Ecos dos mareantes
Tudo se transfigurou. Um mundo inteiro vindo no correr das décadas para junto do mar, deixando para trás a humildade de Nossa Senhora das Areias, a vetusta quietude da Pederneira. E o silêncio fez-se completamente ouvir onde já fora a sede desse antigo concelho dos coutos de Alcobaça.
Aí decifrei o mistério do Tempo. E dominei a arte de o dominar, com uma vara aguçada ao seu peito apontada. Na Pederneira, onde lhe impus um retrocesso sobre si mesmo. Até ao tempo dos meus antepassados mareantes, homens das embarcações e do vaivém ao longo da nossa costa, de quando os piratas eram iguais aos das histórias e lhes roubavam as cargas e as vidas.
Quantos baptismos, quantos casamentos, quantos óbitos, quanto riso, quanto choro, quanto gozo, quanto sofrimento, de que a igreja paroquial de Nossa Senhora das Areias foi testemunha, não circulam hoje ainda no meu sangue?
Viajando através das gerações até encontrar o Minho, o extremo desse percurso que aprendi a fazer em sentido oposto. Contra o vento, contra o Tempo. Alcançando a Pederneira, a sua imobilidade, a imobilidade do sol e das sombras.
Insondáveis segredos do acaso ou do Destino! Porque Deus quis.