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A festa, pomposamente apelidada "baile", principiara depois do almoço e prolongou-se até à hora de jantar, com um intervalo para lanchar uns sumois e umas bolas-de-berlim. Os participantes eram doze, seis "eles" e seis "elas", meticulosamente escolhidos lá no liceu, de modo a que tudo corresse bem, ninguém ficasse aos papeis. E os sheiks foram-se sucedendo aos slows e os slows aos sheiks. Uma delícia, inesquecíveis Alzira, Filomena, Adélia, Esmeralda, Angélica e Laura!
Indo a função a meio, surgiu a irmã mais velha do nosso anfitreão. Muito desembaraçada, decerto muito viajada, passeava um single entre os dedos - tomem, é o "Je t'aime"... O "Je t' aime"!!! - gritou-se em frenesim e correria para o pick-up. O melhor slow do mundo, um obreiro de proezas amorosas, a Censura atrás dele, a irmã do anfitreão recomendando nada se comentasse lá fora, cuidadinho com a lingua...
Ouviu-se e dançou-se o "Je t' aime moi non plus" até ser noite. "Tu vas et tu viens entre mes reins et je te rejoin..." até à exaustão. Sempre entusiasmadamente, compenetradamente, apaixonadamente.
Nos idos de 1973. E o único verdadeiro problema foi aquela descuidadela do dia seguinte, a narrativa do baile e o pormenor excessivo dos slows dançados às escuras. - Às escuras?! - indignava-se a Mãe, ameaçando festas nunca mais, esses tremendos atentados ao pudor e à moral.
Jane Birkin veio ontem à Casa da Música do Porto e encheu a Sala Suggia com a sua voz ainda tão suave, tão de mulher. De mãos nos bolsos das calças passeou entre a assistência como há quatro décadas passeava a sua irreverência pelo mundo. Foi como se regredíssemos no tempo até aos saborosos frutos proibidos - sempre os mais apetecidos - desses anos em que, vendo bem as coisas, ficaram tantas asneiras por fazer. Asneiras de então, puerilidades de hoje.
Cantou o repertório de Serge Gainsbourgh. Mas deixou-nos sem o suspiradissimo "Je t' aime". Talvez porque desacompanhada da voz masculina. Só pode ter sido.
Ainda assim, se passar por Lisboa, vão lá ouvi-la. Vale a pena.