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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

Brincando com o fogo

João-Afonso Machado, 31.03.12

SR. AFLITOS.JPG

Não sei se, conforme afirma a ANAFRE, foi a maior manifestação de sempre na Avenida da Liberdade. Sei, de certeza certa, que o Governo deste modo envereda por caminhos fatais, ao insistir na fusão de freguesias. Pelo menos no tocante à Provincia e aos provincianos como eu.

Gostamos das nossas terrinhas, rivalizando umas com as outras, disputando minudências, se calhar, mas marcas indeléveis da nossa identidade. E do que conheço, ninguém irá abaixo do andor das suas tradições.

Talvez não seja assim nos grandes meios urbanos. Óptimo. Aproveite o Governo a deixa, e funda, dissolva, aparte, pinte a macaca ao seu gosto.

Na Provincia - não!

De resto, mesmo sem facilitismos vãos, poderá encontrar outras formas de agilizar procedimentos administrativos e - objectivo final - encurtar custos. Mas não sejam mexidos os nomes das freguesias. Nem as suas fronteiras. Nem nada mais ou menos aparentado com o que preconiza.

Há um exemplo que talvez ilustre bem o que refiro: a célebre beligerância, há duas décadas, entre Crestuma e Lever, nas margens do Douro. Lembram-se?

 

"No parque"

João-Afonso Machado, 30.03.12

Anos de parque revolto (como assim?),

recordou,

anos em que correu

e não passeou –

somente chorou, sim,

chorou

e fugiu. Viveu?

 

Porque sem um olhar que abarque

a imensidão do momento

em que o parque calou passos e rumores

e sorriu,

 

ficará, enfim, o tormento

e os amores planeados e abraçados,

porém corridos, chorados

e afugentados.

 

Memórias vilacondenses (X)

João-Afonso Machado, 30.03.12

No tempo em que a infestação de gentes ainda vinha longe, a praia não ia além do paredão. As últimas barracas eram já um mundo quase desconhecido e, depois delas, seguia-se um vasto areal sem dono. A sul tinhamos, ao nosso inteiro dispor, a Baía dos Elefantes e a garantia de uns banhos de mar sempre inesqueciveis...

- Vamos a um mergulho na Baía dos Elefantes?

E iamos. Em trote acelerado na areia molhada e uma entrada irrefletida naquelas águas mansas, boas para nadar, com o regresso em igual cadência, para aquecer.

"Baía dos Elefantes" porquê?

Há duas ou três gerações, a Família Serpa era conhecida pela sua robustez. Nadadores de primeira, os melhores da Praia. E forrados. Como as focas e demais mamíferos adaptados às águas polares. Como quem diz: o frio demorava mais a chegar-lhes aos ossos... Por isso os Serpas enchiam a Baía e nela se demoravam, a rir à distância dos mais enregelados veraneantes.

O nome ficou, embora desprovida de sentido a alusão às trombas.

Já no nosso tempo, emergiu, como um crisma, o epíteto "Praia Azul". Inicialmente, meia duzia de barracas sem banheiro e com toda a liberdade para fumarmos o cigarro dos nossos 15 anos e darmos umas beijocas na namorada. Era o refúgios dos que ainda não tinham atingido a maioridade. A largas centenas de metros do poiso dos progenitores.

O mal está em que a "Praia Azul" não deixou de crescer. Até confinar com a "da Frente". Tudo perdeu a piada, a partir de então. Sequer havia Serpas que justificassem a deslocação. Ao ponto de a baía da nossa juventude se ter diluído na confusão. Já só falta plantarem barracas sobre o Ave, até à Azurara.

 

 

Um minhoto na Capital

João-Afonso Machado, 29.03.12

Há quanto tempo não nos encontrávamos! Até ela manifestou uma enorme surpresa, em plena Feira da Ladra, aonde tão raramente se deslocava. E esquecia já a sua companhia, uma jovem quarentona de óculos na ponta do nariz, aparentando erudição, cavando aplicadamente uma montanha de livros velhos franceses. Também eu me cheguei para lá, por prudência, temendo alguma pasada de existencialismo, eu e a minha alergia aos pólens de Maio de 68. Mas sempre atrás da minha amiga, então quais eram as novidades?

Fomos andando, Feira fora, anotando esta e aquela bizarria.

- A Feira está mais pobre...,

comentei, levando logo a contestação

(- Nem pense!),

sem hipótese de replicar porque mais atrás um grito triunfal indiciava a mineração de uma qualquer enorme pepita (Os Miseráveis... banalizei cá com os meus botões...), facto a que nenhuma importância prestou, empenhada como ia na defesa da sua Feira alfacinha.

