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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

Enfim a chuva

João-Afonso Machado, 23.10.11

É certo que grassa a tristeza entre a movida das redes sociais, desta feita privada das habituais romagens aos santuários do biquíni e do calção. Mas até o mar ameaçava transformar-se em sal apenas. Sal grosso, bom para salgar. E a terra era cada vez mais uma poeirada irrespirável, sufocando os cachorros, à espera de, a qualquer momento, poder ser semeada. Do momento em que a água viesse e lançasse a sua bênção sobre a fertilidade das colheitas.

Foi hoje. Finalmente.

Tudo tem o seu tempo dentro dos quatro gomos da laranja planetária. Chacun á sa place… Agora é chegado o momento das camisolas e de um par de meias mais quente; da chuva, do enevoado, de pensar em acender a lareira; do vento sul, em suma.

E não vejo porque os seus silvos, o pingar das águas na pedra das lajes, não seja mais melodioso do que um verão prepotente e agarrado ao galarim. Prá frente Outono!

 

 

A CGD à espera de prescrição? Caducidade?

João-Afonso Machado, 22.10.11

Gostei especialmente de saber por que artes mágicas uma pequena parcela da fortuna de Kadhafi veio parar a Portugal, aos cofres da Caixa Geral de Depósitos. Tudo terá principiado em 2008, na Suíça, onde um seu filho, Hannibal (o nome é sugestivo, cartaginês), e a sua senhora, foram presos por terem espancado uns reles serviçais seus.

E digo que gostei precisamente lembrando os idos do passado século, em que Kadhafi era venerado em Portugal pelos donos “m-l” da nossa democracia como um ícone da luta mundial anti-imperialista. Agora, sobre o assunto, muito oportunamente remetidos a um silêncio prudente e ajuizado.

Mas o facto é que o “Coronel”, naturalmente agastado com a audácia das autoridades helvéticas, logo optou por deslocar a “massa” para outras paragens, contemplando a nossa CGD com a não desprezível soma de 1300 milhões de euros em depósitos.

Entretanto, o Estado português, ao reconhecer o Conselho Nacional de Transição como a legítima entidade governativa da Líbia, admitiu os poderes desta sobre tais verbas, assim colocadas à sua disposição.

De modo que as mesmas lhes terão de ser devolvidas, caso sejam reclamadas. Não se dando o caso de as contas não serem movimentadas, ou não forem pagas as respectivas taxas de custódia ou, enfim, não ocorrer a respectiva declaração de direitos durante o prazo de 15 anos.

Isto a propósito, na actual conjuntura, dos previsíveis problemas de liquidez e tesouraria que essa operação iria gerar ao nosso Banco estatal.

Resta-nos, por isso, esperar que uma imensidade de questões graves, certamente a afligir os líbios, deixe correr o marfim… Concedendo tempo para que possamos invocar a prescrição ou a caducidade dos direitos daqueloutro Estado soberano.

 

História da Carochinha

João-Afonso Machado, 21.10.11

Chamava-se Ritinha e era muito pequenina: as suas medidas não iriam além de um metro e meio de altura por dois ou três milímetros de alma. Raivosinha, por isso. Intriguista e fantasiosa. Enfim, nojenta.

Mas gostava de histórias e era danada para a brincadeira. Ai de quem não lhe desse atenção! Vingativazinha, deixava à sua imaginação e à sua ruindade rédea plena, propósitos bandidos. A Ritinha não se amedrontava de entrar em casa alheia e destruir o seu recheio. Nem de enviar veneno escondido em cartas anónimas. Então divulgar conversas alheias… ui!, isso era a delícia dela.

Às vezes, estando para aí virada, esperava pela meia-noite para incomodar os vizinhos.

Está-me com ódios. – dizia então, a choramingar. – Tenho pena, meu escritor actual favorito.

