Memórias vilacondenses (VII)
Tinha os ouvidos cheios das histórias da juventude do Pai. A partir de 15 de Agosto, nesse tempo, os caçadores (como ele) invadiam a Azurara e era fogo cerrado sobre as rolas, entre dunas e pinhais. Fogo cerrado e muita caça... Vai daí, não sei o que me passou na cabeça, na década de 80 do século passado, trouxe a espingarda, manhãzinha cedo, atravessei a vila armado e enfronhei-me em tais paragens. Ainda o novo estaleiro não estava lá.
Eram terrenos lodosos, alagadiços, consoante a maré, já povoados de muita gente. E, também, de tarambolas, abibes, uma parafernália de aves ribeirinhas fora do programa de caça. Mas sempre uma urbe sufocante em meu redor. Tanta gente, espreitando atónita! Claro que as rolas há muito tinham procurado poisio mais recatado.
De modos que tiros - nem um. Salvo aquele disparado debaixo da torre dos Pizarros - esse antigo mosteiro - visando essencialmente acordá-los. Miraculosamente não apareceu a Guarda, a saber o que fazia ali e com licença de quem. Assim escapei incólume à prisão, à apreensão da arma e a uma série de chatices decorrentes.
O mundo ribeirinho acabava então na torre dos Pizarros. Daí para a frente, ou lama negra ou água rente. E eles, amigos de sempre. Mais: os melhores amigos de sempre dos seus amigos. Isso já os os Pais enalteciam.
À noite contei-lhes o episódio. Riram-se e beberam mais umas cervejas. Porque na altura, chegando a noite, os Pizarros arribavam a Vila do Conde. Bicicletando. O Mi, o Miguel, o Eduardo, o Zezinho... e a Bebas - os olhos mais bonitos da praia, como já não há comparação desde que a poluição tomou conta do Ave e as águas se turvaram (verdes cristalinas que eram, a ver-se-lhes o fundo).
Reuniamo-nos então numa cervejaria frente ao antigo cinema. Demoradas noites de canecos e disparate. Até ao fecho do honesto estabelecimento. E sempre com alguém a ficar um pouco para trás, agarrado a uma parede, a cerveja provoca efeitos tais...
O estaleiro perturbou todos os equlibrios. Os Pizarros dispersaram. Encontro-me com eles em abraços que vêm de gerações. Armado?... - já não tenho idade para tolices, nem a Azurara espaço para contemporizar com elas. Ficou a amizade. E foi muito, decerto o bastante.