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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

"O Sentido Nacional de uma Existência"

João-Afonso Machado, 30.11.12

Em 1913 morria de uma «congestão cerebral» António Tomás Pires. Quem? Somente um folclorista elvense, estimadíssimo na sua terra e de reputação um mestre da etnografia lusa. Alguém, afinal, muito maior do que o seu aparente anonimato. Dando passos de uma vida sempre apontada ao assumido rumo de sua portugalidade.

O decesso de António Tomás Pires inspirou esse grande ensaio de António Sardinha - O Sentido Nacional de uma Existência. Tão calhado de ler, especialmente em data comemorativa (?) da dita "independência nacional".

A evocação de Sardinha, acrescente-se, não atinge este ou aquele, o nosso vizinho ou o nosso conhecido, o nosso adversário político. Antes se volta contra todos nós, membros de uma sociedade minada pelo «atomismo individualista», sofrendo a «crise máxima de um povo que não sabe de onde vem nem para onde irá». Como resultado óbvio de décadas e décadas de «divórcio entre a Nação e o Estado».

Talvez se perspective contra esta visão apocalíptica (Sardinha tem esse ligeiro defeito de um discurso sempre pesado...), já nesta fase avançada do caminho para o abismo... - uma inversão. Isso mesmo! E inesperada sobretudo entre as altas e insensiveis esferas da Partidocracia e do Poder Central; no entanto compreensivel para quem recorda e vive a vida dos concelhos, herança preciosa dos sábios tempos das cartas de foral. Há custos administrativos a reduzir, é certo, - mas a reforma autárquica posta em marcha pelo Governo ameaça deitar abaixo o Sistema por via do - até sanguinolento - método da Maria da Fonte.

Será ela, outra vez, a acordar-nos a redescoberta da nossa identidade própria.

Em suma, porque nos revemos nas freguesias de onde somos, nós e os nossos. Não, decerto, nos mega-centros urbanos; mas indeclinavelmente no restante do território que é dos outros sete milhões de portugueses. E (com todas as sinuosidades que caracterizam o que são apenas tendências) os sinos tocarão a rebate em crescendo do sul para norte e do poente para nascente...

A putativa explicação oficial então trazida a público - a velha história do atraso das gentes - de nada servirá. A não ser para exasperar ainda mais os fregueses de cada freguesia a extinguir, onde a "independência" não é mesmo palavra vã.

 

 

Na hora da mudança

João-Afonso Machado, 30.11.12

Houve sempre essa janela que abria para o telhado da ala do pessoal. Rasgava-se em sonhos de meninice quando, o ano inteiro, as caricas eram todas apenas de garrafas de água-das-pedras e essas ondas cerâmicas, alaranjadas, tufadas de musgo, outros as juravam coalhadas de mil marcas e cores, caricas rarissimas, mas por asas de quem elas teriam poisado ali?

E a janela alimentava mais crenças ainda, e histórias antigas do celeiro, em baixo, assaltado em pazadas de milho na calada da noite. Da mesma noite em que o Avô, a precisar desesperadamente de aventura, se despedia trepadeira fora e rumava caminhos que já o Avô dele conhecia de olhos fechados. É bem verdade, quem sai aos seus não degenera...

Mas uma pacata janela agora, virada a norte, como se de costas para os conflitos. Deixando somente a luz penetrar sobre a secretária, papeis que urgem ser lidos, decifrados, perpetuados os seus dizeres. Sobre uma cama de pau e aquele armário onde se acoitam armas e munições para uma felicidade imensa de perdizes e coelhos e...

(...talvez voltem os javalis também...).

À noite será muito a cidade. A cidadezinha, bem entendido. Depois dos livros. Na hora do coração. Fica a promessa.

 

 

Um minhoto na Capital

João-Afonso Machado, 28.11.12

Era um inusitado movimento de gente desde o Largo de Camões. Pela Calçada do Combro abaixo, bandeiras vermelhas, bandeiras negras, ainda pensei fosse a claque do Olhanense, o Algarve inteiro, mas ela - ah!, sempre tão bela! - vindo de repente na esquina da Travessa André Valente, fez-me reconhecer a burrice da ideia, então onde é que as cores clubisticas se dividem em bandeiras separadas?

- Não, meu caro, é mais uma manifestação contra a maldita austeridade!

