Autofagia republicana
A esta hora, há precisamente 90 anos, a República portuguesa dava um dos mais deploráveis exemplos de si mesma. Lisboa, então, ardia em conspirações. Ante a agitação social e a ameaça constante de rebelião militar, o Governo, presidido por António Granjo, pediu a demissão, aceite prontamente pelo Chefe de Estado, António José de Almeida.
Era, porém, já demasiadamente tarde para travar a sede de matar dos marinheiros, da tropa da GNR, da Formiga Branca, da populaça mais arruaceira. Assim se iniciava, na capital, o sangrento episódio conhecido na História pelo ajustado rótulo de “a noite sangrenta”. A bordo de uma camioneta (a “camioneta fantasma”…), saindo do Arsenal comandados pelo cabo Abel Olímpio – o “Dente de Ouro”… - uns tantos marinheiros, sempre assuados pela turbamulta, capturaram sucessivamente António Granjo, José Carlos da Maia e Machado dos Santos (combatentes da Rotunda), Freitas da Silva (oficial da Marinha) e Botelho de Vasconcelos (coronel sidonista).
Foram todos abatidos a tiro, alguns previamente espancados, mesmo à vista dos seus familiares.
De resto, viriam estes a recusar para as vítimas a honraria de funerais nacionais que o Governo, acalmada a situação, pretendia efectuar.
Houve julgamento, um ano depois. Muitos indiciados, quer por autoria moral, quer por autoria material. A pior condenação recaiu sobre o “Dente de Ouro”, obviamente – dez anos de prisão!!! Que não cumpriu integralmente, sequer. E a maioria (sobretudo entre os graúdos) foi absolvida.
Coisas da República. A fazer lembrar, em alguns aspectos cruciais, a tragédia do Cessna onde viajavam Sá Carneiro, Amaro da Costa e os mais. No mesmo mundo maçónico de impunidade.