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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

Sábado: vindimas

João-Afonso Machado, 10.09.11

Passou a ser uma fatalidade: todos os anos o Pai me mandava acompanhar a vindima de um caseiro e a contagem dos cestos: dois para ele, um para a casa. Com riscos de giz traçados no aro metálico das dornas, para ninguém se enganar. De manhã à noite durante três penosos dias.

Era ainda o tempo das ramadas e do vinho tinto. Os bebés e as crianças de colo acompanhavam a colheita postos numa manta, à sombra, a gente válida lançava as escadas entre os arames, em posição escolhida para alcançar o máximo possivel de cachos. Até descerem, novamente, avançando sempre, ramada adiante, horas a fio, um desespero de trique-triques das tesouras. Cá em baixo, os mais idosos apanhavam do solo os bagos que se desprendiam, tudo pesava, tudo valia. Ainda as calças eram coisa rara nas cachopas, e elas muito esticadas nos degraus, os dedos quase tocando um derradeiro gaipito. Pelo meio, o alarido:

- Então, oh Ser'António!, esses olhos para baixo que é onde estão os bagos! Olhe lá, vocemecê!...

E o velhote não se rendia sem duas brejeirices primeiro, os outros riam, era assim, estavamos quase no Outono mas o sol ainda se fazia sentir e as espigas de milho amareleciam nos campos bordejados pelas ramadas. Até porque as espreitadelas eram também a natureza, nada havia para além dos discretos e dos menos discretos...

Do Destino fazia ainda parte a merenda, pelo cair da tarde. As pataniscas, o naco de broa e as azeitonas, a malga branca que circulava de boca em boca, um tinto carregado, capaz de desentupir qualquer cano. Mas seria uma ofensa uma careta de quem o provasse. Quanto mais não o provar!

O entretenimento possivel, a empurrar as horas para diante, consistia em meter as cestas às costas e levá-las às balsas, mais um risco (mais quantos?) nos seus aros enferrujados.

Era assim.

Entretanto instalaram-se as vinhas e esqueceram-se as escadas, com os bardos ao nosso alcance, prenhes de uva branca. Tudo é mais fácil, sobretudo a digestão dos comeres e beberes da almoçarada. Mas ficou a saudade daquelas tardes quase outonais, cheias de cantares rurais e de moçoilas, desse tempo em que a chuva obedecia às regras e não chegava de véspera. Como hoje não aconteceu.

Longe vai a minha fúria contida ante as ordens do Pai. Não fora ele, não guardaria esta memória de um Minho simples, despoluido e descontraído.

 

O PS está em Braga

João-Afonso Machado, 10.09.11

É mesmo aqui ao lado, quase os ouvimos no pulpito, berrando as suas moções. Braga acolheu os nossos zapateritos para a reunião magna do Partido.

Os congressos, como toda a gente sabe, servem essencialmente para os interessados obterem um tempo de antena grátis, inquestionado e substancial. No fundo, e em bom rigor, para nada mais, sobretudo agora que as eleições internas se processam por votação directa. Vai daí, antecipadamente decorámos já a cartilha, quero dizer, as conclusões de tão importante evento: o PS, o maior partido da Oposição, está sempre, sempre ao lado do povo contra os tenebrosos propósitos neo-liberais do Governo; mais uma pitada de Estado Social e observância q. b. dos acordos com a Troika; e Liberdade, Igualdade e Fraternidade a gosto.

(Assim a vida nacional não pare mesmo e nos reste tempo e saúde - vida - para ainda assistirmos aos congressos do PSD, chegando a sua vez, e ouvirmos mais do mesmo, se possivel com menos fartura de Liberdade-Igualdade-Fraternidade e dispensa de avental).

De modo que a grande, sensacional, novidade proveniente de Braga é o bigodinho de Francisco Assis: estejam atentos, durante os noticiários televisivos. O último personagem histórico que conheço ter adoptado aquele modelo, muito rente ao nariz, chamava-se Adolfo e gozou os seus dias dourados já lá vai meio século. Também ele, à sua maneira, sonhou com uma união europeia, mas com capital decididamente em Berlim. Oxalá Assis, a verificar-se qualquer outra semelhança com Adolfo, defenda afincadamente a solução Amarante para centro do mundo.