Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

Coisas que se aprendem

João-Afonso Machado, 29.05.11

Compreendem-se os seus olhos de tristeza resignada. Galgos irlandeses, nascidos num verde verdadeiro, tão mais sinceramente verde do que o pedaço de relva onda agora os acorrentaram.

Como esperar não chorassem?

Mas... resignados porquê?

Um passar de mãos naqueles focinhos encarcerados foi um instante de esperança, o cheiro inesquecível da liberdade de outros cães correndo entre prados e matagais.

Revoltai-vos galgos! Talvez os vossos olhos não abandonem a melancolia já amanhã. Talvez custe e doa. A vida é uma luta, uma conquista permanente, se não quisermos seja a derrota total. Tempos virão em que no lugar do dono estará convosco, embora bípede, um familiar.

Com os seus desgostos, decerto. Mas na plenitude da força das suas ideias. Sabendo muito bem com quem pode contar: com os seus galgos, é claro.

 

Nota dominical

João-Afonso Machado, 29.05.11

Assim gosto! Manuela Ferreira Leite - uma Senhora - ontem em comício, sem papas na língua: «que me desculpe o Pedro Passos Coelho mas eu ando à procura da saída do Eng. Sócrates de 1º Ministro».

Uma figura de proa do mundo partidário não preocupada em expressar-se em "políticamente correcto" merece sempre a maior consideração.

E o problema nacional não está tanto no PS quanto num José Sócrates deturpador, intriguista, despudorado e femininamente vingativo.

A propósito, ontem foi a Vila do Conde. Começou bem, no tonitruante número do abraço de Fábio Coentrão; acabou mal, ovacionado à despedida com dois ovos sobre o tejadilho do carro.

O Portugal político tem disto. Hoje há mais circo. E pão parece que também. Ainda.

Tantos foram os incrédulos

João-Afonso Machado, 28.05.11

Quando o genial Edgar Cardoso apresentou o seu projecto para a nova ponte, não faltou quem vaticinasse a catástrofe. Aquele arco lançado sobre o rio, sem um apoio, qual mola de amortecedor, não resistiria. A ponte jamais chegaria a ser ponte, alvitravam os mais conhecedores... De modo que, em 1963, aquando da colocação da secção central, tripeiros e gaienses amontoaram-se nas margens, a uma distância prudente, de binóculos em punho, a máquina fotográfica em riste, para assistir ao desastre, nada do apocalipse ficasse por registar. Um pouco à semelhança do sucedido, uns séculos antes, com a célebre abóbada da Batalha.

Tudo correu bem, ninguém morreu e a terceira ponte (em antiguidade) do Porto foi o princípio da auto-estrada voltada a sul - essa sim, uma ponte complicadíssima, só concluida trinta anos depois...

Edgar Cardoso ainda riscaria a também magnífica Ponte de S. João, substituta da velhinha D. Maria, uma autêntica pista ferroviária sobre o rio. Era, então, já octogenário!

Mas aqui da Arrábida há paisagem para todos os gostos. A montante, as cidades que o Douro congrega: o Porto e Gaia; opostamente, a foz, as embarcações e as gentes piscatórias da Afurada - a vastidão, o mar e o céu, notícias e ecos da tempestade.

 

A 28 de Maio

João-Afonso Machado, 28.05.11

«Portugueses:

Para homens de dignidade e de honra, a situação política do País é inadmissível.

Vergado sob a acção de uma minoria devassa e tirânica, a Nação, envergonhada, sente-se morrer.

Eu, por mim, revolto-me abertamente.

E os homens de valor, de coragem e de dignidade que venham ter comigo, com as armas nas mãos, se quiserem comigo vencer ou morrer.

Às armas, Portugal!

Portugal, às armas, pela Liberdade e pela Honra de Portugal.

Às armas, Portugal!».

 

Esta não é uma proclamação recente, da autoria de um Otelo ou de umas Brigadas Revolucionárias quaisquer. Data de 1926 e o seu teor expressa bem a coboiada que foi a I República. Com ela o Marechal Gomes da Costa deu início à chamada Revolução Nacional, com princípio em Braga - que delirantemente a aplaudiu, como o Porto também e o resto do País, cansado de golpes, contra-golpes, politiquices, corrupção e fome.

