A imagem ficou para a História. Uma entrevista antecipadamente combinada, dois jornalistas e dois gravadores, o princípio da conversa. Uma qualquer pergunta mais incómoda e o entrevistado a levantar-se, muito lampeiro, os ditos gravadores um em cada bolso das suas calças, porta fora naquele andar despachado de quem acaba de roubar os berlindes aos putos.
Assim a celebridade tomou conta do deputado socialista Ricardo Rodrigues. Per seculum seculorum.
O assunto foi encaminhado para as instâncias judiciais (os putos não se conformaram com o gamanço dos berlindes...) e o ilustre comensal da Casa da Democracia (deliciosos, estes designativos que se inventam por aí) viu-se acusado da prática do crime de atentado à liberdade de imprensa. Requereu a abertura de instrução, mas o juiz não foi em conversas - pronunciou-o. Aguarda-o agora o julgamento.
Questionado, então, sobre o sucedido, Ricardo Rodrigues (um jurista, creio) justificou-se: "presumo-me inocente até à decisão do tribunal".
Li, reli, e ainda agora estou sem conseguir acreditar. Ou, talvez, presumindo que sei ler - apenas presumindo.
Porque - incorrerei, eventualmente, em erro... - as presunções subsumem-se às relações entre os sujeitos e a Justiça. A esta (ou, vá lá, à Sociedade que visa ordenar e tutelar) compete, realmente, estabelecer, a favor ou contra, presunções de inocência ou de culpa, a ilidir, ou não, uma vez averiguada a factualidade ocorrida.
O deputado Ricardo Rodrigues não é um diploma legal avulso ou codificador. Não tem de se presumir; tem de se definir, de acordo com os ditâmes da sua consciência. A não ser que esta, dado o avançado da hora, ou os vagares do seu carácter, não haja ainda lobrigado - perante si mesma - se agiu bem ou mal.
O que é perturbante: tal consciência tem voz, repito, na Casa da Democracia portuguesa. E fala e decide por nós.