha, a vila inteira seguindo-te os passos bem lançados, apesar de ainda sem rumo defenido. Tudo podia ocorrer. Já só faltava fechar a última cavilha da minha velha mala de viagem. Viviamos a iminência do nunca mais.
Não fora o acaso daquela tarde na pastelaria! Essa mesma onde os mais exuberantes entusiastas da tua beleza te cercavam a salmodiar banalidades. E onde eu nem costumava entrar, mais levado para os bilhares ou talvez para longe de tão intransponível concorrência.
Assim pensava, assim continuaria a pensar, não surgisse essa tarde, esses breves minutos de ninguém mais e um olhar, um sorriso, dois passos e o cigarro que me pediste e eu não te dei porque detestavas tabaco sem filtro, mas pronto, de repente senti um olhar a puxar-me para a cadeira em frente, era o teu, carregado de curiosidade, mesmo de interesse, interesseiro, a Universidade vinha aí, como ia ser, como não ia, insisto, as tuas pernas, as mais lindas da vila, hesitavam ainda no rumo a seguir.
E assim foram todas as horas até ser noite nesse longínquo solstício de verão, de volta de uma cerveja e da poesia do Jim Morrison com que principiei a chamar-te para um mundo diferente, sem calças de boca-de-sino nem Barry White.
O mais não interessa. Nada aconteceu para além da pastelaria depois encerrada ao público, justamente porque nela só cabia toda a nossa história e...
(Não!, não me interrompas garantindo-me gostavas imenso tivesse sido assim. Foi. Quando, como e onde, não sei. Mas foi.)