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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

Portugueses: ide

João-Afonso Machado, 31.10.11

Já nada mais lhe ocorre recomendar: partam, emigrem, vão procurar que fazer em outra banda… E não, não se trata de uma conversa de café entre dois ou três incautos e um angariador de trabalho escravo. Antes do discurso do Governo desta República ante todos nós portugueses. Ide: arranjai emprego lá fora. Na Europa? Provavelmente mais longe ainda, do lado de lá do Oceano, no hemisfério sul. Na implícita visão de um duvidoso retorno a casa…

Porque a nossa economia são cardos. Porque não há dinheiro. Porque a produção é safara e os portugueses só vêem privações pela frente. O País vive acabrunhado, sem esperança.

Culpar o Governo nesta hora? Não valerá a pena. A ciganada instalou-se na feira há muito. A aldrabice campeia de longa data. Uma confissão traduz sempre um acto de sinceridade. A realidade é triste mas é o que é. Reconheçamo-la, ao menos.

Ou então reocupemos o Interior. Talvez sem outras regalias além de um prato de sopa e a esperança de um mundo novo cá dentro. Já agora, servido de auto-estradas, para um dia que os meios de transporte voltem a ser acessíveis…

 

Histórias da Carochinha

João-Afonso Machado, 30.10.11

Pois nada sabia, Ritinha. Tenho andado meio arredado e só ontem me contaram foste às festas, onde deixaste, bem marcada, a tua justa reputação.

Então não é que decidiste recolher à pensão, altas horas, ao que dizem, tropeçando muito no subir das escadas? E atrás de ti, a amparar-te pelo rabo, um manganão, o teu João Ratão. Garantiu-me um hóspede, conhecido de longa data, essa noite não foi possível pregar olho, tal o alarido. Uma chiadeira, uns berros cortantes. E a empregada, ao passar no corredor, que te ouviu tossir, engasgada, quase sufocada! E o reboliço no quarto, o reboliço, horas a fio, meu Deus, em terra mais pacata!

Foi por isso que a D. Zulmira te informou muito seca, na manhã seguinte:

- Menina, não é permitido os hóspedes trazerem convidados para o quarto!,

com aquela sua voz afiada, a D. Zulmira que já na véspera de andara a cocar, forasteira, sempre desconfiada, a modos de quem investiga e se questiona:

- Quem será esta galdéria?,

como se lesse e adivinhasse nas tuas bochechas, Ritinha, essa tua sublime especialidade de mandar cartas anónimas e de fazer telefonemas a meio da noite, sempre escabrosos, sempre injuriosos, em papel manchado de vinho e voz empastelada. Como se já tivesse percebido tudo, a espertalhona da D. Zulmira.

Enfim, a seu tempo contarás como recuperaste as tuas botas altas que, na vergonha da debandada (o que o João Ratão se riu, Ritinha!), esqueceste na pensão.

 

Maioridade

João-Afonso Machado, 30.10.11

Lembro os meus 18 anos. O presente da minha querida Avó foi o festejo, um jantar em que convidados eram todos os (muitos) grandes amigos. Engravatadíssimos, eles, de vestido especial, elas, porque, enfim, ser adulto também era isso: o blazer, o salto alto…

E com tantos fugitivos da idade menor vinham os pais respectivos. Porque, nesse tempo, a carta de condução e o automóvel não andavam tão depressa quanto a nossa vontade de sermos “grandes”.

Hoje é a vez do meu filho mais velho: 18 anos e eu a senti-lo ainda ao colo! Mas é o que é. E as comemorações principiaram ontem, em forrobodó pela madrugada fora com os parceiros. Com direito a um dia de aniversário a recuperar o sono. Logo mais, lancharemos. E depois…

E depois será a vida, no que ela nos consegue dar. Do jantar que a Avó me ofereceu segui direitinho para a Faculdade. Por não mais do que cinco anos, claro (está expressamente proibido de chumbar, dizia-me o Pai), e logo após para o estágio e para a profissão. Até agora.

E os filhos? E os demais, nas mesmas circunstâncias? Que Faculdade, que estágio, que profissão?

Que maioridade, que vida, afinal?

 

 

Guimarães

João-Afonso Machado, 29.10.11

Uma tarde connosco, junto de onde também sou. Guimarães! Vista cá de cima, encosta abaixo, S. Francisco e S. Gualter, primeiro, o Paço Ducal e as torres do Castelo do lado de lá. No entretanto, o Toural adivinhado, o centro histórico, ruelas que tantos vivemos com sentimentos, não na fugaz circunstância de uma companhia qualquer. Assim como quem tem, realmente, raízes.

O Minho, outra vez e sempre. Os minhotos, esse compromisso de todos os dias. Ou um fio de honestidade, descendo a ladeira, e os sinos, sempre os sinos, soando acima do ruído urbano. Porque, em boa verdade, o essencial não muda e transmite força – o ânimo de continuar.