Recém-chegado da terra, aliás muito comiserado ante o desemprego grassando entre os meus patrícios, que buscam desesperadamente combatê-lo, ouvira já as notícias, na Capital é assim: a chatear a Polícia, à pedrada contra tudo, é assim se crê surjam do céu postos de trabalho. Distraidamente pensara até, ao ligar o televisor, ser a Monarquia, enfim, investindo contra a República em S. Bento, na sacrossanta reconquista da "Casa da Democracia". Fugaz lampejo... Ao ouvir o «filhos da p...» uníssono e ritmado, mais o estrondo dos petardos, ao perceber a "sopa de calhau" e o garrafame pelo ar, logo conclui não serem os meus. Eram os deles, os da macacada.

E lá lhe fui recomendando - sempre tão frágil... - não se expusesse. Assim como assim...

Mas qual! Foi uma enumeração prolongada de tribos, os sindicatos, os «indignados», os facebookianos, os estivadores, os marinheiros (essa malta fatal do fatídico Arsenal), a rapaziada do Bloco... Quase mais as tribos do que os barulhentos tribais. Não tardou a chuva de estrelas calcárias contra os agentes de segurança, cuja resposta sobre os propulsores dos ditos mísseis demorou umas horas mais.

Mas chegou, enfim. E foi então um ver se te avias. O largo vazou em menos de um instante e para a história ficaram umas bastonadas, mais um coro de insultos, algumas vidraças partidas e quaisquer detidos. Ocorreu-me, na confusão (e na prudência do nosso recanto de observadores):

- E se, para a próxima, montássemos aqui uma barraquinha de cerveja e de sandes de moelas?

- ?!?!?!

- ... de pipis...

Mesmo percebendo que a minha vida profissional não iria pelo melhor, a minha amiga - sempre espertalhona! - alvitrou:

- Sim, talvez, uma roulotte... Mas bem apetrechada de taipais rígidos e de rápido corrimento... Blindados!

 

 

Manhãs de "nevão"

João-Afonso Machado, 28.11.12

Caminhos matinais de Novembro sem a chuva a enlameá-los. O sol tarda, pêco, jã não conseguindo clarear todos os recantos. É o tempo das nossas neves perpétuas, nascidas da terra fria, gélida, eterna de memórias onde os pés petrificam. E o mundo correndo para trás, diante de nós, em passos gravados nesse branco gemebundo, triturado. Há um eco de aguardente sobre os grihões dos madrugares de trabalho em que até os coelhos esperavam horas menos hirtas para roer as suas ervitas. E o bafo inesquecivel fumegando nas voltas do cachecol, no maquinar das botas contra o solo porque a camioneta se atrasara e o liceu começava tão cedo...

Décadas e décadas depois, a geada não morreu. Ainda hoje a vi, na sua alvura de viagem irremediável por caminhos à margem do comboio. Mesmo antes do aquecimento global, na fronteira logo ali, justo antes de Ermesinde.

 

 

Eleições antecipadas?

João-Afonso Machado, 26.11.12

Uma recente sondagem efectuada, da qual resultou a previsão de mais de 70% de portugueses discordando de eleições antecipadas dá que pensar e fazer algumas contas.

Por exemplo: será pertinente concluir por uma quebra de intenções de voto no hiper-poderoso Partido Abstencionista? Em estes 70% quantos militarão nessa formidável formação politica?

E à direita: quem, ao invés, propugnará por uma legislatura levada até ao seu termo? (Pessoalmente já aqui manifestei fosse o Poder entregue à Esquerda, como metodologia empírica para arrumar a casa de uma vez por todas...).

Porque, justamente, é do lado canhoto que hão-de vir vozes menos favoráveis a uma ida próxima às urnas. Ontem mesmo o Camarada Jerónimo passava a mão pelo pêlo cá da gente, gabando-nos a inteligência enquanto filosofava é a rua o local próprio para deitar abaixo o Governo. A Oposição consiste nisso mesmo - na arruaça. E numas conferências de imprensa preparatórias.

Não fosse esta nossa Direita decerto pífia em homens de Estado, o futuro afigurar-se-ia apesar de tudo risonho. O mal está em que já ninguém consegue convencer os portugueses a acreditar em Portugal e, por isso mesmo, a resposta do eleitorado à hipótese de novas eleições é não - não vale a pena. As greves e as manifestações são muito mais giras.

Aguardemos com fé o milagre salvador.

