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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

Das "Memórias de um Átomo"

João-Afonso Machado, 30.09.12

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«O Amorável Paizinho mirou-se no espelho uma última vez, ajeitou a jaqueta e caminhou decidido para a varanda principal do Grande Palácio do Povo (GPP). Aguardava-o uma multidão imensa, inundando todo o vasto, insondável, terreiro frente ao Tejo.

- A-MO-RÁ-VEL!!!

berravam milhares, de uma banda,

- PAI-ZI-NHO!!!,

respondia, da outra, idêntica dose de veneração, quando Jerónimo, os braços muito erguidos, se deu a ver, o punho cerrado, o olhar esvanecido, era, enfim, o triunfo das massas, a santa igualdade, o extermínio dos ricos.

Haviam chegado dos quatro cantos da República Popular (RP), ora arregimentados em camionetas sem ar condicionado pelos zelosos funcionários do Partido Único do Povo (PUP), ora aproveitando o decretado fim-de-semana SCUT. Lisboa era sempre um desejadíssimo destino turístico. Jerónimo sabia-o bem e à sua coerência de democrata-pedagogo-protector repugnava desmerecer o epíteto de "Amorável Paizinho" por que tanto propugnara.

E, a seu lado, o Ministro de Estado e do Trabalho (MET) Arménio Carlos sorria e comungava daquela extraordinária ovação (na parte evidentemente sobejante). Sem coragem para informar o Camarada Jerónimo acerca da outra manifestação então decorrendo junto às escadarias da Comuna do Povo Pela Produção (CPPP). Onde bandos de jovens citadinos protestavam e reivindicavam a outorga dos direitos que lhes haviam sido prometidos.

- Esses reaccionários de brinquinho e tatuagens - danava-se o MET - esses burgueses rebeldes que nem a patriota pancadaria do CEGP - o Corpo Especial da Guarda Popular - consegue suster...

Assim era, efectivamente. Longe iam os tempos em que os antecessores do CEGP aturavam pachorrentamente terminasse a chuva de garrafas e pedras sobre os seus capacetes sem quase esboçar um gesto. No entanto, cada vez mais a juventude da Capital da República Popular (CRP) se irrequietava contra as "políticas de Esquerda" e exigia uma explicação e a imediata comparência de Francisco Louçã, o antigo Ministro da Educação para o Povo Trabalhador (MEPT).

Debalde, porém. Há muito já o MEPT deixara a CRP e partira para o México. De onde nunca regressaria».

 

(Com a devida aquiescência do meu Amigo João da Ega, a quem muito grato sou.)

 

 

O jantar de ontem

João-Afonso Machado, 30.09.12

A  entrada, as fontes, os pequenos "nadas" rodeados de verde e uma vaga sombra do Marão. Anoitecendo, a varanda, as divisões sucedendo-se umas às outras, paredes carregadas de história retratada. Foi o regresso no termo de muitos anos em que, afinal, o tempo não venceu a presença.

Sentia-se no ranger das madeiras, no aroma da canja, no derradeiro passo do vinho engarrafado em casa, quase uma despedida minhota em vésperas do Douro.

E sentia-se na bandeira, nas espingardas, na palpável proximidade das perdizes. Nas palavras e nos entusiasmos. Pairando sobre tanta gente, a descruzar todas as conversas.

Mesmo talvez na expressão dos anfitreões. É o sangue. Ou o triunfo da memória imortal.

Ontem, Tio António, jantei consigo. Imaginará quanto gostei de o rever. 

 

 

Gente realmente importante

João-Afonso Machado, 29.09.12

Nos antípodas da "greve", vivemos a era das ideias famosas. Dessas que remam contra o quebrar dos braços. No exacto ponto onde - justamente - se critica e protesta mas não se fica à espera de qualquer maná.

Salta a Tampa é isso - uma família ocupando um espaço pequeno, revezando-se num serviço contínuo. Com almoços e jantares em forma de trocos, refeições no intervalo do trabalho. Um pouco à margem do bife sem mastigação possivel e do cansativo ovo estrelado. Fui lá receber o meu baptismo de sushi, algo muito arriscado para um minhoto do Minho dos rojões e do sarrabulho.

Correu bem. Gostei. E voltei. A Li Leal recebe esplendidamente. E o Eddie é um porteiro tão eficaz e seguro quão discreto.

Fica no Edifício do Lago, no Porto, com entrada pela Rua de S. João de Brito.

 

 

Na Casa da Comarca da Sertã

João-Afonso Machado, 28.09.12

Noite de fados. Com jantar e, a abrir o apetite, uma caminhada desde o comboio de Santa Apolónia até ao 171 da Rua da Madalena. Mais uns tantos lanços de escada.

