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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

Um minhoto na Capital

João-Afonso Machado, 29.07.11

E, de repente, foi um espirro monumental, quase capaz de descarrilar o eléctrico. Em boa verdade, com uma generosa carga de perdigotos para cima de mim. Sorri resignadamente e obtive em troca um pedido de desculpas.

- Por nada, deve ter sido da pimenta...

- Da pimenta?!,

sobressaltou-se, agora curiosa, finalmente espontânea. Tive de lhe explicar tudo. A gola da samarra perdia pêlo, quando a comprei - na Feira da Ladra, sei lá há quantos anos, no tempo em que os meus primos citadinos me convenciam a Feira da Ladra era o centro de negócios da malta do gamanço. Era eu miúdo, evidentemente...

Abismada, prestes a entrar em colapso - mas porquê?, interrogava-me, admitindo já ter asneirado - num arrepio de cima a baixo, a menina (sim, casada não devia ser) não conseguia acreditar, quase não articulava palavras:

- Então a samarra...

Claro, a samarra, em segunda mão, custara-me 50$00, incluindo um isqueiro a gaz num dos seus bolsos... E, toda ela palidez, vi-a recuar para onde não havia espaço de recuo, a boca num esgar pavoroso... Tentei tranquilizá-la:

- Mas depois foram mais 800$00 em duas lavagens a seco. E a pimenta, só lhe digo, é como cola no pelame da raposa. Volta e meia, à cautela, mais uma dose...

Saíra muita gente, entretanto, numa paragem ali para os lados da Sé. Razão porque se foi encaminhando para a traseira do eléctrico e eu na peugada, a fugir também da marabunta, em busca de um bocado de ar mais respirável. E tentando sempre lhe abrissem alas, coitada, tal a sua pressa.

- E a gola ficou óptima, não acha?

- Acho, acho...,

enquanto numa aflição se pendurava no correame da campaínha.

- Fico nesta paragem...

- Então, menina, até amanhã!...

- Até amanhã...

Um "até amanhã" que se me guardou na alma até hoje. Mesmo dito assim apressadamente, à saída do eléctrico, algures em Lisboa, sob os rigores do inverno.

(- Isto aqui é a Graça,

disse-me não sei quem quando, por fim, alcancei ser já noite.)

 

Na hora de prestar contas

João-Afonso Machado, 29.07.11

«Menos dinheiro, mais História" - este um curioso título na edição de hoje do JN. Com a notícia a explicar, logo depois, que afinal  não foram dez, mas sim 8,5 milhões de euros dispendidos, o ano transacto, nas comemorações do centenário da República.

Uma verba óbvia, acessivel e compatível com o grau de riqueza da maioria dos portugueses...

Mas vamos ao importante. Há aspectos parcelares realmente até à data desconhecidos e do maior significado. Então:

- As seis (6!!!) exposições alusivas levadas a cabo por todo o País absorveram 59,2% do mencionado dispêndio. Total dos visitantes dos mencionados certames: 228.478 pessoas - menos do que a população da Amadora...

- Na edição de diversas publicações sobre o tema escoaram-se 5,3% desses famigerados milhões. Como se intitulavam elas? Quem as leu? Nas mãos de quem estão esses «principais legados da iniciativa»?

- Sobreleva-se o «envolvimento massivo das autarquias». Pessoalmente, de quase nada me apercebi. Salvo de algumas corajosas e pedagógicas realizações de Escolas Secundárias, onde se confrontaram em debate convidados monárquicos e republicanos. (Fui, de resto, participante, como defensor do lado de cá). Com manifesta vantagem de argumentos e adesão do público relativamente à Instituição Real.

- O relatório conclui pela valia do aprofundamento do estudo dos antecedentes da I República e das «primeiras revoltas contra a ditadura do Estado Novo». Neste ponto, se calhar não apresento discordâncias - a República passou 48 dos seus 100 anos a lutar consigo mesmo.

 

 

Daqui para a frente tudo será diferente

João-Afonso Machado, 28.07.11

A primeira reunião de António José Seguro, como secretário-geral do PS, com o seu grupo parlamentar já tem lugar na História Universal da luta contra o abstencionismo.

