Sábado: vindimas
Passou a ser uma fatalidade: todos os anos o Pai me mandava acompanhar a vindima de um caseiro e a contagem dos cestos: dois para ele, um para a casa. Com riscos de giz traçados no aro metálico das dornas, para ninguém se enganar. De manhã à noite durante três penosos dias.
Era ainda o tempo das ramadas e do vinho tinto. Os bebés e as crianças de colo acompanhavam a colheita postos numa manta, à sombra, a gente válida lançava as escadas entre os arames, em posição escolhida para alcançar o máximo possivel de cachos. Até descerem, novamente, avançando sempre, ramada adiante, horas a fio, um desespero de trique-triques das tesouras. Cá em baixo, os mais idosos apanhavam do solo os bagos que se desprendiam, tudo pesava, tudo valia. Ainda as calças eram coisa rara nas cachopas, e elas muito esticadas nos degraus, os dedos quase tocando um derradeiro gaipito. Pelo meio, o alarido:
- Então, oh Ser'António!, esses olhos para baixo que é onde estão os bagos! Olhe lá, vocemecê!...
E o velhote não se rendia sem duas brejeirices primeiro, os outros riam, era assim, estavamos quase no Outono mas o sol ainda se fazia sentir e as espigas de milho amareleciam nos campos bordejados pelas ramadas. Até porque as espreitadelas eram também a natureza, nada havia para além dos discretos e dos menos discretos...
Do Destino fazia ainda parte a merenda, pelo cair da tarde. As pataniscas, o naco de broa e as azeitonas, a malga branca que circulava de boca em boca, um tinto carregado, capaz de desentupir qualquer cano. Mas seria uma ofensa uma careta de quem o provasse. Quanto mais não o provar!
O entretenimento possivel, a empurrar as horas para diante, consistia em meter as cestas às costas e levá-las às balsas, mais um risco (mais quantos?) nos seus aros enferrujados.
Era assim.
Entretanto instalaram-se as vinhas e esqueceram-se as escadas, com os bardos ao nosso alcance, prenhes de uva branca. Tudo é mais fácil, sobretudo a digestão dos comeres e beberes da almoçarada. Mas ficou a saudade daquelas tardes quase outonais, cheias de cantares rurais e de moçoilas, desse tempo em que a chuva obedecia às regras e não chegava de véspera. Como hoje não aconteceu.
Longe vai a minha fúria contida ante as ordens do Pai. Não fora ele, não guardaria esta memória de um Minho simples, despoluido e descontraído.