Em minutos vi-me de saída combinada com a funcionária mais bonita - mas tão bonita! - lá do Centro de Saúde. Iamos ao teatro, só ela me arrastaria essa noite ao teatro, essa e as outras todas que ela quisesse, mas só ela e mais ninguém.
A peça... passou. Nada recordo senão a amálgama de sonhos em que o palco era outro, muito outro. Foi quando um casal conhecido nos desafiou para um "Bolero", danceteria tremenda, ali para a Maia, num antigo armazém industrial das Guardeiras.
Fomos. Se calhar não deviamos ter ido. Mas fomos, caindo em cheio sobre ritmos incansáveis, imparáveis, ginasticadíssimos, sul-americanos dos pés à cabeça. Uma desgraça para a minha aselhice e para a minha hernia.
De modo que tratei de me defender. Empatando sempre, agarrado a tangos ausentes, suspirando por eles, praguejando, era uma injustiça a lacuna. Logo o tango!, esse património da Humanidade...
Eis senão quando...
Já não tinha por onde me safar mais. E há anos não dançava tango, em boa verdade, assim potenciando a vergonha depois de tanta palração sobre Gardel.
Era dos mais fáceis ("adios muchacho"... tataratátá, tataratátá) e lá encaminhei a beldade para a pista, onde seres de colete e camisa aos folhos faziam passos espantosos, carregados de sentimento e fatalidade.
Encaixei a pequena à ilharga, a mão direita nas costas, muito em baixo, o braço esquerdo esticado em frente. E dei mais uns segundos, olhando-a nos olhos, antes de seguir pra diante, num andar cauteloso, quase em "câmara lenta". Até ao erguer da perna (poucochinho, claro, mas ela não podia ver...), até ao momento ímpar de a vergar pela sua delgada cintura. Não caímos. E rodando a seguir, no sentido do ponteiro dos relógios, para voltar à base, sempre naquele naquele propósito de militar comprometido.
"Adios muchacho"... tataratátá, tataratátá, cessara enfim, coincidentemente com a nossa chegada ao ponto de partida.
O que concluir do longo silêncio recebido então da mais linda menina do Centro de Saúde, o meu par dessa inesquecivel noite?