Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

Lontras

João-Afonso Machado, 25.09.11

Aconteceu há uns anos, no rio Vez, junto à vila dos Arcos. Numa manhã de pesca, com todo o mutismo e precauções inerentes. As trutas e os barbos e as bogas lêem as sombras, o estalar das ramagens, a pedrita que escorregou e caiu à água. Uma estátua por horas, um par de olhos fixo na corrente, nos sentidos, na ponteira da cana. De tal modo que a lontra não receou e surgiu.

Vinha encostada à minha margem. Rentinho às pedras, só dei por ela debaixo dos meus pés. Fossilizei. E gozei o espectáculo até à última - aquele nadar único, as rotações sobre si, a brincadeira contínua. A marotice da sua expressão, a graça dos movimentos. Já anteriormente me defrontara com outra, em Covelinhas, no Douro. Mas, sendo noite, não retivera essa imagem que é uma dádiva de que poucos se podem orgulhar - a lontra feliz no seu ambiente natural.

Ontem recordei-a em Avintes, num tanque, uma réplica, uma recriação do seu habitat. Não lhe topei tristeza, a angústia do cárcere. A lontra soube passar por cima das contingências. Não tem tudo mas dispõe do necessário. O «algo» é normalmente o bastante.

  

Parque Biológico de Gaia

João-Afonso Machado, 25.09.11

Nessa tarde calma de sábado, os alfaiates resolveram reunir em convenção, como acontece a todas as horas e minutos, todos os dias. Foi em Avintes, algures no percurso de 3 kms do Parque Biológico. Nessa estranha confluência dos tempos e dos espaços e dos mundos, desde as cabras anãs até aos ressuscitados bisontes europeus. Com paragem na quintinha que nos vai no coração, na sua horta, nos seus milheiras, na azenha ou nos lagares.

Eu leria um livro inteiro, escutando o animado diálogo siliencioso dos alfaiates. Sentado num banco, sempre atento ao seu ar circunspecto e corporativo. Ou então junto ao lago dos anatídeos, a aguardar o voo de qualquer pato-real, preso às cores dos zarros, dos trombeteiros, dos arrábios.

Atravessámos pinhais, carvalhais e o sonho de exóticas borboletas. Longuissíma viagem, o Febros um dia será rio e vida outra vez. Nas mãos, à chegada, o aroma remoto da planta de caril.

Vão lá e tragam também tão grande viagem na alma e nos sentidos.