Das "Memórias de um Átomo"
Meu muito estimado Amigo:
Com a maior alegria e a consciência plena de um dever cumprido, venho comunicar-lhe a minha adesão ao MAGiA. Sim, a esse avassalador e futurista "Movimento Anti-Garraiada Académica". Em suma, à nobre causa da defesa dos explorados e oprimidos.
Perguntará o meu sempre inesquecível Amigo o que sucedeu entretanto.
Pois tão-somente isto: no pretérito domingo, indo eu a ares à Póvoa de Varzim, esbarrei em cheio em mais uma famigerada garraiada. O meu Amigo sabe do que falo: desses torpes espectáculos em que a estudantada, depois de não dormir os sete dias da Queima das Fitas, debalde tenta manipular umas promessas de toiros e se aleija e os incomoda porque estupidamente lhes oferece uma pança cheia de cerveja, em vez de um abdómen anestesiado por meia-dúzia de bagaços. Com o aviltante resultado dos arrotos e dos vómitos, da desistência ante essas já soberbas feras, assim incomodadas na sua puberdade.
Semelhante vergonha não escapou à imensa e digna sensibilidade do MAGiA. Vai daí o protesto. E aquela jovem - afinal, quem me converteu - trajando pijama e pinchando num colchão, sempre gritando "garraiadas são na cama!". Muitos a ouviram, comentou-a a Imprensa, caso alguém duvide desse momento de magia.
A mim, fez-se luz no espírito. A cama, na realidade, é o local exacto onde, embolados ou não, despontarão os cornos da vítima. Seja ao menos nessa macieza... Também por isso, que sítio melhor para receber a sanguinolenta bandarilha? Ou os cardumes de forcados e campinos atazanando a besta? Senão mesmo o cavalo e o cavaleiro?
Está aí, preclaríssimo Amigo, o amanhã das touradas e sucedâneos: na cama. Todos os bovinos para a cama! E já! Sem distinção de raça ou sexo, como ordena a sagrada Constituição da República.
Enfim, crerá o meu distinto Amigo quanto avançou a Civilização nessa memorável tarde da Póvoa de Varzim. E no pó em que os 4.000 tontos, presentes na praça de toiros, se viram subjugados pelos dez, agora onze, iluminados do MAGiA.
Orgulhosamente, pois, cheio de fé, patriota até às entranhas, me despeço, meu urbaníssimo Amigo, a quem, et nunc ad semper desejo
Saúde e Fraternidade!
Sempre seu
J. da Ega.
(Com a devida aquiescência do meu Amigo J. da Ega, a quem mui grato fico)