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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

Fruta da época

João-Afonso Machado, 04.12.11

É um andar desajeitado sobre a humidade das folhas ou dos caminhos que ainda não acordaram para o sol. Vagaroso, a querer ser discreto, como se temendo sempre a fatal pisadela. Que apeteceria dar, não fora a antevisão da chiadeira, do estrebuchar da pastelona e, enfim, de uma morte injustificada. Mas raros são os animais, na região minhota, a reunir tão pouca simpatia como as salamandras. É um povo inteiro que se insurge contra elas e as rotula de peçonhentas, venenosas, nojentas, instrumentos de bruxaria. E quem vir uma, não cuspindo logo, é como se a levasse à pia baptismal - ficará para sempre seu padrinho, sua madrinha.

Teológicamente, não confirmo nem desminto. Mas ainda hoje, antes da fotografia, saiu a cuspidela. Foram cumpridas as formalidades. Até porque já tenho afilhados em número bastante.

 

"Comércio tradicional"

João-Afonso Machado, 04.12.11

Como não visitar a retrosaria? Como não ter logo a clara percepção de uma D. Gina sexagenária, atenciosa, nunca muito expansiva? Do ambiente quase de sacristia entre aquelas paredes já com tantas décadas de comércio?

Atravessei a rua, fui sob o toldo, entrei. Só podia ser ela, a D. Gina, cabelo grisalho e uns óculos na ponta do nariz. De camisola de gola alta. E interessada em saber ao que eu vinha.

Era pouco limitar-me à curiosidade de conhecer o seu estabelecimento. Urgia improvisar...

- Bom dia! Tem...?

Tinha tudo. Agulhas, alfinetes, linhas, botões, colchetes, elásticos...

 - E veja estes patinhos tão lindos, amarelinhos, para os blusões. E ficam bem na lapela dos casacos, tanbém...

Imaginei-me a entrar no Congresso (ainda por cima um congresso sobre casas nobres...) com o dito bichinho a chapinhar sobre o cinzento do meu casaco, não podendo sequer esgrimir o velho argumento do very british.

- Não, muito obrigado, minha senhora... 

E continuei escolhendo. Acabei levando uma duzia de colchetes porque me ocorreu que, na pesca do mar, talvez tivessem alguma utilidade para segurar as chumbeiras. Paguei e despedi-me, agradecendo o amável acolhimento. Para trás ficou aquela loja e a percepção de que, crise por crise, a actual não faria grande mossa a esta gente simples que vende elásticos e dedais ou agulhas e assim vem sobrevivendo sem anseios de dias abastados, promissóriamente de fortuna.

Mas já não visitei o Pronto a Vestir vizinho. Com pena, reconheço. Simplesmente, as roupas eram todas de senhora. Mais um pouco e lançava a sugestão: mudem a designação - Boutique Adriana. Com o que não adiantaria muito à certamente fidelizada clientela da casa. À margem deste mundo em convulsão.