E a resposta não se fazia tardar, saturada: – Estou sem óculos. A dormir… - e esperançada que ela fosse atazanar outro qualquer, quem sabe?, aproveitar o luar para comer uns frutos silvestres.

Foram muitos anos da Ritinha em volta das gentes da aldeia, em biquinhos dos pés, sempre a ver se papava algo, com as suas artimanhas. Até ao dia em que se atreveu a entrar na residência de uma senhora já cansada das suas patifarias. Aí tudo se tornou mais complicado. Seguindo o conselho de alguns especialistas, armou-se-lhe uma ratoeira. E ficaram todos à espera de a ouvir chiar.

Não demorou muito. Ainda assim admirados, perceberam que a Ritinha andava a roubar de uns para vender aos outros. Levava e trazia… Até que – trac! – o alçapão se fechou e a Ritinha ficou lá dentro com um número muito comprido, todo enrolado na sua cauda, onde se lia, para ela nunca mais esquecesse a sua inteligência pouca: IP.

E porque roubar é muito feio, chamou-se a polícia que pregou um valente puxão de orelhas à Ritinha.

Assim na aldeia todos voltaram a dormir descansados.

 

Um olhar pelo Mundo

João-Afonso Machado, 20.10.11

A morte de Kadhafi foi exuberantemente festejada pelos líbios. Com danças, cantares e muitos tiros de AK47 disparados para o ar. Um pouco mais com whisky e julgar-nos-iamos em algum acampamento sioux, ou mesmo na Abilene oitocentista, em dia de chegada dos cow-boys… Não se trata, porém, do costumeiro “happy end” dos westerns, posto ainda faltar morrer muita gente na Líbia liberta. A saber, todos os que podem esperar retaliações pela sua fidelidade ao ditador, a que acrescerão quantos se desirmanarem na euforia que se seguirá. O universo árabe é feito disso mesmo e um Bin Laden tem sempre por sucessor outro Bin Laden. Não vale a pena iludirmo-nos.

De resto, do outro lado do Mediterrâneo, para já ainda só se morreu de ataque cardíaco. Mas a chuva de pedras que assola Atenas promete proezas mais significativas, pelo andar da carruagem.

Quero dizer, se o Mundo não está ainda em guerra, a guerra está no Mundo, espalhada por todo ele. Já só nos resta (além de rezar…) defender o nosso mundo, o mundo de cada um. O mundo português, por exemplo. Ou, caso não queiram, o mundo minhoto, o meu mundo, obrigado.

(Oh diabo! Acabo de me lembrar dos gangs e dos assaltos a ourivesarias que o assolam presentemente. Pensando melhor, talvez seja de me bastar com o mundo da minha família: não tem petróleo mas também não sofre as tempestades de areia; é fértil e produtivo, mesmo a pedir uma enxada e umas sementeiras…)

 

 

Autofagia republicana

João-Afonso Machado, 19.10.11

A esta hora, há precisamente 90 anos, a República portuguesa dava um dos mais deploráveis exemplos de si mesma. Lisboa, então, ardia em conspirações. Ante a agitação social e a ameaça constante de rebelião militar, o Governo, presidido por António Granjo, pediu a demissão, aceite prontamente pelo Chefe de Estado, António José de Almeida.

Era, porém, já demasiadamente tarde para travar a sede de matar dos marinheiros, da tropa da GNR, da Formiga Branca, da populaça mais arruaceira. Assim se iniciava, na capital, o sangrento episódio conhecido na História pelo ajustado rótulo de “a noite sangrenta”. A bordo de uma camioneta (a “camioneta fantasma”…), saindo do Arsenal comandados pelo cabo Abel Olímpio – o “Dente de Ouro”… - uns tantos marinheiros, sempre assuados pela turbamulta, capturaram sucessivamente António Granjo, José Carlos da Maia e Machado dos Santos (combatentes da Rotunda), Freitas da Silva (oficial da Marinha) e Botelho de Vasconcelos (coronel sidonista).

