Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

Passos Coelho - um desempenho com sinal +

João-Afonso Machado, 29.09.11

Talvez Cavaco Silva não seja um Presidente realmente popular. Talvez tenha ganho as eleições não porque fosse o melhor candidato mas porque todos os outros eram demasiadamente maus.

A provável indiferença que Cavaco suscita perante os portugueses é avaliável até por essas mostras de simpatia pela classe política regularmente vindas a lume nos jornais. Em uma recente, contra o que é costume, a figura de Pedro Passos Coelho avantajava-se em relação à do Presidente. Quer dizer: o Chefe do Executivo, sujeito ao dia-a-dia governamental - e que dia-a-dia, santo Deus! - sujeito a todo o expectável desgaste de imagem, ainda assim conseguia recolher mais admiração e respeito dos consultados do que o Chefe do Estado, usualmente na sua redoma, de onde só sai às vezes para alguma visita ou para qualquer, por regra tímida, intervenção discursiva.

De tudo realço apenas o lado positivo. Como um Chefe de Estado eleito nunca poderá representar a Nação, o lugar de Cavaco Silva torna-se, efectivamente, de importância assaz secundária. Já o 1º Ministro, Passos Coelho, todos sabem desempenha, no dificil momento actual, um papel crucial. E, perguntado sobre o desempenho do Governo, o insuspeito Prof. Daniel Bessa respondeu ontem assim: «estou muito satisfeito. Porque pôs termo a uma situação insustentável que se havia tornado um pesadelo».

É plausivel admitir que o segredo de Passos Coelho consiste em se manter, no trato, exactamente o oposto de José Sócrates.

Um minhoto na Capital

João-Afonso Machado, 29.09.11

- Não se terá enganado no eléctrico? Para um turista como você, é aquele, o encarnado!

O "encarnado"... Estavamos na Praça da Figueira, ainda no movimento e na alegria dos dias de Verão. De que ela parecia comungar, brincalhona, provocadora. Mirei-a, nada ressentido, mas sem uma palavra em troca. Num silêncio que lhe recomendava juizo, mesmo devido à sua insistência

(- Um turista! Afinal não é você um turista aqui em Lisboa?)

porque turistas são os camones e os bifes e essa vaga imensa de japoneses, mais os outros todos. Um minhoto não é um turista, quando muito é um suevo, um galaico, vá lá. Não chegou ontem, vindo não se sabe de onde, de passagem apenas...

Simplesmente, o Destino, as voltas da vida, trouxeram-me à Capital. Por quanto tempo, não sei nem me preocupa. O bastante para concretizar os meus objectivos. E não quis empoeirar a tarde comentando a Torre do Tombo e as minhas investigações sobre os frades jerónimos de Belém, no termo de Lisboa, mais o mosteiro românico que fora deles, mesmo a dois passos de Braga.

- Já pensou na quantidade de riqueza humana e de História com que deparamos, daqui até ao Castelo?

Não esperava esta minha saída. Embatucou. Talvez nunca lhe ocorresse esse sentido de vaguear pela cidade. Nem essa Belém, no termo de Lisboa, é claro.

Por alguma razão eu escolhera o Castelo para ponto de encontro das minhas ideias. Sempre fora gente da minha terra, auxiliada por uns tantos cruzados a caminho da Palestina, que o conquistara aos mouros e o transformara em Portugal. E do alto daquela primordial colina eu gozava a sobreposição de mundos no tempo, desde então até aos nossos dias. Até Benfica e Carnide, hortas e azinhagas, até o que já foi e o que ainda há-de ser. 

Um turista passeia, não procura um sentido para a vida nem se preocupa em deixar uma qualquer construção. Não, definitivamente, turista não.

E assim, entre meias frases e mutismos, passámos a Sé. Absteve-se de me perguntar em que me ocupava profissionalmente. Quanto a mim, pelo óbvio motivo de ter captado não ser a riqueza material preocupação minha.

O agitar dos seus saltos altos, um jeito ao penteado, anunciaram a proximidade do seu estaminé. Ia sair.