Guimarães falando caladamente. Longe das arengas, longe dos torneados, eternamente do granito que faz as almas merecedoras de respeito.

 

Tintin e os grecotugas

João-Afonso Machado, 28.10.11

Nem de propósito, Spielberg trouxe Tintin à ribalta nos cinemas. Será a melhor oportunidade para revisitar a obra genial de Hergé, começando por um dos seus álbuns primordiais. 

Concretamente de “Tintin no Congo”, lançado em 1931. Está-se a ver… O herói-repórter desbravando a África mais africana, ao ritmo das concepções da época, branco é branco, negro é negro… 

Sobrevieram guerras múltiplas, a mundial, e as mais, civis e coloniais. Ficou a obra e a contestação puritana de uns tantos – o texto era xenófobo, urgia remodelá-lo. Assim se procedeu. 

A imagem do preto agarrado ao transístor, circulando de bicicleta, enchapelado, ridículo ou caricato, tudo se fez para ser apagada. Nada contra. 

Já, porém, mais difícil será ocultar outro cliché. O nosso. Fatalmente o da nossa gente. Onde o transístor deu lugar ao telemóvel. Télélé-télélé. 

Tudo porque entre o miserabilismo que vai invadindo a Europa, há dois países que se destacam no consumo desse aparelho. O primeiro é a Grécia; o segundo é Portugal. Estatisticamente, entre nós, com 1,5 TM per capita

As conclusões deste dado seguro ficarão a cargo de V. Ex.cias…

 

Esperança

João-Afonso Machado, 27.10.11

Foram séculos assim. A fatia maior da nossa gente arava a terra, semeava o milho, mondava-o, festejava a sua colheita e rejubilava na malha. Um bocado de eira e moinho e o pão nosso de cada dia assegurado. Mais um pedaço de sardinha, a lareira acesa e… saudinha. Era-se feliz. Analfabetamente feliz, saciados os instintos mais básicos. Na exacta medida em que o espaço para a esperança era irremediavelmente curto.

Tempos há muito fora do Tempo. A fasquia, entretanto, subiu em flecha. Sobrevieram os Toyotas e os electrodomésticos. Conhecemos, enfim, o bem-estar. Acomodados, continuámos arredados da esperança. Somente o dia-a-dia era mais confortável.

Lá fora, o mundo conhecia novas perspectivas. A produção dividiu-se em sectores primário, secundário e terciário, sendo o catálogo pouco abonatório para com quem agricultava com vista ao auto-sustento. Com a industrialização da lavoura – algo que nos passou ao lado – fomos vivamente incentivados a abandonar o campo. E a Estatística registou, muito ufana: já só 3% dos portugueses vivem do que a terra dá.

Por isso comemos hoje o que nos vendem os outros, membros ou não da UE. Num contínuo encolher de ombros ante a fatalidade.

É onde retomo o tema da esperança. Que é feito de nós? Do que somos nós capazes?

Aparentemente, de protestar apenas contra o aumento do custo de vida.

 

O País em tempestade

João-Afonso Machado, 26.10.11

O vento e a chuva hoje assanharam-se, o mar braveja, as barras encontram-se todas, ou quase todas, fechadas. Oxalá não sobrevenham calamidades, mais do que as que o País já sofre, à míngua de sustento e de um amanhã de contornos bem claros.

Ainda assim, nestes solavancos da Natureza, nada que se compare aos desígnios da nossa, da humana natura. Dir-se-ia, absolutamente indiferente ao furacão ameaçando, dia após dia, levar-nos ao fundo a pique.

De hoje, também, é o proclamado propósito dos médicos portugueses abandonarem em massa o SNS. Afinal, terá já naufragado o Estado Social? Onde pára ele, se fugindo vai da consciência cívica nacional?

Não possuo meios de avaliar a justeza das reclamações da classe. Somente me convenço que os tempos não correm de feição no que tange a reivindicações. Quem assume as responsabilidades decorrentes de um País imobilizado? Totalmente descontrolado?

Não tardará, a meteorologia trará boas novas, a tempestade esvair-se-á no horizonte. E em terra? Prosseguirá a tormenta entre o Poder político e as muitas e muitíssimo queixosas classes profissionais?

 

 

 

Histórias da Carochinha

João-Afonso Machado, 26.10.11

Rumos do Demo esses que me via obrigado a percorrer contigo, Ritinha! Mas como ter-te em casa? Como suportar dentro de portas a tua presença dois dias seguidos? Não, antes soltar os cavalos, beber duas pipas de ar puro, caminhar à frente fugindo ao teu bracinho sempre à espreita de se pendurar…

Foram tempos que não voltarão. Nunca mais! Até o rio se esvaziava e te presenteava com toda a sua imundice. E o estupor do relógio, Ritinha, parado nas horas e nos minutos, nunca mais era amanhã… Ao que me sujeitei, tais as penas que penei, os ouvidos já zonzos e tu, incansavelmente,

- Rónhónhó, rónhónhó…

sem dares uma folga, uma nesga de descanso, a puxares-me a camisola, eu tentando fugir ao enguiço,

- Ai que gosto tanto de ti!

