Vão lá muitos anos. Uma mãe e dois filhos contactaram-me profissionalmente: o homem da casa, viciado no jogo, desbaratara já o património da família. Sobravam apenas as quotas numa sociedade entre marido e mulher, a proprietária do pequeno estabelecimento comercial que esta última geria e explorava. Depois disso... Em face das dívidas já contraídas, as perspectivas eram aterradoras e toda a urgência se concentrava na necessidade de colocar essas participações a salvo, vale dizer, transmiti-las aos descendentes. Face à situação, ainda foi possivel a outorga de uma procuração conferindo plenos poderes para a escritura de cessão. E, agendada esta, logo de manhã, no dia previsto, um telefonema, a notícia sinistra: o pai suicidara-se na véspera...
Nunca esqueci o episódio. Demasiadamente duro.
Hoje mesmo, li nos jornais: um outro dependente dos dramas da «fortuna e do azar» accionou judicialmente o Casino de Espinho. Porquê? Porque, consciente da sua fraqueza, da sua incapacidade de auto-controle, remeteu carta à Inspecção-Geral de Jogos pedindo fosse proibido de entrar nos casinos. Um momento de lucidez seu, um gesto digno, merecedor de seguimento conforme.
Determina a lei, em tais casos sejam os estabelecimentos de jogo notificados - como realmente foram - da sequente interdição. Mas a esses instantes de clarividência segue-se o vício. A pessoa em causa era conhecida no Casino de Espinho. Por variadas razões e pela sua fraqueza também. Gastava ali, diáriamente, entre 500 e 8.000 euros. Não obstante, jamais deixou de lhe ser franqueada a entrada no recanto da sua perdição.
Consumido e perseguido pelos credores, já possuido de ideias suicidas, o desgraçado intentou uma acção judicial contra o Casino. Pediu uma indemnização de 240.000 euros, aquilo que perdera em resultado de o deixarem dar rédea larga à tentação. O Tribunal ponderou. Repartiu culpas (as quais se presumem do incumpridor que não era ele) e acabou condenando o Casino em ressarcir o Autor do dano de cerca de 82.000 euros. Sopesando as suas responsabilidades, ou seja, considerando que a entrada no Casino também correspondia a um acto de vontade seu.
Fica a curiosidade na leitura do acordão, a sua fundamentação. Mas uma certeza permanece: nunca há um mau apenas.