 

 

 

O Tamisa cá da terra

João-Afonso Machado, 25.11.12

Vem de norte para sul e já só quase o recordo sujo e enfeitado de plásticos na vegetação das suas margens. Dizer que se trata do rio Pelhe há de ser tão necessário quanto referir os seus congéneres que banham Lisboa, o Porto ou Coimbra. Ou outros quaisquer, mundialmente famosos. Mas este pecava do lastimável defeito de estar morto. Defuntíssimo! Pasto apenas de toda a parasitagem que ronda os cadáveres e neles se alimenta.

Agora não. Como continuar assim, de resto, atravessando ele o Parque da Deveza na cidade de V. N. de Famalicão? 

Foi um trabalho aturado, quer de tratamentos residuais, quer de sensibilização das empresas e da população. Com uma avaliação constante dos níveis de impureza das suas águas. E o resultado da análise mais recente: limpas, lavadas, aptas para o mergulho.

É como se as azenhas e os moinhos houvessem ressuscitado. Da minha investigação, ribeiro acima, descobri já um pesqueiro de gordos escalos e alguns daqueles recantos mágicos onde as trutas se adivinham nas areias dos fundos ou num ziguezague entre tufos de ervas subaquáticas.

Na época própria, um curso assim vale mais do que mil praias. Apenas acreditemos em outros modos de encarar Portugal. Ou que há vida para além da crise. E da politica e dos politicos das pedras da calçada.

 

 

À segunda foi mesmo

João-Afonso Machado, 24.11.12

Já com duas perdizes falhadas, a manhã não prometia. E chovia, de mais a mais. Restava o bendito lugar da aparição.  Depois das vinhas e dos lameiros cá em baixo, um pouco além, recanto de mistério e verde eterno escorrido de tanta água, onde não sobra espaço nem visão. Ir era devoção pura, rota de fieis. Cumprida.

Levantaram uns pombos bravos entre a impenetrabilidade do arvoredo. Nada mais senão o alvoroço do seu esvoaçar. E logo junto ao talude outro bater de asas subido do chão, o dorso acastanhado, o tiro à meia volta entre as ramagens e a certeza de uma queda a pique, sem baque, a vegetação uma almofada.

E o talude alto de mais de dois metros, sem interstícios, apenas umas raizes de árvore incapazes de suportar o peso, um drama autêntico, contorná-lo seria perder a referência, adeus peça caída - adeus galinhola!

Impossivel precisar em que silvas cravei os dedos e sangrei naquela aflição em que a arma ficou encostada a marcar o ponto. E a cachopa pegada ao colo, atirada lá para cima, que fosse abreviando o serviço. Seria mau demais não a descobrir entre aquele plantio esponjoso e os fetos e a lenha e o mais onde uma galinhola se pode transformar em agulha no palheiro. 

Mas vinte metros além, o sinal inconfundivel da pequena. Ainda saltitava a galinhola, apanhada de asa. Olhando com o olhar fundo das espécies absolutamente selvagens, corajosa dama, a cauda em leque, o instinto e levá-la sob o emaranhado dos caules como um radar que já sondou uma cova, um esconderijo. Abreviei-lhe a dor e trouxe-a. Trofeu dos trofeus na floresta.

Com a máquina digital avariada, o retrato tirado na velhinha, a do rolo, ficará para depois. A minha cunhada Piquita pintou-o à chegada e prometeu mandar-mo. A ver vamos, que isto de cunhadas já não é como antigamente.

Depois de tantos anos... o gosto de um tiro quase na escuridão, a galinhola de todos ave de eleição. E o regresso da caça a territórios a que ela sempre pertenceu e de onde um dia a escorraçaram.

 

 

Sob a poeira da mentira

João-Afonso Machado, 23.11.12

«Enquanto à inviolabilidade do chefe do estado oferece-nos expor o seguinte:

Há um cidadão a respeito do qual é permitido ao jornalista mais timorato ou mais covarde escrever quotidianamente as alusões mais aviltantes, insinuar as calúnias mais pérfidas, apontar os insultos mais profundos, sem o mínimo risco de que o agredido tente no dia imediato esbarrar a cabeça do agressor sobre o delito respectivo. Esse cidadão é o rei.

Difere singularmente da educação dos outros homens a educação dos reis constitucionais. Os outros homens desenvolvem a sua razão para acertarem com a escola de uma religião ou de uma politica; o rei cultiva a sua razão unicamente para a sujeitar à política e à religião que lhe derem.

Os outros homens criam as suas ideias para as fazerem combater e triunfar; o rei dispõe as suas do modo mais conveniente para poderem submeter-se às ideias estranhas».

