Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

Rotas de um livro novo

João-Afonso Machado, 19.11.12

O texto escrito, paginado, revisto... A capa, pensada e repensada, finalmente uma expressão. Um rosto, há quem diga assim. Alea jacta est, suspira-se. Agora segue-se o mais complicado, neste mundo de filhos enjeitados e oportunidades perdidas.

Lançar, apresentar, um livro é o calvário. Todo o peso da cruz. Tão maior do que aquele que haviamos de esquecer após a investigação, a escrita, a catarse ou a euforia. Justamente quando se pensa que o encontro do autor com as palavras fechou o capítulo. E obteve justiça e a paz na alma. Não! É então que principia a grande travessia. Apenas porque publicado, o livro, se pretende seja lido.

E a sua leitura está quase só nas mãos dos amigos. A percentagem restante na contabilidade das livrarias. Divulgá-lo é colocá-lo na linha da lealdade do leitor com o escrevedor sobre as páginas daquele volume.

É doloroso. Gostar de oferecer, obrigar-se a vender! Mas, a não ser como é, restaria o serão literário sem capa nem páginas com sequência. Consumidas no instante de um amabilíssimo jantar. Desprovido de perpetuidade.

Por isso, assim havemos de viver em tais contigências -  do agrupar dos amigos e dos amigos dos amigos. Dos conhecidos, de imediato elevados a amigos. Eu não sabia, até consagrados nomes de escritores mais adestrados me favorecerem com o conselho: manda convites, apresenta...

E por isso batalho por outro livro mais, não o próximo, nem sei qual, em que tudo não necessite ser deste modo. Batalho por esse livro em que me releia nas mãos de qualquer apreciador gozando a escrita e a amenidade do sol poente no colorido do horizonte.

Até lá... obrigado, queridos amigos e apoiantes!

 

 

Despedida

João-Afonso Machado, 16.11.12

O teu embarque seria uma viagem de há quase quatro décadas, outro tempo de locomotivas e compartimentos, a mesma mochila. Não tão rodada como essa tua saia xadrez de hoje, negra e encarnada garrido de todos os sonhos em que não deixamos o Passado afogar-se e, boca a boca, o mantemos presente, uma vida futura.

Respondo a esse aceno sorridente na plataforma sempre fugindo. O negro esbate-se, já só resta o encarnado garrido da tua saia de roda e um pouco de vento, um sopro de adolescência, porque não vieste também?

Ouviriamos os Stones e Leonard Cohen, o Passado presente, boca a boca, joelhos de menina, saia eterna quanto a perna estreita das minhas Lois

E, já no fim do horizonte, reparo ainda na delicadeza das tuas mãos, uma sobre as repas do cabelo, a outra ensinando o encarnado garrido da saia a não fugir: nem no tempo, nem no vento.

 

 

O País precisa ser governado à esquerda

João-Afonso Machado, 15.11.12

ARMÉNIO CARLOS.JPG

Os comunistas conseguiram! As ruas voltaram a encher-se do oco e opaco "o povo unido jamais será vencido!". Triste sinal de um povo iludido e esquecido, sempre perdido. A necessitar, uma vez por todas, de ser esclarecido.

Por isso o Poder à Esquerda! O Poder entregue à arrogância que invade a Kapital, como nos velhos e hegemónicos tempos do Kremlin e da impunidade com que se insulta e apedreja a polícia (por seu turno invariavelmente culpada de bastonadas em cabeças sempre inocentes e "por acaso" ali) e se incendeia e vandaliza o património público e privado.

A agitação de ontem em Lisboa foi um «sinal vermelho» - basofiou Arménio Carlos - aos governantes eleitos por inquestionável maioria. Mas já a CGTP, o PCP ou mesmo um qualquer estivador falam em nome de todos os portugueses, e assim provocam, agridem e destroem com a autoridade imensa dos piquetes de greve.

O Governo, hediondo, está sozinho? A afirmação, gravíssima, tem donos: o Kamarada Jerónimo, os herdeiros de Louçã, mesmo o respigadote Tozé. E os embuçados dos petardos e das pedras roubadas às calçadas. Pois bem: se a certeza é tanta, nada como gentilmente lhes ceder as funções executivas. Permitindo vir à tona as suas miraculosas fórmulas de recuperação económica, de salvaguarda de direitos laborais, de atenuação da austeridade.

