O último adeus não existe
Partimos para aí. Eu e os Pais. Querida Tia, raramente os vi tão abalados, porque há coisas que só acontecem nos jornais, em notícias longínquas, perdidas no mapa, a uns outros quaisquer que a gente nem concebe de carne e osso e alma.
E afinal... tudo nos acaba batendo melífluamente à porta, que é como quem diz, também sobre nós a falésia de súbito se desmorona.
Vamos nós e vai o Minho de lés-a-lés. Esse Minho que a Querida Tia convidava todos os anos para o Santo Amaro, para tantos jantares, almoços e mais festejos quantos a sua imaginação concebesse organizar no Enxido.
Terá consigo a Real Confraria. Não foi à toa que a elegemos a nosso única confrade, uma Senhora que rodeávamos de carinho, sempre presentes os muitos anos que caçou connosco acompanhando o Tio António, junto de quem já está, eternamente felizes os dois.
Sabemos antecipadamente, vão ser momentos de emoção. Mas nunca de desespero. Creio mesmo que dificilmente se poderá falar em saudades sentidas por quem esteja afastado, distante, inacessivel, silenciado. Não, Querida Tia, a sua alegria permanecerá sempre entre nós. Os seus viras, as suas chulas, o malhão. E as conversas. Dessas em que nos sentávamos a uma das muitas mesas postas no terreiro, pela milésima vez comentando a magia da sua sobrinha
(- Porque não me basta o nosso parentesco, eu quero mesmo é ser seu sobrinho a sério!),
dizia-lhe e tornava a dizer, e a Tia ria e repetia
- E eu que fazia tanto gosto nisso, João Afonso!),
esse magnetizante bruxedo sobre mim lançado há 23 anos quando tudo principiou num conhecimento, depois numa amizade cada vez mais próxima, mais parceira, mais cimentada (cimento?, qual cimento!, granito do nosso, digamos antes), e ainda hoje caminha rumo não sabemos aonde, mas a mau destino não é com certeza.
Enquanto não, Querida Tia, sobrevirão lágrimas. Efeitos da surpresa, ninguém esperava a mudança. Mas em nós ficará sempre a expectativa do próximo convite. Das inesquecíveis e inimitáveis papas de sarrabulho do Enxido. Do aperitivo na adega e das sessões de tiro aos pratos.
(Ah!, quase me esquecia, já mandei lavar o colete do Tio. Usei-o a semana passada, em Matosinhos - a espingarda até parece apontar e disparar sozinha. Bem haja, Querida Tia Nina, por tão grande honra).
E um beijo enorme. O beijo de sempre, sempre na certeza de que sempre nos mantemos em contacto.