Foram todos abatidos a tiro, alguns previamente espancados, mesmo à vista dos seus familiares.

De resto, viriam estes a recusar para as vítimas a honraria de funerais nacionais que o Governo, acalmada a situação, pretendia efectuar.

Houve julgamento, um ano depois. Muitos indiciados, quer por autoria moral, quer por autoria material. A pior condenação recaiu sobre o “Dente de Ouro”, obviamente – dez anos de prisão!!! Que não cumpriu integralmente, sequer. E a maioria (sobretudo entre os graúdos) foi absolvida.

Coisas da República. A fazer lembrar, em alguns aspectos cruciais, a tragédia do Cessna onde viajavam Sá Carneiro, Amaro da Costa e os mais. No mesmo mundo maçónico de impunidade.

 

 

Gente realmente importante

João-Afonso Machado, 19.10.11

As minhas perdizes, quando de passagem pela cidade, ficam normalmente ao cuidado do Sr. Joaquim Pereira. Tratadas com toda a excelência, assadas ou estufadas, comparecem depois à mesa, onde as aguardamos, eu e os meus filhos, e o Sr. Joaquim connosco. E assim decorre o jantar, com sabores a lembrar a culinária de Amarante e Vila Flor, as terras da sua gente.

É no Porto Sentido, um dos mais procurados restaurantes para “jantares académicos” – coisas da rapaziada universitária, com muita sangria à mistura.

 

A greve geral

João-Afonso Machado, 18.10.11

Após aturada reflexão sobre a grave situação do País, as duas lusas centrais sindicais entenderam-se e decidiram dar as mãos numa greve geral, ainda sem data certa. Não descortinaram, ao que parece, outro processo de combater o dito alarmante estado da Nação. Contra a falta de trabalho e de dinheiro, nada melhor do que não trabalhar e não ganhar...

Sucede, porém, que estas greves gerais invariavelmente tendem para a obvia parcialidade. Organizadas e frequentadas pela Esquerda mais extremista, redundam em norma numa guerra de comunicados, entre o Governo e os sindicatos, sobre os índices de adesão. E nada mais produzem, além do contributo assim prestado à baixa de produção.

A greve, como direito constitucionalmente garantido, sempre foi considerada uma conquista dos trabalhadores. Políticamente - e mais relevantemente - é um afloramento das ideologias sustentadas no já velhinho conceito de "luta de classes". E digo assim porque, nos tristes dias que vivemos, a classe é só uma -  a dos portugueses, todos à uma na maior aflição.

O resto são os habituais abutres que engordam com a desgraça alheia. Mas a esses ninguém vê a cara... É de sempre.

De modo que a greve será somente uma absoluta inutilidade ou, o que é pior, um cliché das condutas que vêm enterrando a Grécia, não obstante os apoios repetidamente solicitados -  a países onde não consta haja tempo para brincar às greves. De outro modo não seriam poderosos.

 

Um momento de liberdade

João-Afonso Machado, 17.10.11

De repente, um movimento de liberdade, sequer contrariado pelas leis da Física. Entusiasmado pelo sol ou pelo pacifismo do silêncio. Numa tarde qualquer. Num recanto ignorado. Um corpo apenas, maciço mas leve, liberto, onde nem são precisas palavras. É o reino do entendimento dos sentidos, acima das profundezas equívocas dos dizeres meio ditos apenas. 

Podia ser assim connosco. Mas resta sempre uma surpresa, do lado de lá, uma patorra súbita que nos leva ao fundo e afoga-nos a condição de seres livres.

 

"Democracia participativa", ouvimos nós

João-Afonso Machado, 16.10.11

Nestas voltas de indignação que, mais ou menos, agitaram o País este fim-de-semana, voltámos a ouvir falar – com grande ênfase – na “democracia participativa”, como a cura genial para os males que nos afligem. Vale dizer, os manifestantes reclamavam exaltadamente o seu direito de intervenção na vida política nacional, porventura substituindo-se à famigerada “classe política”.