As grandes cidades são muito isto: potenciadores da nostalgia das origens, polos de sempre celebrados encontros de patrícios. A Casa da Comarca da Sertã constituiu-se como uma embaixada dos concelhos que integram aquela circunscrição judicial: Vila do Rei, Oleiros, Proença-a-Nova e o da Sertã, propriamente dito, acrescendo ainda duas freguesias de Mação. 

Lá fui descobrir amigos e parentes, criar amizades e reforçar laços familiares. Enquanto as vozes do fado - novas, promissoras - iam à vez entusiasmando o público interessado e conhecedor. A Beira Baixa divertiu-se madrugada dentro no coração de uma Lisboa que dormia.

Pela parte que me toca - obrigado pela generosa e amável recepção, meus caros Beirões!

 

 

Excelentes perspectivas...

João-Afonso Machado, 26.09.12

Segundo os jornais, a reunião da Concertação Social foi «pacífica». O que quererá dizer, apenas, não houve insultos nem estalada. É natural, vistas as coisas do lado do nosso proverbial optimismo: somos, por natureza, bonacheirões e utopistas.

Como João Proença, risonhamente: «A UGT não apresentou nenhuma proposta alternativa à subida da TSU para os trabalhadores, por considerar que cabe ao Governo encontrar uma solução». A modos de quem diz - moam vocês a cabeça enquanto nós vamos ali almoçar e já vimos.

E como o kamarada Arménio Carlos, por seu turno, visto que "só de punho erguido a canção fará sentido": «A CGTP propõe um imposto adicional de 10% sobre dividendos, que resultaria em receitas de 1665 milhões de euros, em alternativa ao aumento da TSU». Isto declarado já de alvião na mão, a caminho dos dividendos e do petróleo de Alcobaça.

De maneira que "pacificação" é o que mais provavelmente nos aguarda nos próximos dias.

 

 

Memórias académicas (II)

João-Afonso Machado, 25.09.12

Creio que a conheci num jantar de há milénios no velho "Fagundes", com as suas salas pequenas, cada grupo de comensais em cada uma delas, longas a inesquecíveis noites de Leça da Palmeira, até que o sinistro clarão de um incêndio sinalizou a morte desse nosso refúgio e dos seus bifes. Talvez já num tempo de despedida, os prados académicos haviam entrado em pousio, eram horas de partir para outros lugares da vida...

Como quer que seja, conheci-a então. Alguém festejava o aniversário. E, feitas as apresentações, calhou de nos sentarmos lado a lado. E, sem querer, dei comigo a esbugalhar o olhar contra as suas pernas, tal a escassez da saia. Uma saia de malha, recordo bem, por efeitos da cadeira quase se refugiando nas nádegas da proprietária - a quem houve de explicar que não, eu não era maluco nem perigoso, somente um provinciano pouco rodado.

Essa noite foi o início de uma grande amizade, ainda agora bem mantida. E, no remate dos estudos (a minha Amiga concluiu-os um ano antes e casou sem esperar pelo derradeiro exame), lá lhe deixei uma quadra no seu Livro de Curso:

 

«Já doutora, já casada,

ai que situação a minha!

Pra que chegue a mesada

uso a saia poupadinha».

 

Evidentemente, ela exerceu o seu direito de resposta, quando também lhe pedi uns versos para o meu:

 

«Generoso como ele é,

parece que lhe querem mal:

Pindela apenas, porquê?

Chamem-no; mas no plural».

 

Querida R.! Ainda ontem nos encontrámos, nós e a sua constante preocupação acerca da minha sanidade. Em momento, infelizmente, menos alegre e descontraído.

 

 

 

 

 

Em Castelões, para além do tempo

João-Afonso Machado, 25.09.12

«A conversa ameaçava morrer no horizonte, nessa miragem que se esfumara quase chegando à capelinha de Santo António. Mas a saborosa recordação da Joana, a simplicidade do seu traje e o seu asseio, o seu perfume a entranhar-se-me na alma, impunham uma ausência obrigatóriamente temporária. Ela voltaria, jamais findariam os amanhãs. O lavrador quedou-se apoiado no cabo da enxada e veio com outra novidade: de entre todos os admiradores, o mais desassossegado sempre seria o "Sr. Visconde".

E pôs a vista no lado de lá da estrada, como se, ao esticar o percoço, soerguendo as sobrancelhas, rompesse o silêncio e os mistérios que se acolhiam por trás da devesa. Era aquela a residência do fidalgo.

