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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

O Bom Ano Novo possivel

João-Afonso Machado, 31.12.12

A pândega política é fértil em iniciativas assim: haja uma data, um ajuntamentozinho, umas palavras de ordem... e temos aí nova organização, outro assomo de cidadania dos mesmos preocupados de sempre com a intervenção cívica.

E a vulgarização deste patriotismo descartável dá em a gente sequer ter reparado no parto feliz de mais uma - o Congresso Democrático das Alternativas; em 5 de Outubro, ainda por cima.

Com o arrumar do ano que hoje finda, descobriu-se, entretanto, a deserção de alguns notáveis: Vasco Lourenço, marechal abrilino, e Alfredo Barroso, denodado sportinguista. Em duas palavras, porque alguém (vindo da área bloquista, segundo se diz) estava tentando partidarizar tão ilustre e representativa entidade.

(A Esquerda mantém-se voraz. Obviamente. Dela jamais advirão Festas Felizes).

Sirva o exemplo para que encaremos com outros olhos o quase chegado 2013. Trata-se, somente, de desligar o complicador. E, já agora, atentar nesta premonição que nem Zandinga captaria: vem aí o ano das Autarquias (para além de ser também o das Autárquicas) - o ano em que os portugueses sentirão, enfim, quanto o Poder Local lhes pode valer neste calvário fiscal e de prepotência estatal. Num ressuscitar de solidariedade entre as gentes da nossa terra.

Para todos, o Bom Ano Novo possivel.

 

 

 

Aromas da cidade de antigamente

João-Afonso Machado, 29.12.12

Acho muito bem continuemos a ser assim, sentados à mesa. Vitaliciamente sentados em volta do que mesmo a miséria que não podemos ignorar - nunca conseguirá esquecer. A mesa e o bacalhau, aquela roda imensa de vegetais cozidos a prestar-lhe vassalagem, o calor dos que nos dizem algo, o do tinto bem escolhido também, e a apoteóse, as rabanadas, o bolo-sempre-sempre-rei, mesmo a excentricidade do cálice de Porto. Natal adiante até ao Ano que aí vem.

Montras à feição das Festas não são destrutiveis. Lugares onde os géneros se escolhem um a um e se desconhece essas práticas desumanas da embalagem em série e da fatia já cortada. Um foco luminosíssimo na escuridão que se abate sobre a cidade de antigamente. A alegria de muitos, quiseram décadas de irresponsabilidade política não seja já o bródio de todos.

Talvez  fosse até de omitir estas palavras de bem-estar, tão longe andam tantos da possibilidade de lhes sentir o sabor.

 

 

A cidade e as férias

João-Afonso Machado, 27.12.12

Não é afinal o lugar infernal como parecia evidente. A cidade tem recantos e tem ângulos. Pequenos espaços do maior equilíbrio, uma imensidão de harmonias no dobrar da mais imprevisivel esquina. A cidade só não tem - e tanto dele carece! - o tempo devido aos olhares de quem respira fundo e não se limita a devorar o chão que pisa com medo de escorregar.

É natural seja, por isso, as férias de eleição dos campesinos, a cidade. Nos seus mirantes, nas suas vielas, no silêncio súbito que se abate entre as janelas quase se tocando frente a frente. E nos gritos das histórias contadas em páginas de pedra trabalhada. O mapa todo é uma vida a desdobrá-lo e a percorrer os seus traços em cores diversas com o dedo e a intuição de por aqui, sim! é caminho!

Esta tarde rendeu, ainda assim. Em apenas três ou quatro lugares da sua toponímia. A continuação ainda não tem data marcada porque férias são férias, há que saber gozá-las...

 

 

 

 

"Natal"

João-Afonso Machado, 24.12.12

PRESÉPIOS.JPG

Dizem pode ter sido

nada depois das cores e nada resta,

apenas a festa

 

ou um filho nascido

de lendários amores,

nada além de um conto antigo de Belém.

 

Mas tudo foi alma cheia

nessa noite sem dores onde tudo aconteceu

contigo e comigo

e a Morte morreu

quando o Menino nasceu.

 

 

O melhor é pensar assim

João-Afonso Machado, 22.12.12

... E uma vez condenados a mantermo-nos vivos - uns boateiros, esses Maias... - talvez seja mesmo de fazer um esforço de vontade e de imaginação. O carreiro, diante de nós, afigura-se longo e tortuoso. De muita exigência para as já bem cansadas pernas em que nos transportamos.

Mas pensemos - porque não? -  desde ontem principiaram os dias a crescer. Lentamente, ainda imperceptívelmente. Mas seguramente. Como se acrescentando sempre um pouco mais de luz a esbater a escuridão em que, sem dúvida, todos nos achamos.

Como se, afinal, tivessemos batido no fundo e, daqui em diante, só para melhor, impossivel será descer ainda para pior.

É certo, temos um Estado devorista para alimentar muitos anos mais. E que nos foi surripiando impostos com algum suposto pudor, agora descaradamente perdido, tudo valendo para obrigar o cidadão a pagar colossais dívidas acumuladas.

Mas, por isso mesmo, há-de partir de nós a nossa própria salvação. Contra o desemprego, contra a carestia de vida, contra todas as privações em geral. É claro, sempre com justificada prudência e aquela pontinha de receio de que só os loucos não sentem a picadela. Creio não poder, nesta altura, pensar de outro modo - depois de 25 de advocacia no Porto, resolvi "abrir banca" na Provincia... Se tenho clientes? Não, não tenho, ficaram todos lá na cidade. 