Porque é tempo de purgar o País dessas e de outras falácias. Dos Otelos e dos Garcias Pereiras à solta por aí, invectivando à «revolta» contra os «assassinos» frente às câmaras televisivas. E de toda a demagogia e irresponsabilidade de quantos instigadores, então inevitavelmente confrontados com o Povo - afinal em que ficamos? não é devido o prometido? - , deixando-os grevarem-se pelas pernas abaixo.  

Falta-nos outro "25". Não de Abril mas de Novembro. Onde (ao contrário do afirmado por Melo Antunes), o PCP - e similares - não sejam arvorados ao galarim de essenciais à democracia, pela simples razão de não serem uma causa mas antes um efeito da liberdade de todos nós. Onde, desta feita, cesse finalmente a tirania moral ainda praticada pela Esquerda.

 

 

 

 

Ontem foi assim

João-Afonso Machado, 14.11.12

Manhã sem pretensões, já longe os desagravos. Apenas o sol encimando a copa das árvores e os pés antecipadamente molhados, a humidade do chão não é tempo de se ir assim, sem mais. A pardalada sacode as penas e os cães gostam da ausência de sede. Também se marcha bem na terra mole das chuvas recentes.

E talvez a espingarda e a cartucheira fossem mera decoração. As esperanças eram nenhumas, horas sem eco, mas a Tareja fala já fluentemente embora continue a gostar de melros. O regresso ao local da galinhola resultou apenas de porque sim, a quantos anos estamos de nova passagem do cometa? Perdizes? Parece se acoitam no logradouro da quinta mais próxima, todos garantem vê-las por ali, mas tiros debaixo da janela só a ratazanas. Foi como chegou a vez da máquina fotográfica: a trespassar a neblina e os raios do sol, vindo ainda do nascente para o meio-dia, talvez de tarde sequem os prados e a erva brava das leiras ora condomínios fechados dos láparos.

Do lado oposto do vale o sino badala as horas. É sempre emocionante o silêncio dos vizinhos, a quietude da vida lá no cimo da freguesia. Onde o velho leão ruge o sono eterno dos nossos Avós. Podia e devia ser assim todos os dias. 

 

 

É amanhã (a greve "geral")

João-Afonso Machado, 13.11.12

Porquê? Para quê? Geral? Aonde?

Evidentemente, o País não paralisará. Tão a contragosto da malta do costume. Somente marchará mais devagar rumo à desejada recuperação económica. E enquanto a Esquerda em geral, e os sindicalistas em particular, se entretém a apresentar números fantásticos de adesão à greve, os menos tontos (também ditos reaccionários) referirão os milhões que este fogo-fátuo custará ao País. Assim a História prosseguirá o seu republicanissimo, apocaliptico, curso.

Porque o direito à greve é, entre nós, infelizmente, por demais recente. Valerá a pena uma brevíssima retrospectiva: depois de, com a queda da Monarquia, Afonso Costa - por isso apodado o "Racha-sindicalistas" - iniciar a perseguição a socialistas e anarquistas, depois da severa opressão sobre o operariado levada a cabo por Salazar, depois desses 64 anos de República, os portugueses gozam o agora seu, muito seu, direito - a fazer greve. Não vá alguém distrair-se e tornar a coartá-lo...

Lamentavelmente sem que a tantos ocorra contabilizar prejuizos e identificar prejudicados - por acaso eles (nós) próprios, excepção feita aos profissonais do sindicalismo e aos cultores da política de terra queimada.

 

Um sucesso, o inter-rail do Tozé

João-Afonso Machado, 11.11.12

Telefonou ontem à noite, a dar notícias, eufórico. Estava na Anadia, já muito no Norte da Europa, e comungava de um jantar de 600 bairradinos, assim se chamam os nativos da Bairrada, curiosissima região - contava o Tozé à família Socialista - em que a base da alimentação é o leitão e o espumante.

(- E ainda há quem nos mande comer menos bifes!, 

indignava-se o jovem descobridor de novos povos e novas culturas...).

Imbuido dos ideais mais românticos, Tozé não se cansa de pugnar em todos os seus contactos pelo fim da austeridade que vem matando o Mundo.