Sempre lhe consegui explicar, como aquelas havia-as às duzias no Norte, mas sem chineses nem paquistaneses, repletas de velharias das mais velhas. Ainda lhe mostraria a minha colecção de postais antigos, a magnífica catana na parede da sala...

- A catana? Para quê uma catana?

Pois, a catana tem imensas utilidades, pode até ajudar numa mentira heróica e oportuna sobre a Guerra Colonial... E enchendo-me de coragem, como se de catana na mão, convidei-a para almoçar ali na Graça. Aceitou.

Escolhemos bacalhau à Brás. Ah!, fosse lá em cima e ela conheceria umas lascas a sério, emergindo do azeite a ferver, das batatas e dos grelos, com uma garrafa de tinto do Douro a empurrar...

(Ainda assim, mil vezes aquelas travessinhas de alumínio com uma azeitona no topo do que o famigerado «hoje há pipis»!)

Mas a sua maior curiosidade residia nos motivos da minha ausência:

- Mais alguma fadista de catana na liga?

Sorri e expliquei o necessário. Fora uma senhora minhota, belíssima, a sua voz tão meiga, sempre à mesma temperatura... Só que...

E não adiantei mais razões. O romance fora de pouca dura e o regresso a Lisboa e à investigação tornou-se a única realidade à minha frente nessa promissora Primavera. O resto do almoço decorreu amenamente, descontraidamente.

Quando nos levantámos ainda pensei uma visita a S. Vicente, ao Panteão...

- Ao Panteão?!

espantou-se a minha amiga, tão veementemente que - perdoem-me os Senhores nossos Reis - vislumbrando aquelas mangas já para cima dos cotovelos, as pulseiras sempre tilintantes, o relógio enorme, garrido (muito fashion, como ela diz), entrei no 28 atrás das suas palavras, ao cimo da Rua da Voz do Operário, para, quisesse Deus, nunca sairmos ante de S. Bento, conforme é, actualmente, tão do agrado dos lisboetas.

 

Vistas aéreas

João-Afonso Machado, 28.03.12

Não obstante o conhecido e repisado, Portugal parece, visto de um "cá de cima" qualquer, gozar os seus dias de sol na maior beatitude. Feliz, sorridente, cheio de saúde e bem bronzeado.

Basta espreitar as gavetas das redes sociais, de onde saltam aos montes os biquinis das garotas correndo para a praia. Com a rapaziada atrás delas, pois claro, estranho seria se assim não fosse. Portugal frui o seu afamado sol e parece ouvi-lo gabar tão encorajante primavera, estas generosas temperaturas quase estivais.

E, no entanto, o País arde. E seca, mirra ressequido. A lavoura ameaça ser um desastre muito maior do que a desgraça a que nos habituou ser. O desemprego campeia, as greves mais consomem a nossa economia, a criminalidade é uma realidade instalada, triunfantemente corriqueira.

Sem embargo, será esse o outro "lado lunar" português. Nesta ponta final de Março, reina a boa disposição. Pelo menos enquanto o sol não for destronado. Perdão, enquanto a maioria não votar a reeleição da chuva. Dos dias cinzentos, por acaso bem mais condizentes com a realidade nacional.

 

"Negociar culturalmente em Portugal"

João-Afonso Machado, 27.03.12

Não tem sido um escândalo. Já o ameaçou ser, de resto na altura mais apropriada - quando Sócrates era 1º Ministro. Mas, é sabido, o poder da Maçonaria é imenso. Agora, confrontados com a discencia do criativo quase-auto-engenheiro, a notícia perdeu impacto. Do mesmo passo que os factos vêm à tona, já em adiantado estado de imprestabilidade política, logo com pouco ou nenhum poder político. Justiça à margem, que interessa agora o seu envolvimento no "caso Freeport"?

A realidade é que a ligação, o conluio, parece cada vez mais evidente. Num cenário de famigerados lobys, uma assanhada compita entre as autarquias e os dirigentes autárquicos da região. Alcochete, ao que se vai percebendo, fervilhava em ofertas, propostas, almoços, favores, lagostas e retribuições. Isso é dos jornais actuais. Atrasadamente, saberá o STJ porquê.

Afirmam categoricamente as testemunhas do processo, o então Ministro do Ambiente negociava «em segredo». Os números - falo de dinheiro contado - ascendiam a, como ora se diz, uma mão cheia de dígitos.