Entrava-se por um portão monumental, brasonado. O edifício, de linhas simples, a dispensar as escadarias, de que tanto se ufanam os solares minhotos, e o trabalho dos canteiros nas janelas, mantinha, ainda assim, alguma grandiosidade, a força inquebrantável do granito. Quis  parecer-me acolhedora, talvez aquecida pelos armários com livros, o Visconde era engenheiro, era poeta de nomeada. E andara por África, combatendo as tribos rebeldes de Moçambique, alcançara a India em complexas missões ferroviárias. Estava ali uma vida longa que produziria uma longuíssima biografia.

Junto à outra face da casa, avantajando-se a ela, a cameleira gigantesca ponteada de vermelho, de branco, de rosa, aqui e ali... Eram esses trabalhos de paciência, as enxertias, a imaginação dos orientais, que o Visconde, certamente nas décadas da sua juventude, trouxera em vasos para Castelões. Assim como o espesso, impenetrável, canavial de bambu, já na extrema oposta da propriedade, subindo a pique a lancetar as nuvens. Tudo seria para o vate as principais recordações da guerra. As suas mais altas condecorações, talvez.

Estranhamente, quer do interior da morada, quer do logradouro, quer mesmo da várzea circundante não escapava um som, um ai! que fosse. E vivalma se movia no considerável espaço limitado pela devesa».

 

(Vd. Linda como o sol!, in Contos do Tempo, ed. DG Edições, 2008)

 

 

 

À picaretada

João-Afonso Machado, 24.09.12

A destruição pura e simples (com pedras e picaretas, ou semelhante ferramenta) de umas tantas "montras" da CGD e do Montepio, há duas noites, foi obra do mesmo grupo de vandalos. Esta a primeira e a mais óbvia conclusão a que a Policia chegou.

As restantes parecem igualmente fáceis de alcançar, sendo, no entanto, muito mais preocupantes. Desde logo:

- Houve premeditação. Logo, um propósito e a expectativa de repetição.

- Haverá, decorrentemente, uma estratégia. A multidão na rua, conseguiram já enfurecê-la. Resta agora diabolizar e indicar-lhe alvos e instrumentos para os escavacar. Tanto valem bancos como supermercados ou automóveis a arder.

Nada a que não tenhamos multiplicamente assistido por esse mundo fora. A Esquerda é, no seu discurso e no seu procedimento, sempre monocórdica. E o seu trunfo e o seu objectivo nunca deixaram de ser a excitação e o descontrolo das "massas". Para quê? - Ora, para cumprimento do seu religioso preceito destrutivo da sociedade dita "burguesa". Outrora mais linearmente realizável através da "ditadura do proletariado"...

E agora por via do domínio da "rua". Isto é, de uma "rua" absolutamente descontrolada e incontrolável, dessa forma ululante impondo "regras" na situação política. No terrivel momento do caos. Ou do fim.

Até lá, talvez em vez de berrar "Abaixos!" e «Morras!", o que resta de bom-senso mais útil e prudentemente poderia procurar (e descobrir) governantes dignos desse nome. Tentando saltar do sofrível para o suficiente, ao menos. E evitando qualquer contributo para uma nota claramente negativa que sempre vem contemplar alunos nervosos e em pânico. Porque perdem estes em eficácia e, sobretudo, perdemos nós todos em futuro.

 

 

 

"Outonal"

João-Afonso Machado, 23.09.12

Certo é o regresso e o frio

como um verbo emerso

na constância do rio.

 

Certa é a tempestade

substância em momento qualquer

de ar revolto em vento e majestade,

rodopio e tormento,

 

venha ele de onde vier.

 

 

 

Reformados, pensionistas, precários?

João-Afonso Machado, 22.09.12

Estão na primeira fila destas pacíficas vigílias em que voam garrafas e chovem pedras sobre a Policia. E estoiram e fumegam petardos junto às barreiras que caiem empurradas pelos ditos reformados-pensionistas-precários.

Aparentam estes todos a mesma pobreza: calvos, parcos de palavras não insultuosas, roupagem de luto, corpo atleticamente revelador de fome e privações.

Vêmo-los manietados pelos agentes do CI, decerto em impiedosa resposta a qualquer dramático pedido de pão.

Estão em todas. Sempre na primeira fila. A não deixarem esquecer os sinistros skinheads, os Pidás que pululam por aí, os ginásios mal afamados.

Agitadores profissionais, dirão os mais reaccionários, esses que também olham para as vigílias do Porto e de Braga ou de Bragança. E, no fundo, sabem muito bem distinguir o povo realmente carenciado do vulgar arruaceiro urbano.

 

 

 

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