À sua chegada esperava-o uma legião de jornalistas. Seguro explicou ao que ia. Um longo e árduo caminho esperava o PS, principal oposicionista, na sua luta pela Democracia e por Portugal contra o Governo...

- Concretamente, Dr. Seguro?...

insistiram os repórteres.

- Concretamente,

respondeu Seguro, sempre formoso,

- ... recomendarei aos deputados da nossa bancada que não façam promessas que não possam concretizar.

Bravo!!! Só alguns milhões de portugueses se haviam já lembrado de tal!

 

"De uma Família de Mareantes"

João-Afonso Machado, 27.07.11

A história da família Nazareth contada a partir de finais do século XVI, quando os Abreus se instalaram na antiga vila da Pederneira, actual Nazaré, sede de um dos concelhos dos Coutos de Alcobaça. As suas ligações com as estirpes locais de mareantes e comerciantes, o predomínio, assegurado ao longo de várias gerações, sobre a Real Confraria de Nossa Senhora da Nazaré.

Na hora do chamado "miguelismo", a figura marcante, também, do Bispo de Coimbra,  D. Frei Joaquim de Nossa Senhora da Nazareth, partidário fidelíssimo do Rei legitimista. Depois, a derrota, a ida para Souselas (Coimbra), onde ainda hoje a Família mantém casa.

Enfim, toda a descendência do  patriarca José Maria de Oliveira Nazareth.

Com prefácio do Mestre Pedro Penteado (FLUL).

Um trabalho por acaso da minha autoria.

 

 

Chamemos-lhe férias

João-Afonso Machado, 27.07.11

Correm os derradeiros dias nesta aragem enganadora. O Agosto grandioso está aí, a ilusão das férias também, mas não para muitos, decerto para cada vez menos. Não se vislumbra descanso à nossa volta, nem mesmo connosco, em espírito, cá dentro de nós. O medo tomou conta do Verão. A visão agoirenta de um Outono fatal.

Resta-nos o breve consolo da praia. Ou do campo, da serra, de um refúgio qualquer. Algum espaço de paz. Um ponto no mapa ainda por descobrir.

Um pouco que poderá ser tanto... Mesmo se não desigual ao vivido todos os anos, a duna, a draga, a baía... Agora, sobretudo, o areal e a maré baixa, um dedo escrevendo desde o cais até Salir um desejo imenso, uma fé viva, segurando à rédea curta tantas hesitações. Eu até podia estar a falar de Portugal, da minha condição de português, de quantas ameaças pairam sobre o seu e nosso Futuro. Mas, por acaso, penso somente em encontrar-me com a solidão. Em rabiscar, ao longo da areia molhada, um nome, uma promessa, uma esperança, uma luta inteira em silêncio.

A outra, a do quotidiano, desculpar-me-á o intervalo até Setembro.

 

À F...

João-Afonso Machado, 27.07.11

Há na minha vida um vulto fora do alcance. Depois de o ter comigo a dizê-lo desperdício, talvez. Um dia... Vejam-no já longe, quase uma ameaça de nuvem. Vejam-no como ainda não perdi a esperança de o trazer de volta. Vejam-no. E sigam-me, coração e pulmões, dêem o que ainda vos sobra. Tragam-me os beijos, os gestos, os serões, as noites sem fim, as manhãs sustidas no tempo. Tragam-me todas as palavras que eu não soube dizer mais a vergasta que há de calar os ditos da minha injustiça. Tragam-me ela. Ou morram para aí, imprestáveis e insepultos. Porque sem ela, sem a obra finalmente conseguida e reconhecida - não quero que voltem. Agora - vão!!!

 

Fugir? - não!

João-Afonso Machado, 26.07.11

Elas não somem, as palavras escritas ou as imagens gravadas. Jamais! Por muito que a história seja recontada, adulterada. Por muito que se fuja para muito longe. Elas ficam, as palavras e as imagens, no preciso lugar onde foram deixadas. No exacto sentido em que as proferiram ou ofereceram, indiferentes à calúnia e ao descompromisso. Nesse mesmo instante do qual não me afasto.

Sem rimas, sem contornos musicados de improviso. Na evidente crueza da fidelidade renegada, sempre à margem do medo. Ciente do logro mas, ainda assim, rejeitando partir. À vista de todos, como as palavras escritas e as imagens gravadas, agora esquecidas.

