Esta minha arma
Lembro-me dela confiada ao feitor. Circunstância que hoje não entendo bem. Que deixei de entender quando me disseram que era a arma do Bisavô. De fabrico belga, lindissima, idosa, quase primitiva no seu funcionamento. Eu era muito miúdo e conheci-a no canto bolorento de um quarto húmido, com meia-dúzia de cartuchos ao lado, se calhar apenas para afugentar cães vadios ou falar mais alto em noites alvoroçadas sabia-se lá porquê.
Depois o feitor morreu. Veio um sujeito substitui-lo, mas a verdade é que o lugar nunca seria dele. Em pouco tempo se determinou superiormente a sua saída. Foi quando a espingarda, peça magnífica, reingressou no armário bélico do Pai.
E, completamente à margem da lei - desta lei que nunca foi nossa - nos meus 15 anos passou a ser do meu uso. Com ela cacei o primeiro coelho, os primeiros tordos.
Os anos correram, a arma levou pancada - não minha, que a limpava sempre, escrupulosamente - deixou de funcionar e quedou-se, tão triste, num canto esquecida. Até o Pai me a oferecer. A arma do Bisavô. Oriunda de Liège, canos longos de arma pombeira, hoje peça de colecção.
Que eu miro e remiro todos os dias, aqui no meu exílio.