 

 

Hoje, o fim do mundo

João-Afonso Machado, 21.12.12

Constata-se, o dia parece propício. Esta escuridão, esta morrinha, esta tristeza matinal... Só não sabemos a que hora começa, e por que forma espantosa. O fim do mundo, é claro, agendado para hoje.

Foi tudo tratado um pouco em cima do joelho. Com mudanças é sempre a mesma coisa... Mas ontem lá conversámos todos, a saber dos planos de cada um - o que fazes tu no fim do mundo?

O Diogo garantiu-me que não saía de casa. Já não tem pachorra para confusões. E o Luis vai para Afife: diz que gosta sempre de um primeiro mergulho nas ondas do tsunami terminal.

Já o Toninho escolheu o Gerês. Um cagarola, este Toninho, o seu fatal pretexto da natureza e das cabras e garranos, mas agarrado às altitudes onde as águas demorarão a chegar. Ficou-se pelo Antigo Testamento, o nosso Noé nortenho. Bastava-lhe um desviozinho pela banda desenhada, Edgar P. Jacobs, não mais, e perceberia que o cataclismo pode vir da imensidão celestial, sob a forma de bolas de fogo a atingi-lo antes que à gente, com maldade e impiedade (aliás, julgo que neste fim do mundo anda mão do Coronel Olrik) e transformando a Caniçada numa sopa imensa a escaldar, senão mesmo no refúgio de um vulcão clandestino em erupção alvar, pobre Toninho e a sua esturricada familia.

E eu por mim ainda não decidi. O fim do mundo está muito mal organizado, ninguém conhece o programa, não fui informado de horários e tenho um julgamentozinho nos Julgados de Paz. Uma maçada! Se nada acontecer, entretanto, irei até à minha terra. Tenho lá a quem abraçar no momento derradeiro. Vai ser um espectáculo nunca antes presenciado.

Bom fim do mundo para todos!

 

 

 

Livros

João-Afonso Machado, 20.12.12

Mensageiros das Estrelas é uma "antologia de contos de ficção ciêntifica e fantástico" da Fronteira do Caos - Editores. Foi recentemente apresentado num colóquio organizado pelo Centro de Estudos Anglísticos da Universiade de Lisboa e divide-se em quatro grandes temas: "Alameda da Universalidade", "A Todo o Vapor", "A República Nunca Existiu! - Parte 2" e "Época de Apocalipses".

Reune contos de 18 autores. Isto se se considerar que a minha prospectiva de Portugal caso El-Rei D. Carlos não fosse assassinado é um conto. Pelo contrário, creio que é o mais preciso enunciado de como tudo fatalmente aconteceria até aos nossos dias nesse Portugal que só não o é porque, para não o ser, foi preciso matar o Rei.

À vossa curiosidade.

 

  

"De minha graça"

João-Afonso Machado, 19.12.12

… Anónimo assim me chamo

de baptismo na multidão

e no abismo residente

 

tempo onde me proclamo

entre a milésima hora

e toda a gente

 

escuridão sem fundo

Anónimo eu me derramo

na vastidão do mundo.

 

 

 

 

(B)azares?

João-Afonso Machado, 18.12.12

Ignora-se como nos vamos dar com eles, mas parece que teremos os turcos aí à porta. Como no tempo do temível Império Otomano e sem sinais da bravura de Matapão. São assim as voltas que o mundo dá.

Talvez não seja, porém, um lavar em sangue as cimitarras. Há muito os turcos dizem querer ocidentalizar-se. Não fora alguns pequenos pormenores (como, justamente, a pena de morte em vigor onde Maomé ainda dá cartas, ou, se calhar, a sua apetência pela cachimbada em espaços públicos fechados), não fora essas ligeiras diferenças civilizacionais, e ei-los - europeus e unionistas, nossos irmãos de sempre.

Enquanto não, é como com os chineses: vai-se lá à caça ou à pesca - de empresários e investidores. E sempre envergando a fatiota de quem acaba de chegar do lado mais polido do planeta.

Que este derradeiro parágrafo ao menos nos demarque desse pavoroso título noticioso hoje na Net - «Passos e Álvaro vendem Portugal na Turquia»!...

Abrenúncio! Ainda que verdade - abrenúncio! Eles - o Passos e o Álvaro - foram apenas a umas comprinhas lá nos bazares de Ancara. Mais nada!

 

 

O meu Cavaleiro

João-Afonso Machado, 17.12.12

Não o consegui apanhar, creio. Sei-lhe a espada e a capa, o chapéu de abas e as esporas douradas. O seu cavalo branco e as éguas. A riqueza das terras, a fidalguia do nome. E os três casamentos, toda a sua prole. Sei bastante, dir-se-ia, o suficiente para uma história inteira pintada de sangue e de amores e ódios, também sei de lanças e bestas e escravos. E da India e de Alcácer Quibir, de onde não voltaram filhos seus.

Li os documentos que se deixaram ler. Porventura, os mais esclarecedores. Ainda assim... o meu cavaleiro escapa-se-me, como se na tragédia desses nevoeiros quinhentistas. Porque não é de um conto ou de um romance que se trata. É de uma conversa, de uma ressurreição. Supostamente, o meu cavaleiro voltaria a cavalgar nas páginas escritas pele Genética em toda a força de uma vida jamais tornando a morrer.

Somente... captei-lhe a barbicha e os safões, a cor do gibão. As vacas vermelhas e as cabras soltas nos montados. Os seus teres, afinal; mas não o seu ser. Simão Pinheiro, Simão Primeiro, por que rondas andais que vos sinto sem vos ver?

 

 

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