Talvez não seja despiciendo constatar que a antinomia “democracia representativa” / “democracia participativa” não é assim tão notória. A primeira evidência da participação residirá na escolha dos representantes, necessariamente pelo método eleitoral. Ora, ninguém esquece os estrondosos e sempre crescentes níveis do abstencionismo nos anos e nos escrutínios antecedentes.

O que, inapelavelmente, traduz o alheamento dos cidadãos face às grandes questões políticas nacionais. Se carregados de razão na sua descrença? Talvez. Mas a constituição de novos partidos nunca foi vedada; e, no plano autárquico, a liberdade de apresentação de listas independentes funciona plenamente. Por isso…

Sejamos francos, sinceros. Não quisemos saber, pura e simplesmente. Limitámo-nos a alardear o nosso desprezo pela gente dos partidos. Até que a crise nos bateu à porta e começámos a perceber o alcance dos seus efeitos. Só então parecemos ter acordado… - eufemismo meu, frente à televisão, assistindo às imagens das manifestações e dos manifestantes. Está lá tudo claramente explicado, apenas com o cuidado de não utilizar terminologias antigas como a “democracia burguesa” versus “democracia popular”. Demagogia pura, em suma. Até porque ai de quem faça frente a Louçã na chefia do BE… E por muito menos de um alvitre quanto à pessoa do secretário-geral do PCP se expulsa um militante deste partido…

 

Das "Memórias de um Átomo"

João-Afonso Machado, 16.10.11

Meu prezado Amigo João de Távora:

Como ninguém, o meu Amigo conhece a pátria História por dentro. Portanto, decerto, não ignorará este tocante episódio de beligerância em que galhardamente as cores da nossa bandeira se destacaram com abnegação e estoicismo. É o caso da invasão das terras minhotas de V. N. de Famalicão pela hoste olissipo-britânica do Turf, dito Sporting Club.

Eu estive lá. Pelejámos à bolada. A superioridade das forças adversas era manifesta. A táctica adoptada seguiu fielmente a ora designada movimentação do (sempre estes anglicismos..) football.

Não queira o meu Amigo saber! Melhor armados, robustos e bem nutridos, os olissipo-britânicos atacaram em toda a sua pujança. Invadiram e instalaram-se no nosso reduto. Mas quê? Qual os escassos 300 espartanos de Leónidas, também o poderio desses apaniguados do poderoso Xerxes foi baqueando. Caindo um após um, com amarelos ferimentos para nós, é certo, sempre em volta do último e sagrado reduto.

Tão descompensada batalha captou a simpatia dos mais generosos. Dolores Ibarruri, transfigurada de azul-branco, revivendo a eterna resistência de La Passionaria, ouvimo-la gritar, incentivar, incansável:

- No pasaran!, no pasaran!...

E os passarões não passaram!

Mesmo o arcano Artur Agostinho, não se poupava de exclamar:

- Muito bem! Muito bem!,

reconhecendo, inequivocamente, o mérito desta peonagem valente e sacrificada. Portuguesa, do melhor que há em Portugal.

Depois foi a breve trégua de um quarto de hora. O General ordenou eu fosse rendido. O mais, conhecerá o meu excelente Amigo sobejamente. Direi apenas que caímos aos brados de

- Viva o Futebol Clube de Famalicão!!!,

(não guardando ressentimentos por ter sido rendido…) e só acrescentando que o halali foi inquestionavelmente grandioso. Heróico!

Jura-me o Padre Serafim, das santas Terras de Basto, temos o nosso lugar assegurado nos anais lusitanos. Entre os entes celestiais também.

Com pesar, mas sempre orgulhosamente, despeço-me pedindo aceite o meu estimado Amigo os respeitosos cumprimentos do seu admirador

 

J. da Ega