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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

A Morte

João-Afonso Machado, 21.02.12

A Morte, se não for zarolha, é miope. De óculos na ponta da sua magreza mortal. Longe dos raciocínios, alimentada no deleite dos rancores, magra, escanzelada, sem leite na teta. Não se sabe se é sangue, se é avidez de sangue, se tem veias e algo corre nelas. Por Satanás e os mais mafarricos que povoam a existência (afinal não descontraída) dos mortais.

Mas, sobretudo, a Morte tem muitas caras. De Woody Woodpecker, tagarela, de Noite das Bruxas, mão estendida e ameaçadora. Com dentes adiantados, caninos ferozes de Drácula ou de lobisomem... No som cavo de uma peça sinfónica, na alegria da cantarolice. É isso a Morte: o imprevisivel. Uma cadência diária em que o mundo virtual não escapa. É o Mal com poder e vontade. Uma mulher em que ninguém pega e de quem todos se afastam. Com mau fígado e fétidas entranhas.

Não é o fim do Carnaval nem o início da Quaresma. É, simplesmente, a Morte. Sempre sozinha, noites fora. A fatalidade - ou o rafeiro que, de nariz no chão, persegue a maldade. Um zombie, se recordarmos o videoclip de Michael Jackson. Ele próprio uma vitíma sua. Há quem diga, quando sonhava com biquinis brasileiros. Disso não tenho a certeza. Sei somente que a Morte ecoa todos os dias.

Magra, escanzelada e de luneta. E de linguagem muito abaixo de qualquer carroceiro.

 

Capela de Nosso Senhor Jesus do Além

João-Afonso Machado, 21.02.12

«(...) um rito que perduraria décadas a fio - o das procissões petendiam pluviam, a população do Porto vindo à beira-rio, em períodos de seca, esperar o Senhor Jesus Crucificado que desembarcava e depois percorria a cidade, todos em prece por abundante dose de chuva e muita fartura dos lares. (...) numa dessas místicas manifestações, os Cónegos da Sé se apoderaram da imagem que não mais sairia do Porto. Estalou a guerra entre a Confraria do Senhor Jesus do Além (...) e o Cabido (...). O Bispo arbitrou caseiramente, decidindo que o ícone ficaria na Sé Catedral. (...) "os de Gaia", despojados e injustiçados, retaliando, não mais consentiram que a procissão se realizasse. E foram encomendando a escultura de imagem substituta.

Esta viria também a presidir a procissões fluviais, anos depois, mantendo-se, porém, sempre a bordo. Pertinente medida cautelar! O Senhor Crucificado embarcava no cais da sua capelinha e descia o rio até S. João da Foz, mas navegando sempre ao largo, atirando bençãos aos devotos nas margens. Depois regressava.

(...) a capela seria reduzida a escombros. Mas em 1877 um novo templo é levantado, em ponto mais alto, fugindo aos malefícios das cheias. (...) aprazível é a panorâmica que se desfruta do pequeno adro fronteiro: a ponte e os seus dois tabuleiros, os Guindais e a muralha fernandina, adiante a Ribeira e a curva do rio nos Bacalhoeiros (...). Nova capela, nova Confraria do Senhor de Jesus do Além.

(...) recomenda-se somente que antes de iniciar a travessia do rio, olhe para um lado e para o outro, não vá ser colhido por uma qualquer lancha supersónica. que decerto não lhe será familiar. No mais, venha e desembarque em Massarelos, na Foz, onde quiser. Venha e traga consigo a frescura das coisas simples e bonitas e faça chover a Graça da Fé sobre a aridez dos nossos espíritos».

 

(Vd. A Capela do Senhor Jesus do Além, na escarpa da Serra do Pilar, in O Tripeiro, 1994, pág. 272 e ss).