- É preciso colocar a prioridade na economia e no emprego!,

sabe a família Socialista, embevecida, serem palavras de ordem sua, por essa Europa fora, do Tejo ao Douro, de Lisboa a (se as férias não findarem  entretanto) Barca de Alva. Porque, acrescenta Tozé, a taxa do crescimento produtivo nos últimos dez anos indicia não haver sido gerada riqueza suficiente para resolver os nossos problemas

(- Eh pá, Tozé, não vás muito por aí, que nos últimos dez anos morámos lá nós...

bichanou-lhe o Tio Zé Vieira da Silva do outro lado do auscultador.

- Olha, rapaz, não fales mais que gastas as moedas todas...).

Tozé quer negociar com os credores, pedir tempo para consolidar as contas públicas e pagar as dívidas, e vir de lá com juros mais baixos. Foi por tão nobres ideais que Tozé pendurou a mochila nas costas e apanhou o combóio-correio. E, certamente, no próximo inter-rail Tozé já saberá dar os passos concretos para atingir os seus fins. Até lá, por montes e vales, Tozé terá espaço bastante para aprender que para a venda de uma casa não basta a vontade do vendedor: dá jeito que esta convirja com a vontade de um qualquer comprador. Algo que Tozé, de resto, não tem a obrigação de saber porque nunca fez a cadeira de Teoria Geral do Direito Civil.

 

 

 

A galinhola, maldito seja eu

João-Afonso Machado, 10.11.12

Desculpa, Tareja, a minha azelhice. Era a tua primeira galinhola. Bem marrada, levantada a preceito naquele voo curto poisado quase a meus pés. Eu a olhar para ela, a ver-lhe as formas, o inconfundivel bico. Hesitante, espreitando-me a medo, optou por novo arranque, a rasar o verde humido destas manhãs de Outono. Deixei-a alargar-se e foi o disparo. Com a prontidão com que agora escrevo de rajada, esmagado de vergonha. Sobretudo porque, claramente, a "dama" não caiu, apenas aterrou entre a vegetação densa e nós dois - lembras-te? - a subir, marcado o sítio, a correr encosta acima, talvez restasse ainda uma oportunidade...

Mas não. Nem tu nem eu soubemos mais da galinhola. E tanto queria apresentar-ta! Tê-la nas mãos, colher duas ou três penas, memória histórica da ave rara, e encher-te de consolo com o cheiro de um quase-mito. Mas falhei! Imperdoavelmente falhei. Por isso me calo. Pelo trofeu perdido, pela lição que me deste a troco de uma minha que não recebeste.

Desculpa Tareja. Ainda vou pensar se voltarei à caça. Tu mereces mais e melhor.

 

 

Das "Memórias de um Átomo"

João-Afonso Machado, 09.11.12

O marçano José Povinho já não suportava mais. Num repente, tudo lhe parecia fugir debaixo dos pés. Tudo! - a assistência médica, o apoio à educação escolar dos pimpolhos, o comer da burra em que se deslocava e o seu e dos seus, sobretudo essa premência. Foi então que decidiu protestar.

Mas perante quem? A quem pedir contas, responsabilizar? Aconselhou-o o compadre, homem conhecedor das letras, leitor dos jornais.

- Vá o compadre falar com o Sr. Estado Social [ES]. Somente S. Ex.cia o informará e por si tudo fará.

Seguindo angustiadamente a recomendação, o José Povinho foi. Eram 10 da manhã quando chegou.

E pouco faltava para as 10 da noite quando regressou. Sem lograr ser recebido, maldito dia, perdido dia nas curvas de uma interminável fila onde esperava toda a sorte de padecentes, parentes seus.

José Povinho porfiou. À terceira tentativa, quando decidiu nem ir à cama, ouviu entusiasmado o seu nome, a sua oportunidade. Sua Ex.cia o ES ia enfim recebê-lo. Soavam as dez badaladas no relógio da paroquial igreja.

Sem tardança desbobinou os seus males. Ouviu-o sem interromper o grande bonzo ES. Sem embargo do encomiástico palavrório dirigido ao filho dilecto, o Serviço Nacional de Saúde [SNS], e ao Ensino Público que, todos sabemos, é a escola de todos nós. A toda a sorte de apoios sociais da sua tradição de ES.