É, o mundo é prenhe de esconderijos. Viva-se a vida, quem o queira, saltando de um para o outro. Mas as palavras e as imagens permanecem comigo, sem outra interpretação além do corpo, tantas vezes estreitado nos meus braços, e da alma que foi e afinal morreu.

(Entre ilusões e desilusões, os dias correm, quiçá perante outras visões. Amanhã, do lado oposto ao sol poente.)

 

A tragédia norueguesa

João-Afonso Machado, 24.07.11

A comparação entre a carnificina de Oslo e o atentado de Oklahoma (1995) é decerto o instrumento ideal para concluir que - ou não navegássemos em águas tão frias... - apenas visionamos ainda a ponta do iceberg.

Timothy McVeigh liderava um grupo político armado. Os EUA nasceram de pistolas na mão e assim cresceram e vivem. Está-lhes no sangue, e o seu território é suficientemente amplo para que toda a loucura nele guardada treine e aperfeiçoe à vontade a arte do tiro.

Não assim na Noruega, considerado o mais pacífico país. Os seus fiordes não deixariam de denunciar, prontamente, os ecos alarmantes de qualquer actividade para-militar e ilegal.

Lembremo-nos, no entanto, que a esmagadora maioria das vítimas caiu às balas de Anders Behring Breivir, o homicida confesso. Um empresário agrícola, pretensamente um fanático religioso, xenófobo, ideológicamente posicionado na extrema-direita... Tudo muito vago. Tudo muito apressado, talvez.

Para além de algumas questões logisticas óbvias - e por isso não ocultadas - implicando a fatal existência de cumplices, o facto principal é este: o assassino esteve quase uma hora a disparar uma metralhadora. Matando sempre, nunca se cansando de matar. O que supõe, para além desse sinistro propósito sanguinário, um grau de preparação psicológica que indiciará algo mais do que loucura; e o saber manejar a arma, uma arma de guerra que não se adquire, transporta e utiliza assim como uma bicicleta qualquer.

Dois aspectos mais, a terminar: as organizações islamitas já apelaram a que ninguém, de entre os seus, reclame os atentados. Porquê? E Anders B. Breivir, em tempos vigiado pela polícia norueguesa, foi então considerado inofensivo. Arrisca agora uma pena máxima de 21 anos de prisão - regressará à liberdade ainda a meio dos cinquentas. Assusta, não assusta? Mas a lei, por defenição, tem carácter geral e abstracto; e não dispõe de eficácia retroactiva...

 

O Seguro morre de velho

João-Afonso Machado, 24.07.11

A vitória eleitoral de António José Seguro era mais do que previsível: era certa. Pela simples e incontornável razão de que Seguro não arrisca. É olhá-lo, ouvi-lo, observá-lo e concluir o óbvio.

Há já muito tempo adivinhara a queda socrática no precipício. Afastou-se então, para terrenos mais consistentes. Foi aparecendo o menos possivel, dizendo apenas o indispensável e, evidentemente, preparando as estruturas locais do PS para depois do desastre.

Ressurgiu ainda Sócrates não esfriara na urna dos votos. No mais conseguido estilo socialista: o fatinho à medida, o discurso redondo com pretensões a didactismo, a sobrancelha arqueada ao peso dos seus rigores éticos. E um tratado imenso, lido e explicado aos portugueses, sobre a revelação dos segredos e mistérios democráticos.

Francisco Assis é o oposto de Seguro e por isso estava condenado a perder. Invariávelmente sem tempo para compor o nó da gravata e barbear-se convenientemente, com os argumentos e as palavras na ponta da lingua, nem mesmo a sua derrota eleitoral na Câmara do Porto o ajudou a entender que será sempre carne para canhão. Um oportuno chefe de grupo parlamentar. Ou um comicieiro destemido, homem que se envia a Felgueiras, onde perdeu os óculos e quase perdia a pele às mãos dos apoiantes de Fátima.

Enfim, dois vultos diametralmente opostos. Onde num reside o calculismo e a rejeição do improviso, no outro vive plenamente a espontaneidade. A grande questão estará em saber qual o menos prejudicial à acção governativa, infeliz mas necessáriamente impopular. A consciência civica de Seguro estar-lhe-á sempre na oratória. E nas decisões e nos actos?

 

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