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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

Um minhoto na Capital

João-Afonso Machado, 28.11.12

Era um inusitado movimento de gente desde o Largo de Camões. Pela Calçada do Combro abaixo, bandeiras vermelhas, bandeiras negras, ainda pensei fosse a claque do Olhanense, o Algarve inteiro, mas ela - ah!, sempre tão bela! - vindo de repente na esquina da Travessa André Valente, fez-me reconhecer a burrice da ideia, então onde é que as cores clubisticas se dividem em bandeiras separadas?

- Não, meu caro, é mais uma manifestação contra a maldita austeridade!

Recém-chegado da terra, aliás muito comiserado ante o desemprego grassando entre os meus patrícios, que buscam desesperadamente combatê-lo, ouvira já as notícias, na Capital é assim: a chatear a Polícia, à pedrada contra tudo, é assim se crê surjam do céu postos de trabalho. Distraidamente pensara até, ao ligar o televisor, ser a Monarquia, enfim, investindo contra a República em S. Bento, na sacrossanta reconquista da "Casa da Democracia". Fugaz lampejo... Ao ouvir o «filhos da p...» uníssono e ritmado, mais o estrondo dos petardos, ao perceber a "sopa de calhau" e o garrafame pelo ar, logo conclui não serem os meus. Eram os deles, os da macacada.

E lá lhe fui recomendando - sempre tão frágil... - não se expusesse. Assim como assim...

Mas qual! Foi uma enumeração prolongada de tribos, os sindicatos, os «indignados», os facebookianos, os estivadores, os marinheiros (essa malta fatal do fatídico Arsenal), a rapaziada do Bloco... Quase mais as tribos do que os barulhentos tribais. Não tardou a chuva de estrelas calcárias contra os agentes de segurança, cuja resposta sobre os propulsores dos ditos mísseis demorou umas horas mais.

Mas chegou, enfim. E foi então um ver se te avias. O largo vazou em menos de um instante e para a história ficaram umas bastonadas, mais um coro de insultos, algumas vidraças partidas e quaisquer detidos. Ocorreu-me, na confusão (e na prudência do nosso recanto de observadores):

- E se, para a próxima, montássemos aqui uma barraquinha de cerveja e de sandes de moelas?

- ?!?!?!

- ... de pipis...

Mesmo percebendo que a minha vida profissional não iria pelo melhor, a minha amiga - sempre espertalhona! - alvitrou:

- Sim, talvez, uma roulotte... Mas bem apetrechada de taipais rígidos e de rápido corrimento... Blindados!

 

 

Manhãs de "nevão"

João-Afonso Machado, 28.11.12

Caminhos matinais de Novembro sem a chuva a enlameá-los. O sol tarda, pêco, jã não conseguindo clarear todos os recantos. É o tempo das nossas neves perpétuas, nascidas da terra fria, gélida, eterna de memórias onde os pés petrificam. E o mundo correndo para trás, diante de nós, em passos gravados nesse branco gemebundo, triturado. Há um eco de aguardente sobre os grihões dos madrugares de trabalho em que até os coelhos esperavam horas menos hirtas para roer as suas ervitas. E o bafo inesquecivel fumegando nas voltas do cachecol, no maquinar das botas contra o solo porque a camioneta se atrasara e o liceu começava tão cedo...

Décadas e décadas depois, a geada não morreu. Ainda hoje a vi, na sua alvura de viagem irremediável por caminhos à margem do comboio. Mesmo antes do aquecimento global, na fronteira logo ali, justo antes de Ermesinde.