Amêndoas não coloridas - não!
Foi no correr de uma qualquer conversa já sem rumo, completamente desnorteada:
- Eu até tenho aqui umas amêndoas...
Não era verdade! Não tinha amêndoas, não senhor. Onde as arranjaria, às cores, com todas as cores, como mandam os mandamentos, assim parda de falares, tropeçando nas frases, já tão enrodilhada em reticências.
Não era verdade, era mentira. Verdade era aquele casaco cinzento e a avenida onde ele se camuflava, inferno de ruídos unícromos. Quando muito aquela serpentina esquecida desde o carnaval nos ramos das tílias do passeio: desbotada, enrolada no folhame, aguardando apenas a vinda dos podadores. Lixo!
Na inumanidade da avenida não há amêndoas. Nem Páscoa. Não é por causa do supermercado que o impossivel deixa de o ser. Por isso os dizeres fugitivos, as promessas vãs, a ressurreição de todos os medos somente. E um saquinho de qualquer coisa a fingir.
Assim a cidade fugiu da avenida e veio cá para baixo, onde há vozes e almas e não apenas sorrisos saltitados em frente do espelho. Para sempre. Lugar à vida e ao colorido de todas as amêndoas que nos adoçam o coração.
Já a avenida mais não é senão uma recordação, o lúgubre poiso dos fantasmas.