E a mais dura verdade terá saído hoje da boca do antigo dono dos terrenos onde plantaram o outlet: William McKinney, residente na Irlanda do Norte. Não fossem elas as seguintes:

«Foi um choque. Essa parecia a maneira de negociar culturalmente em Portugal»

Interpreto eu: à mesa, babujando fabulosa almoçarada, e as notas circulando por baixo da toalha. Que vergonha!

 

 

Velhos papeis vimaranenses

João-Afonso Machado, 27.03.12

No ruir de mais uma veneranda casa, eis um manuscrito descoberto, que alma bondosa me fez chegar ao conhecimento para decifração, aliás dificil pela sua degradação:

«Senhora: Ledes nestas negras tintas as negras lágrimas por meus olhos choradas depois da vossa partida. Eu quis-vos, Senhora, tanto quanto quis viver e crer quanto valia viver. Assim empenhei os meus escassos teres, assim segredava ao meu cavalo o dia feliz em que a sua fidelidade nos transportaria, Senhora, à cores inimitáveis de um mundo já no termo do Paraíso. Assim também, Senhora, lhe rogava silêncio e paciência nos intervalos nocturnos das entrevistas que quis a ventura convosco partilhasse, Senhora minha, nessas noites em que a vossa janela se abria e... [grosso borrão sufocando a grafia e impossibilitando a leitura].

Depois, Senhora, saberá Deus porquê, a janela que haveis aberto à minha ousadia e ao meu coração, entrou a fechar-se, sempre mais, implacavelmente mais, até que, por fim trancada, me deixou vagueado perpetuamente na vila e na vida. Até aos dias em que não há rua nesta nossa terra não assinale a sangue o meu tormento. Como não essas marcas de punhais cravados na minha alma já confiante, depois de... [novo borrão incapacitante] Senhora que vos haveis apoderado da minha mente, das minhas emoções, do único destino em que acreditei não me conduzir à desgraça?

Não creio já consiga este meu derradeiro desabafo chegar a mãos vossas. E muito menos ao vosso espírito, Senhora, inicialmente acolhedora e... [borrão propositado em tão significativo passo da hermenêutica do texto] depois implacavelmente de gelo, queimando tanto quanto o fogo do inferno a que conduzistes este que em vós acreditou e hoje já apelidam de fantasma com o nome depreciado, aviltado, mas sempre pertença vossa, de... [novamente a leitura se revela impossivel, agora por via do rasgão operado no documento]».

Consultados alguns especialistas camilianos, todos foram unânimes em considerar que o seu génio não captou o drama ínsito neste bilhete. Sem embargo, muitos outros, claramente semelhantes, inspiraram a sua obra. Situações destas, assim se conclui, eram à época frequentes.

 

Das "Memórias de um Átomo"

João-Afonso Machado, 25.03.12

«Meu estimadíssimo Amigo:

Venho agora da Feira Agrícola de Braga, triste, descoroçoado, vazio. Quase só trazendo na Ideia um duende vagamente britânico com prosápias de mestre em energias renováveis. Veja o meu caro Amigo a que ponto chegámos de desportugalidade!

E não me parece tenha sido por distracção minha. Corri a Feira de ponta a ponta. Nada topei de surpresa, ressalvando a circunstância de ter perdido o coração num qualquer pavilhão termal de Orense, creio que nas profundezas lacustres de um olhar azulíssimo. Lá tornei duas ou três vezes, mas esse azulíssimo lacustre e galego foi como se não me olhasse mais. De modo que já me vejo a caminho de Orense, em busca das minhas pupilas, ainda assim peças preciosas no meu quotidiano. Conhece o excelente Amigo algum paradero onde com paciência, cirurgia e precisão eu consiga realizar tão delicada operação?

O mais foram estrangeirismos. Mesmo essa pretensa ciência do duende... Então e o nosso Sousa Veloso, o nosso Casqueiro, até o nosso Arlindo Cunha, se nos predispusermos a praticar exactamente o contrário do que ele doutrinava?

É certo, havia o gado nacional. Mas muito dividido por restaurants, um para o maronês, outro para o arouquês, outro para o minhoto... E sempre com um gaúcho de avental e faca assassina à porta, clamando pelas gentes... Fugi!

Nem sei que mais lhe diga. Nas trupes dos bombos predomina agora o elemento feminino... O meu intransigente Amigo, mai-lo seu cepticismo, bradará aos céus, imaginando Braga avassalada por tremenda mitologia florestal... Não seja assim. O Progresso merece o nosso abraço. Não caro Amigo: suportando os bombos, o nosso honrado sangue suevo, loiro, trigueiro, saudavelmente trigueiríssimo. E muito composto em juventude fresquínha, a deixar-nos na máxima consternação por não ter sido assim quando ainda nos arrogávamos desse qualitativo etário.

