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Como não visitar a retrosaria? Como não ter logo a clara percepção de uma D. Gina sexagenária, atenciosa, nunca muito expansiva? Do ambiente quase de sacristia entre aquelas paredes já com tantas décadas de comércio?
Atravessei a rua, fui sob o toldo, entrei. Só podia ser ela, a D. Gina, cabelo grisalho e uns óculos na ponta do nariz. De camisola de gola alta. E interessada em saber ao que eu vinha.
Era pouco limitar-me à curiosidade de conhecer o seu estabelecimento. Urgia improvisar...
- Bom dia! Tem...?
Tinha tudo. Agulhas, alfinetes, linhas, botões, colchetes, elásticos...
- E veja estes patinhos tão lindos, amarelinhos, para os blusões. E ficam bem na lapela dos casacos, tanbém...
Imaginei-me a entrar no Congresso (ainda por cima um congresso sobre casas nobres...) com o dito bichinho a chapinhar sobre o cinzento do meu casaco, não podendo sequer esgrimir o velho argumento do very british.
- Não, muito obrigado, minha senhora...
E continuei escolhendo. Acabei levando uma duzia de colchetes porque me ocorreu que, na pesca do mar, talvez tivessem alguma utilidade para segurar as chumbeiras. Paguei e despedi-me, agradecendo o amável acolhimento. Para trás ficou aquela loja e a percepção de que, crise por crise, a actual não faria grande mossa a esta gente simples que vende elásticos e dedais ou agulhas e assim vem sobrevivendo sem anseios de dias abastados, promissóriamente de fortuna.
Mas já não visitei o Pronto a Vestir vizinho. Com pena, reconheço. Simplesmente, as roupas eram todas de senhora. Mais um pouco e lançava a sugestão: mudem a designação - Boutique Adriana. Com o que não adiantaria muito à certamente fidelizada clientela da casa. À margem deste mundo em convulsão.