Foi um momento de acalorada esperança:

- Então, Ex.cia, poderei contar com o Centro de Saúde que a televisão disse ia ser fechado? E com o abono de família, o subsídio, a bolsa de estudo para o moço mais velho?

- Calma, calma, calma... A crise, sabe, a crise, furou-nos os cofres. Temos de garantir o salvador, o meu SNS. Para bem de todos nós..., perdão de todos vós. Por isso, para já...

- Ex.cia! A doença da minha patroa, o pão para os meus filhos não esperam por amanhã. O que devo fazer, Ex.cia?

O filantropo ES embatucou. E pigarreou. E somente alvitrou:

- Olhe, sendo assim... dirija-se a essa senhora, a Isabel Jonet, do Banco Alimentar...

- ???

- A Isabel Jonet. Uma ricaça com a mania de que vocês são todos pobres. Aproveite. Pelo menos a sopinha para os seus garotos não faltará.

E já na despedida, quando o José Povinho, cabisbaixo, entendera haver de tocar a outro batente:

- Oh Sr. Povinho, não esqueça, isto é off record...

- É o quê?...

- ... off record. Quero dizer: eu nada disse. O nosso SNS é que é a democracia e sem ele adeus... Precisamos é de nos manter unidos contra os demoníacos neo-liberais.

- ?!?!?!.

 

(Com a devida anuência do meu Amigo J. da Ega, a quem mui grato sou.)

 

 

Angela Merkel recua perante Tozé

João-Afonso Machado, 08.11.12

A notíca é espantosa: aquando da sua vinda a Portugal, a Chanceler alemã não se avistará com o dirigente máximo do PS. Um deputado, ainda por cima, eleito pelo povo, tribuno brilhante, homem de ciência.

Fontes geralmente bem informadas (exigindo todavia o anonimato) revelaram porquê: insistir na austeridade é um disparate! - terá bradado António José Seguro, o nosso popular Tozé. Jurando dizê-lo, olhos nos olhos, à Senhora Merkel, assim com ela se encontrasse em terras lusas.

Os conselheiros germânicos unanimemente se pronunciaram contra o referido encontro. Antes o coro formidável dos indignados e equiparados frente a S. Bento, antes as costumeiras grades no chão e os petardos no ar...

- Mesmo com as Polícias chamando «gatunos» ao Governo? Mesmo sem o controlo das ruas garantido?

- Sim, Fraulein, mesmo assim. O Tozé, sabe?, é tremendo. Capaz de em dois argumentos a deitar abaixo aqui mesmo, entre o seu eleitorado no Reich.

 

 

Memórias vilacondenses (XV)

João-Afonso Machado, 07.11.12

Em 1971 surgia uma nova modalidade no Circuito: o Troféu Datsun. Carros todos do mesmo modelo - o imparável 1200 - em rigorosos parâmetros de idêntica preparação mecânica. Não havia nem melhores nem piores, valeria somente a perícia dos pilotos. O resultado desenhou-se catastroficamente entusiasmante.

Eram máquinas cuja potência ultrapassava de largo a sua estabilidade. Levezinhas quanto endiabradas. Os Datsun 1200 voavam. Para a esquerda ou para a direita e sobretudo por cima dos fardos de palha postos de maneira a evitar acidentes maiores. Foi um sucesso! Na curva do Praia Azul, no "S", era vê-los às turras, em piões alucinantes, despistes de arrepio...

Não creio tenha havido competição mais empolgante. Facto macabro da Revolução abrilina, em 1975 o Troféu Datsun finara-se já. Mas a gente de Vila do Conde jamais o esquecerá.

Não sei se por isso, também a Tia, em 1979, comprou o seu Datsun. Azul escuro, duas portas, em segunda mão. Lindo! E desenvolto. Andava que se desunhava.

A Tia não era famosa em pista. Especializara-se em ralis, mercê de tantos anos nas picadas de Mouquim e S. Tiago da Cruz. Aí sim! - fumegava sobre o cascalho. De modo que o grande recorde em velocidade do seu fenomenal Datsun foi batido pelo sobrinho. Nesse fim de tarde com a Prima Balocas, como pendura, aos berros

(- Mais devagar! Mais devagar!),

em que o Datsun atingiu na marginal de Vila do Conde (confesso, uma vez prescrito o inerente procedimento criminal) os 120 km/h, o volante nas mãos de um descartado.