Pois, pois, e um queijo?, não queres comê-lo? E se apanhasses o comboio agora, que ontem à noite já lá vai?

Sequer o meu silêncio te explicava a evidência. E as ideias bailavam, ribeirinhas, aterradoras

(- Gostava tanto de aprender a pescar!...),

e uma vontade disforme de te pendurar num anzol e de te mandar às enguias, Ritinha, elas que te consolassem, esburacassem, desgraçada, se vez alguma me confrontei com ser mais maçador!?

Foi assim Ritinha. Um verdadeiro calvário, até caíres finalmente no caldeirão. Que alívio, então! Pagou as favas o pobre do rio, onde não mais fui capaz de pôr os pés, não andasse o teu fantasma nas redondezas.

(A bem dizer não é exactamente isto: as águas voltaram a correr ligeiras, mais lavadas, sobrevoadas por gaivotas e garças. Uma beleza! Mas isso é outra história, essa que tu agora cobardemente queres destruir. Talvez o tiro te saia pela culatra, espectro danado. Muitos são os que se lembram de ti, minorca, e se riem da tua mesquinhez e dessas proezas mais recentes de tua autoria.)

 

 

Personagens

João-Afonso Machado, 25.10.11

No teatro da vida não somos outra coisa: personagens. Mais ou menos reais. Caminhando através de um percurso sinuoso, desde a tolice até à verdade. É o designio de cada um, consoante saiba ser e seja calcorreado. Desde os personagens históricos até aos caricatos. Ou do bom-nome à troça, através de uma mão-cheia de todos nós, gente banal.

Não se exigem heróis. Também se dispensam os palhaços. Dos personagens do mundo espera-se apenas cumpram a sua missão, valorizando-se a si mesmos, se calhar através de qualquer contributo com que beneficiem quem os cerca.

Esse o ponto onde surge o termo mais apropositado de personalidade… Essa a diferença, afinal…

Ao longo do trajecto, tudo é detectável. Os empreendedores, quer nas ciências, quer nas letras; e os párias, pequenos seres abaixo do vulgar, incapazes de algo mais senão de… não ser.

E de nada fazer. De quem falo? Certamente de alguém incapaz de produzir – quero dizer: de deixar obra – impenitente gastador de energias em maldicência e intriga, roendo-se da sua impotência de se constituir gente. De escrever uma frase, de assentar três tijolos.

Tamaninos, vingativos, ocultos. Mas facilmente detectáveis, totalmente expostos ao ridículo. E, sobretudo, matéria-prima para inesgotáveis paródias postas a público.

Personagens, afinal, da velha – mas sempre actual - literatura queirosiana. Condessas de Gouvarinho sempre à tona da Baía de Cascais. Ainda que travestidas em trajes regionais…

 

Sobre a educação "nacional"

João-Afonso Machado, 24.10.11

Sempre foi assim. Os professores liceais de Educação Musical ou de Moral e Religião – seguindo a terminologia do meu tempo – suportavam o Purgatório em vida. Não havia notas a essas disciplinas, logo não havia também disciplina. Pobres coitados!

Ainda assim, sobreviviam. Com mais ou menos dores de cabeça, porque éramos insurrectos, conquanto longe de agressivos, demolidoramente distantes do aniquilamento da personalidade dos mestres.

Como em tudo, a situação inevitavelmente piorou. Chegando a pontos extremos como o do pobre docente que um dia se atirou da Ponte sobre o Tejo deixando um papel: «Se o meu destino é suportar, dando aulas a alunos que não me respeitam, não tendo outras fontes de rendimento, a única solução será o suicídio».

Tinha 51 anos e era professor de música. Morreu, efectivamente, por vontade sua. Não corresponderá a um prodígio de sensibilidade apercebermo-nos do seu desespero…

Mas há o resto. Os miúdos que aviltados, humilhados, desfuturados pela perseguição a que são movidos pelos seus colegas, em idade em que a morte supostamente não existe no horizonte, a procuram como meta de paz ou de sossego. Ainda agora a Imprensa noticiou mais um caso. Pendurado numa forca por ele mesmo armada. Vivera dez anos apenas.

Os especialistas partiram em demanda da verdade e regressaram do estrangeiro com uma nomenclatura moderna: “bullying”, parece ser o apelido destas trágicas ocorrências. Que, como seria de esperar, se vão sucedendo, cada vez com maior frequência.

Isto é o sistema de educação da República. Isto é Portugal, em escassas mas inegáveis palavras.

 

 

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