- Então adeus, até depois. E olhe, não deixe nem uma esquina da Costa do Castelo por historiar, 'tá bem?

Sorri. A pensar naquela infinidade de escadinhas todos os dias descidas, nas velhotas à janela, mais as suas gaiolas com pintassilgos. Acenei que sim e segui para S. Vicente. Não deixaria sem visita o Panteão Real, naturalmente. 

 

 

 

A "burricada" continua

João-Afonso Machado, 28.09.11

É a notícia do dia no Funchal. Uns tantos oposicionistas - dos mais intrépidos, certamente... - invadiram as instalações do Jornal da Madeira, onde há longas horas permanecem barricados. Não se trata de um avião desviado, mas é como se fosse - há exigências e ameaças; há reféns - presumivelmente, no ideário dos autores da façanha, o Poder administrativo da Região Autónoma. Esse mesmo que eles pretendem ver abatido.

Figura central do burburinho, o inefável José Manuel Coelho, agora militando com as cores do Partido Trabalhista Português (PNT). A seu lado, outras promessas políticas do Partido da Nova Democracia (PND) e do Partido dos Animais (PA). Em suma, a fina flor da Liga dos Últimos.

Porque a verdade é que nem o PCP nem o BE quiseram imiscuir-se na confusão. Só tinham a perder. O circo eleitoral, apesar de tudo, tem limites. Ninguém com um mínimo de senso adere ao grotesco. Ou mesmo ao saudosismo - longe vão os tempos em que os vereaneantes alugavam uns burros e partiam para uma jornada qualquer, de farnel à ilharga.

 

 

Do Padre Vasco Pinto de Magalhães, um grande Amigo

João-Afonso Machado, 28.09.11

Conheço-o há 33 anos. Vive nele, o dom da palavra. Como sempre confirmo, cada vez que me cruzo com as suas reflexões. Esta, por exemplo:

«Todos querem a paz, mas há muita gente que não se dispõe a fazer as pazes. Parece que não acreditam que duas pessoas zangadas ou um casal desavindo se possam reconciliar. Preferem afirmar posições. De facto, o orgulhoso não é inteligente! Se fosse inteligente, já teria percebido que a coisa mais humana é levantar-se dos seus erros e recomeçar cada dia. Não o tentar e agarrar-se aos seus direitos parece força, mas é fraqueza infantil».

(in Não Há Certezas, Há Caminhos)

 

Ribeira Quente

João-Afonso Machado, 28.09.11

Era o seu esforço final. Tranquilamente a ribeira chegava ao mar, nessa noite como em todas as outras, vinda de uma nascente de água quente, história de vulcões açoreanos.

Parámos no marulhar da corrente tímida, inofensiva. E foi um passeio ao longo do cais, onde só talvez faltasse alguém. Mas estavam lá a lua cheia, constelações de reflexos, o eterno sussurrar das ondas. Há quantas semanas? Quem diria?

Quem diria, hoje a revolta do oceano, a tempestade furiosa, o choro da povoação?

Na Ribeira Quente morreu há pouco um homem da pesca. Surpreendido em tal maré de vento e raiva.

 

Eleições na Madeira

João-Afonso Machado, 27.09.11

Alberto João Jardim, no Poder, é de uma longevidade salazarenta. Nunca esquecendo, claro, ter sido sempre regularmente eleito por uma confortável maioria do eleitorado madeirense. E 36 anos volvidos sobre a primeira vez, ei-lo pelas praças e estradas do Arquipélago a pedir o voto, hoje como sempre.

Faça-se, entretanto, um balanço da sua governação. Para concluir, talvez, que acima da desfaçatez de Alberto João, acima da sua arrogãncia ou da rudez ou truculência do seu verbo, ficou uma obra. A sua obra. A diferença que se patenteia nas estradas, nos equipamentos, num quotidiano que ninguém dirá agitado, perigoso, povoado de assimetrias.

