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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

Uma dívida não tão escandalosa

João-Afonso Machado, 19.09.11

O lado oculto da dívida madeirense é, de facto, o mais feio da história toda. É mesmo muito dinheiro, um rombo daqueles, e o nosso pobre Portugalito no estado em que sabemos... Uma surpresa (pelo menos para o cidadão comum, creio) a dificultar sobremaneira os esforços necessários para evitar a septicémia, que é como quem diz, o colapso financeiro nacional.

E, no entanto, Alberto João - descobrimos, enfim, o Embuçado - não consta haja empochado exorbitâncias. O escandalo, verdade verdadinha, não há meio de surgir. Na Madeira existe défice democrático, existe, no plano dos dinheiros, um passivo monumental, existe isso tudo menos os Freeports e as Luvas Brancas de cá. 

Ao invés, parece que se multiplicaram as redes viárias e os hospitais excelentemente dotados de tecnologia de ponta. Daí, segundo a Imprensa, a famigerada e problemática dívida. Valha-nos isso. Provávelmente a ela devem muitos madeirenses, cont'nentais ou turistas a sua própria vida. Quando, acometidos de doença complicada, chegaram a tempo e horas a estabelecimento de saúde à altura dos seus pergaminhos e propósitos.

 

 

"Alado"

João-Afonso Machado, 19.09.11

Nas asas da cegonha

viajo o esquecimento,

sobrevoo o tormento

 

e rumo o sul.

Ao longo de lágrimas

sem o frio da vergonha,

ao longo do cais

mil vezes azul

de águas e neblina

 

da minha cegonha,

 

depois das mágoas,

voando, planando,

de colina em colina.

 

Um minhoto na Capital

João-Afonso Machado, 19.09.11

Em plena Rua da Conceição, ainda não não sossegara a minha admiração. Aliás: valente susto o meu! Aquele aglomerado de gente, vozes sonantes, até alguns atropelos... Sempre a mesma coisa - pensei - cada vez que um velhinho sofre uma síncope. Raios partam os mirones!

Mas não, percebi depois, tal altercação desenhava vagamente os contornos de uma fila de espera. E quem entrava no estabelecimento, de resto tamanino, pouco se demorava e voltava à rua feliz, empunhando triunfalmente um sorvete lambido com ferocidade.

Ainda me ocorreu parar, encher-me de paciência, aguardar a minha vez... Mas logo sapateei as orelhas, era o que faltava, tanta maçada só por causa de um gelado! E abalei. Sem rumo e sem pressa em rumar.

Cá em baixo, quase à Madalena, dei de caras com ela na paragem. Sempre ela!, depois desse silêncio de lojas encerradas, muito já cobertas pelo véu espesso das teias de aranha.

(Porque será que os lisboetas ligam tão pouco à sua cidade? Apeteceu-me até mandá-los a Barcelos, à feira, ver o que aquilo é de galegos e outros forasteiros e de cores garridas. Enfim...).

Qual não foi o meu espanto, roía os últimos bocados de baunilha, os dedinhos muito esticados, a fugir do polegar e do indicador que brilhavam, escorriam creme.

Cumprimentámo-nos com a cerimónia do costume. Respondendo à curiosidade dos meus olhos, um telegrama apenas:

- Santini. Os melhores do mundo. Chocolate, baunilha, nozes, avelãs..

- Ah! Então é como em Itália?!

Não foi caso de engasganço, mas seguramente não esperava tanta sapiência. Com direito a suspensão do movimento maxilar.

- É, nunca vi lá melhor. E aqui... o Santini...

Pois, adiantei. Também na minha terra a Santinha (a nossa padeira) colectava um corredor de clientes das suas roscas de pão, depois da missa do meio-dia em S. Tiago de Gavião. Na sua furgonete, de porta alçada para a freguesia. Felizmente, as minhas irmãs dispunham-se a um lugar no compasso. Cá por mim, antes a broa de milho do que tanta seca...

Li uma fúria na sua expressão. Arrependi-me de não ter ficado calado. Porque nunca a ouvira dizer-se sem pachorra para esperar o eléctrico e marchar de seguida, sem um adeus sequer.