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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

A vida sob cangas (do medo)

João-Afonso Machado, 13.09.11

Eis o que na feira já se vende como artesanato apenas. Nem as gentes calçam socos nem o gado é encabeçado nas cangas. Artefactos do Passado. Bonitos, para recreio dos nossos olhos, peças de colecção.

Madeira, nos dias de hoje? Talvez em episódios comemorativos ou em lições de História em movimento.

Mas foi assim. Curiosamente porque, bois ou vacas, imperava o servilismo como se falassemos de escravatura. Ninguém os via investir, marrar, ameaçar sequer. Um couce que acertasse era uma mosca a enxotar, uma escorregadela de algum fugitivo. A canga calhava-lhes na pescoceira à medida certa. Atrás seguia o arado e um pau pelo lombo abaixo, entre berros e dichotes. Até ao triunfo das máquinas.

Esta, nos dias de hoje, a realidade aparente. Porque ainda há quem goste de se humilhar a si mesmo, às tantas pensando que se impõe. São os que se colocam a jeito da porrada que o Destino lhes acerta, mais tarde ou mais cedo.

 

Lei, vida, realidade

João-Afonso Machado, 13.09.11

Vão lá muitos anos. Uma mãe e dois filhos contactaram-me profissionalmente: o homem da casa, viciado no jogo, desbaratara já o património da família. Sobravam apenas as quotas numa sociedade entre marido e mulher, a proprietária do pequeno estabelecimento comercial que esta última geria e explorava. Depois disso... Em face das dívidas já contraídas, as perspectivas eram aterradoras e toda a urgência se concentrava na necessidade de colocar essas participações a salvo, vale dizer, transmiti-las aos descendentes. Face à situação, ainda foi possivel a outorga de uma procuração conferindo plenos poderes para a escritura de cessão. E, agendada esta, logo de manhã, no dia previsto, um telefonema, a notícia sinistra: o pai suicidara-se na véspera...

Nunca esqueci o episódio. Demasiadamente duro.

Hoje mesmo, li nos jornais: um outro dependente dos dramas da «fortuna e do azar» accionou judicialmente o Casino de Espinho. Porquê? Porque, consciente da sua fraqueza, da sua incapacidade de auto-controle, remeteu carta à Inspecção-Geral de Jogos pedindo fosse proibido de entrar nos casinos. Um momento de lucidez seu, um gesto digno, merecedor de seguimento conforme.

Determina a lei, em tais casos sejam os estabelecimentos de jogo notificados - como realmente foram - da sequente interdição. Mas a esses instantes de clarividência segue-se o vício. A pessoa em causa era conhecida no Casino de Espinho. Por variadas razões e pela sua fraqueza também. Gastava ali, diáriamente, entre 500 e 8.000 euros. Não obstante, jamais deixou de lhe ser franqueada a entrada no recanto da sua perdição.

Consumido e perseguido pelos credores, já possuido de ideias suicidas, o desgraçado intentou uma acção judicial contra o Casino. Pediu uma indemnização de 240.000 euros, aquilo que perdera em resultado de o deixarem dar rédea larga à tentação. O Tribunal ponderou. Repartiu culpas (as quais se presumem do incumpridor que não era ele) e acabou condenando o Casino em ressarcir o Autor do dano de cerca de 82.000 euros. Sopesando as suas responsabilidades, ou seja, considerando que a entrada no Casino também correspondia a um acto de vontade seu.

Fica a curiosidade na leitura do acordão, a sua fundamentação. Mas uma certeza permanece: nunca há um mau apenas.