(Eça de Queiroz, As Farpas, Julho de 1871).

 

E, no entanto, decreta a verdade histórica oficial:

- Em Monarquia seriamos todos súbditos, uns escravos, afinal;

- A liberdade de expressão de pensamento, mormente através da Imprensa: uma conquista da República; 

- O Rei enchia a pança. O povo morria à fome. A educação servia para manter esse status quo;

- A Coroa impunha. Nós submetiamo-nos;

- Mário Soares e os seus antecessores e sucessores é que são bons;

- António Reis e a longa lista de maçons, passados, presentes e futuros, são e serão, sempre, uns profetas e libertários. Portugal é-lhes devedor.

Lá que Portugal é devedor, isso é...

E o nosso velho Eça ia dizendo de quem não.

 

 

 

Reviver o Passado em S. Bento

João-Afonso Machado, 21.11.12

Lembro perfeitamente os jovens professores liceais, uns exaltados da FEC-ML, a arregimentarem os alunos para o boicote de mais à noite. Lembro o cerco ao congresso do CDS no Porto e a façanha contada por esses mesmos pedagogos, na manhã seguinte, num entusiasmo de justiça e equidade, incendiados e voltados de rodas para o ar apenas os Mercedes, os Fiat 600 eram do povo, intocáveis por isso.

Lembro as hordas comunistas do PCP, da UEC, da UDP, do MRPP, da LCI, invadindo ululantes oa comícios dos partidos ditos fascistas (Morte!, Morte!), não outros senão o CDS e o PPD. Lembro a quase clandestinidade daquele e os esforços deste para se equilibrar no centro-esquerda (ele há cada uma...), a ver se um ligeiro odor socialista o poupava a maiores dissabores.

Lembro tudo o que os meus olhos olharam e os meus ouvidos ouviram, e a pétrea e ameaçadora verdade da Esquerda proclamava ao contrário, entre acusações-justificações de manobras e provocações reaccionárias a que as forças democráticas e populares assim punham cobro.

E revivo agora esses tempos de violência constante na turbamulta arrancando as pedras da calçada, arremessando-as contra a Polícia, mais uma hora de revolucionarite aguda, ali a poucos metros, embuçados, insultuosos, o que foi aquilo tudo senão agressão pura, destruição manifesta?

Revivo, por isso, esse período tenebroso nas palavras descaradas de quem nem perante as imagens televisivas se envergonha e se veda. Por fanatismo, decerto. E por ganância de quantos, mesmo participantes na festa, andam agora por esquadras e tribunais esgrimindo argumentos do mais refinado aço do oportunismo e da mentira marxista-leninista. 

 

Casas de Portugal

João-Afonso Machado, 20.11.12

Quando estudante em Lisboa, em outro milénio, era a Casa do Minho, a noite de S. Martinho, muitas castanhas e água-pé. E os amigos, os primos, os parentes, gente de Ponte de Lima, da Barca, de Guimarães, de Braga, um abraço enorme sempre carregado de saudade da nossa terra. Quase como se fosse cá, entre castanholas e concertinas. Uma festa, uma emoção enorme, uma desgraça...

Não vai muito tempo descobri em Lisboa a Casa dos Arcos de Valdevez, vizinha da Sé. Saltei os muitos lanços de escadas, rapaziada minha, saia uma malga de tinto, - mas... os arcoenses lisbonados dormiam ainda!

Depois fui descobrindo outros nichos de identidades que se querem perdurando. Convergindo contra a maré dispersora das grandes metrópoles. A derradeira foi a Casa da Comarca da Sertã, bocado de terra portuguesa, bem portuguesa, encravada a meio caminho do território continental, onde o xisto ainda espreita por cima o cimento e o mau-gosto. E onde fui recebido de braços abertos.

Tratava-se de apresentar um livro meu. É certo, tenho raízes familiares nesse canto felizmente esquecido da multidão - e infelizmente esquecido dos portugueses que gostam, estimam e preservam Portugal. Mas, facto é, logo no primeiro instante senti-me em casa. Rodeado pelos meus. E assim não podia calar a percepção de essas - às vezes - despercebidas entidades onde no mundo das massas se reencontra a essência de cada percurso, cada destino.

Como, à margem do signo da incognitude, não saborear a proximidade dos nossos - de tudo o que é nosso: os familiares, os parceiros, os sabores, mesmo os aromas em que nascemos, crescemos e já precisamos para viver?

 

  

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