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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

Um minhoto na Capital

João-Afonso Machado, 23.07.11

Tão recentemente instalado em Lisboa, ainda mal digerindo a sua constante agitação, desculpar-se-á o esquecimento: a narrativa das curiosas circunstâncias em que a conheci. Justamente nessa paragem do eléctrico, dois dias depois da minha chegada e do quarto (limpinho, muito limpinho) prontamente descoberto ali ao Campo das Cebolas.

Foi o tempo de um passeio no Jardim Zoológico. Com todos os matadores, excepto essa tolice do teleférico, onde volta e meia se fica imobilizado, à chuva e ao frio ou à torreira do sol, quando, em alternativa, não se arrisca um salto e uma perna partida ou uma cornada de búfalo. E que diferença, meu Deus!, a bicharada, as diversões - todo um mundo novo, inimaginável nos meus dez anitos. Porque nunca mais voltara ao Jardim Zoológico. Nem ao Castelo de S. Jorge e à sua abundância de pavões, onde decidi prosseguir a minha romagem ao Passado. Sofri então, em plena Rua Augusta, um súbito acesso de moleza, a visão do eléctrico logo ali... Era inverno, os dias curtos... Enfim, estaquei na paragem, vociferava ela a favor dos direitos dos animais.

Que era uma maldade, deviam proibir o cativeiro, as jaulas, as cercas, as gaiolas, essa imundice toda! Pobres bichos, tão mais dignos de liberdade do que a gente! E a amiga (só podia ser uma amiga) ouvindo-a, acenando "sim" com a cabeça, repetidamente acenando "sim", enquanto eu escorregava pela samarra dentro, a ver se a oração me passava ao lado.

Mas não. Ao dar pela minha presença, olhou com desprezo, os alentejanos são altos, tisnados pelo sol, crespos e patilhudos - deve ter pensado, ao reparar no meu cabelo branco, na minha barba ainda mais branca, na minha estatura meã. E, conforme temia, virou o discurso na minha direcção também.

Sucede que era linda. Lindíssima. Resplandescentemente bonita. Tanto que ainda agora sou incapaz de a descrever. E, assim sendo, não voltei as costas à sabatina, aliás quando principiava o capítulo dos assassinatos a tiro. Fácil de perceber na contundência de termos contra os matadores de cervos, muflões, javalis...

(Havia de ver quantos ficaram na última montaria em Tabuaço... - quase me fugiu pela boca fora. Que disparate!, logo me repreendi com severidade: queres espantar a caça ou quê? - usando este falar labrego, mas, diabos me levem!, beleza e elegância deste quilate, nem uma gazela, nem duas vezes na vida...).

De forma que fui ouvindo. Humildemente ouvindo, apenas. Com um olhar de pobre, titubeante, até o fixar - o olhar -  na sua carteira castanho-esverdeada, a tiracolo. A rebrilhar de escamas, sissiando no contacto com o casaco, serpenteante. É, é... Belo pedaço de jiboia, hã?! Uma pequena fortuna, em qualquer loja de acessórios femininos, na Baixa... Ou mesmo na estranja.

Ela percebeu. A sua argúcia condizia com a facilidade do seu verbo. E o eléctrico dobrara a curva, parou a um sinal meu. Dei-lhe a primazia nos degraus, enquanto aliviava o pescoço da gola de raposa da samarra. A viagem prosseguiu, o pêlo de mamífero muito junto do nariz da dona da pele de réptil. O eléctrico, essa tarde, ia a rebentar pelas costuras.

 

 

Às armas, cidadãos!?

João-Afonso Machado, 23.07.11

O Ministério da Administração Interna fez as contas e obteve os resultados: os colegas da tesouraria terão de lhe disponibilizar 200 milhões de euros só para assegurar o funcionamento da GNR e da PSP até ao fim do corrente ano. Ponto final

Trata-se dos fundos indispensáveis para aliviar a dívida acumulada e, sobretudo, para garantir o pagamento dos salários!

Mais precisamente, algo mais de 100 milhões de euros destinam-se a isso mesmo: à remuneração e aos suplementos atribuidos ao pessoal. Em cerca de 94 milhões se avolumam os créditos dos fornecedores, não pagos e vencidos já em 30 de Junho passado. Portanto, restará ainda acrescentar as despesas correntes - actuais - com bens e serviços: os cuidados de saúde com os membros daquelas corporações, a higiene e a limpeza dos seus quarteis ou esquadras, as refeições, as comunicações, o combustível para as viaturas...

De notar que, já há anos, os Santos Silva cá do nosso Tugal iam remendando o buraco com sucessivas alienações do património imobiliário das duas instituições. Acontece, porém, que este não é elástico e os tempos não correm de feição para o negócio...

A situação é, pois, esta. Precisamos urgentemente de 200 milhões de euros. Para nós próprios, para velar pela nossa segurança. Como? Não sei. Talvez à americana, liberalizando as licenças de uso e porte de armas de defesa. É receita firme nos cofres da Estado e será ainda algum desafogo na árdua vida dos agentes já quase com salários em atraso.