O resto era fogo-de-vista insonoro. A começar pela infernal parafernália de alfaias agrícolas, coloridas como nem os zulus nem os vátuas iriam tão longe. Um atentado à Estética, uma inutilidade neste Minho onde o cereal há-de dourar ao sol, há-de ser debulhado, há-de ser tragado por turistas gulosos e endinheirados.

Perdoar-me-à o meu avidamente curioso Amigo esta escassez de informação. Sigo em viagem. Ainda apanharei o rápido da noite. Vou a Paris, à Exposição Universal. Aí espero descobrir um galo de Barcelos e uma N. S. de Fátima para oferecer ao bom Padre Serafim, desconsoladíssimo como Ele anda com a Pátria e os dias que a Pátria aguarda sem reacção. Que lhe sirvam à sua preclara fé de bom português, bom patriota.

Por isso me despeço, meu Amigo, a correr,

sempre atento, sempre seu admirador,

J.da Ega»

 

(Com cuja devida autorização, que muito agradeço, transcrevo esta missiva).

 

 

 

 

"Fé e Ética"

João-Afonso Machado, 24.03.12

O anfiteatro da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) foi pequeno para acolher as centenas de pessoas que participaram hoje em mais uma edição do encontro «Fé e Ética» realizado sob iniciativa dos Padres Jesuitas.

Além de intervenções de caracter mais genérico, a cargo de D. Manuel Clemente, Bispo do Porto, do jornalista José Manuel Fernandes, da maestrina Joana Carneiro, do advogado António Pinto Leite, do médico Rui Marques e do Padre Vasco Pinto de Magalhães, SJ, realizaram-se diversos paineis incidindo nos temas "Familia", "Religião", "Trabalho", "Universidade", "Ciência", "Economia", "Arte" e "Politica".

A assistência era maioritáriamente constituida por universitarios da Academia do Porto. O tema para este ano propunha um reflexão sobre a verdade e sobre a sua dimensão naquelas mencionadas áreas do quotidiano.

A fechar o encontro, um espectáculo proporcionado pela "orquestra de sinos" da Igreja Baptista desta cidade.

 

 

Memórias vilacondenses (IX)

João-Afonso Machado, 23.03.12

O Ave mudou o look. Uma palavra pouco nossa, mas enfim... O facto é que a represa, a que sempre chamámos o açude, mesmo na maré baixa já não funciona. E as águas vêm de qualquer modo e espalham-se no desnível sem respeito por alguém, mormente os da velha guarda.

Como não acontecia antigamente. Então era um muro com algumas escapatórias e só no topo da enchente a coisa complicava e o rio subia acima das pedras. De modo que o açude se tornava lugar previlegiado para a pesca das taínhas  a navegar por ali.

O Tio João e o Tio Manel eram entusiastas desse poiso. Nos meus 11 anos, tal a vontade de acompanhá-los, tal a necessidade do meu Pai me acompanhar. Manhãs, tardes inteiras, às vezes...

E em cima do açude, lançando para jusante, os Tios iam dando conta do recado. Connosco as coisas não eram bem assim. O Pai só sabia de caça, a mim faltava aprender. Mas já largaria a pescaria somente a ferros.

Armávamo-nos de canas com pesadas bóias de água lançadas quase até à ponte. O lançamento da minha, obviamente, ficava a cargo do Pai. Depois, tudo se resumia a recolher a linha lentamente, esperando que na passagem pelos cardumes, alguma taínha mais gulosa se deixesse tentar. O resto seria habilidade do pescador...

Até o Pai se entusiasmou com o programa...

E assim iamos ficando. Até as águas subirem e a permanência em cima do açude se tornar impossivel. Isto levado ao último instante, quando as aberturas do paredão já jorravam avalanches.

De um salto, os adultos avançavam essas aberturas para o afogamento. E eu?

Eu valia-me do colo do meu Pai, homem robustissimo. Pegando-me pela cintura, quando as águas já molhavam o dito paredão, calculava o pulo e sem hesitações punha-me, obstáculo após obstáculo, aos pés da azenha. Para continuar a pescaria em lugar resguardado.

Muitos anos depois ainda frequentava o açude. E pescava. Quando o Tio João e o Tio Manel já cá não estavam e o Pai, seguramente, já não podia com o meu peso...

 

 

 

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