Somente o tempo foi passando, os problemas candentes diferem dos de ontem, a idade não perdoa e a saúde ressente-se. AJJ já o percebeu mas a sua teimosia - algo muito característico dos anciãos... - impede-o de desistir. E o medo de perder exalta-lhe o discurso - pedindo "pancada" para quem "ofende o povo madeirense" (?!) - traz-lhe ao espírito alianças partidárias até então inimagináveis e, pressentindo a falta de solidariedade laranja do Continente, descobre uma "luta contra o Estado Central pelos direitos da Madeira".

Há em tudo isto dois aspectos curiosos, além de preocupantes.

O primeiro decorre da aparente dificuldade de AJJ para encontrar sucessor no PSD insular. Senão aproveitaria já esta campanha para o lançar.

O segundo consiste na pendular repetitividade da História. Salazar, Soares, Alegre, tantos mais - só à vassourada se afastaram ou afastam da ribalta política. AJJ está igual. É pena. Compreende-se que ele sofra já de reumatismo. Esperava-se recusasse integrar a "brigada do reumático".

 

"Duas noites"

João-Afonso Machado, 26.09.11

Duas noites acreditei e vivi

a ausência de sílabas nas palavras do teu corpo.

 

Duas noites fiei,

duas noites amei

os gestos da tua pele,

a expressão dos teus dedos,

a luz dos teus olhos cerrados

 

como se me lessem a alma

e não somente vivêssemos os minutos

em que eu soletrava um desejo imenso

de E-T-E-R-N-I-D-A-D-E.

 

O bisonte europeu

João-Afonso Machado, 26.09.11

Andavam por aí, em manadas, há coisa de 10.000 anos. A Humanidade, na sua sempre complicada relação com a Natureza, foi empurrando os bisontes Europa acima, acabando por os encurralar em algumas florestas da Polónia. Declarados em risco de extinção conseguiu-se a protecção adequada e a sua proliferação e expansão. De tal maneira que tornaram a Avintes, agora em cativeiro no Parque Biológico.

O bicho parecia manso. Bovinamente manso dos olhos e dos gestos, ruminando com a pachorra de uma vaca leiteira. Acreditei nele, estendi a mão a visar o seu focinho.

A sua transfiguração foi obra de uma instante. Aquela massa imensa sacudiu, abalou, quase destruiu a manjedoura. Senti-me preso no seu olhar gelado e ameaçador. Não fora a cerca, estaria absolutamente à sua mercê. Sem um mugido, a cabeça imensa meneando, a expressão dura e sempre fixa, diziam tudo o que se pode temer na vida: o medo que a própria besta sentia, a sua desconfiança e a sua raiva, a fúria de quem desconhece a liberdade e a única garantia que dali poderá chegar - a imprevisibilidade do animal selvagem.

 

Lontras

João-Afonso Machado, 25.09.11

Aconteceu há uns anos, no rio Vez, junto à vila dos Arcos. Numa manhã de pesca, com todo o mutismo e precauções inerentes. As trutas e os barbos e as bogas lêem as sombras, o estalar das ramagens, a pedrita que escorregou e caiu à água. Uma estátua por horas, um par de olhos fixo na corrente, nos sentidos, na ponteira da cana. De tal modo que a lontra não receou e surgiu.

Vinha encostada à minha margem. Rentinho às pedras, só dei por ela debaixo dos meus pés. Fossilizei. E gozei o espectáculo até à última - aquele nadar único, as rotações sobre si, a brincadeira contínua. A marotice da sua expressão, a graça dos movimentos. Já anteriormente me defrontara com outra, em Covelinhas, no Douro. Mas, sendo noite, não retivera essa imagem que é uma dádiva de que poucos se podem orgulhar - a lontra feliz no seu ambiente natural.

Ontem recordei-a em Avintes, num tanque, uma réplica, uma recriação do seu habitat. Não lhe topei tristeza, a angústia do cárcere. A lontra soube passar por cima das contingências. Não tem tudo mas dispõe do necessário. O «algo» é normalmente o bastante.

  

Pág. 1/5