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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

É vê-los e aprender com eles

João-Afonso Machado, 22.09.11

O mundo é deles, não tenhamos nós qualquer pretensão de propriedade. Vivem sem pedir licença, desconhecem barreiras, passeiam descontraidos entre muros e telhados. E dormem a sesta, gozosamente, seja no sofá, seja no capot aquecido pelo sol, ou ainda não esfriado do motor, no automóvel estacionado mais a jeito.

Uma espreguiçadela, a boca aberta, um olhar ausente - e, de um pulo só, o pardalito distraido bem cravado entre os seus dentes. O sono invencivel, aquela moleza, eram apenas uma miragem.

Cortejados pelas viúvas idosas, sapateando sonsamente a miudagem maçadora que os quer no colo, são uma lição de vida. Como eles, a alma ronrona de paz e a liberdade é felina.

 

Ironias da República

João-Afonso Machado, 22.09.11

É uma história antiga e sinistra. Encapuçada. A vir ao de cima, de quando em vez, sempre inconsequente.

Corriam os Anos 30 do século passado. Artur Carlos Barros Basto, oficial do Exército português com a patente de capitão, era judeu de sangue e religião. A ele -  director do Instituto Teológico Israelita - se deve a construção da sinagoga portuense, na Rua Guerra Junqueiro. Então. Assunto delicado, a República salazarista nunca primou pela maleabilidade e as intrigas não tardaram a vir à tona...

Abreviando caminhos, Barros Basto foi vítima de diversas denúncias anónimas e acusado de homossexualidade. Conquanto tal nunca fosse provado (nem, tão-pouco, os alegados abusos perpetrados na pessoa de pupilos seus), o Exército expulsou-o das suas fileiras, em 1937, sem direito a reforma. Morreu na miséria, em 1961.

Sobreveio a Revolução de Abril. A viúva de Barros Basto ainda instou o Presidente da República, Costa Gomes, rogando justiça à sua memória, posto tudo resultar apenas de perseguição política a um praticante da religião judaica. O Estado-Maior General das Forças Armadas pronunciou-se: tal pretensão era absolutamente destituida de fundamento legal... Ou seja - negou-lhe a reabilitação moral e a sua reintegração póstuma no Exército.

Os anos foram correndo. Já na geração dos seus netos, a derradeira tentativa aconteceu durante o mandato presidencial de Jorge Sampaio. Parece que houve promessas de resolução, esclarecimento, da questão. Mais nada - promessas apenas. Até hoje.

Por isso, o assunto permanece na ordem do dia. Muito concretamente, em Trancoso, onde se realiza o Festival da Memória Sefardita, neste ano centésimo primeiro da República Portuguesa...