E a Revolução atravessou pacíficamente Portugal e foi instalar-se em Lisboa, onde se demorou 48 anos. Tantos quantos viveu a II República. A mais longeva filha da República-mãe.

O preço da extinção da "ditadura das ruas" foi elevado. A II República surgiu muito autocrática, impondo o silêncio a toda a gente. Refinou a actuação da polícia política, perseguiu, prendeu, torturou. Actualmente, é de tal modo execrada que os próprios republicanos a renegam. Esquecendo que, na tirada final dos seus dias, os propósitos liberalizantes de alguns foram aparados cerces pela facção mais ortodoxa, encabeçada pelo Presidente Almirante Américo Tomaz.

O que será a IV República ainda não sabemos. Sabemos apenas que os mais entusiastas da actual, a III, gastaram 10 milhões de euros a comemorar o fim da Monarquia.

Quando o País, de Norte a Sul, já era, como é, literalmente, uma casa de penhores!

 

 

Anos 70

João-Afonso Machado, 28.05.11

«Principiava-se, de ordinário, com o timbre cavo de Barry White e evoluia-se na "soul music" - Temptations, Isaac Hayes, Four Tops, George MacRae... Depois - Suzie Four, Slade, Eric Clapton, Rolling Stones, quando não Doors. Os bailes do Liceu de Famalicão tinham nível (...). Os mocetões da redondezas afluiam, em peso, ostentando as mais aperaltadas toilletes. E que toilletes, meu Deus!

Cavalgando uns sapatões de saltos altos que, se o bom-senso ainda fosse algum, desmedidas bocas-de-sino ocultavam quase raspando no chão; quando não, depois das calças, um tacão ai de palmo e a sola compacta, de pouco menos, como se os pés poisassem nuns patins disformes, ruidosos, desprovidos de rodas. Antes um par de andas! De bolsos, nem vestígios, salvo uma pequena ranhura onde cabiam algumas moedas ou notas dobradas em quatro. As camisas ostentavam colarinhos ináuditos, caprichosamente arredondados, pelo tórax abaixo, parecendo peitorais de uma armadura, e os pull-over's tinham decotes semi-circulares - sim, falo de indumentária masculina! - e não iam abaixo do umbigo. Sobre o conjunto, um casaco tipo blazer, acolchoado nos ombros e curto, deixando o rabo mal tapado, e, obviamente, incapaz de suster os tais colarinhos que se agitavam como asas de gaivota. As cabeleiras usavam-se escorridas, até às costas, e a pose completava-se com um certo ar gingão e as mãos ajeitando as melenas de volta do pescoço».

 

(in Famalicão - Recordações de uma Vila, ed. Circulo de Cultura Famalicence, 2004)

 

Na alvorada de mais um dia de campanha

João-Afonso Machado, 27.05.11

Ainda baila nos olhos da multidão a imaculada aparição de Louçã a amanhar um peixe-espada. Portas está com um problemazito de herpes labial. Continua por anunciar a posição oficial dos Verdes, ecologistas, face às poluentes descargas de tinta nas escadarias da Universidade coimbrã: a CDU vacilará? E, em entrevista de ócio à Renascença, Passos Coelho exumou a questão do aborto - já no exterior, penhoradíssimo, Sócrates abraçou-o e soltou o seu proverbial "porreiro, pá!".

Assim vai a campanha eleitoral.

A indecisa esmagadora maioria dos portugueses protesta, cansada de não ter por onde decidir. De permeio, manifesta o seu desagrado face à governação socialista, mais Vader agredido, menos megafone estilhaçado. Mas quem não saltar de felicidade, quem protestar, é fascista. João Soares, a noite passada em Faro, uma fera, um paladino da Liberdade.

Em crónica recente, Manuel Falcão invoca os 3 D's que nortearam o magistério socrático: Desemprego, Dívida e Descalabro. Excelentemente sintetizado. E acalenta a esperança de Hollywood lançar mãos à obra, como quem diz, a uma mega produção sobre Portugal. Com Sócrates em vez de Cleópatra, penso eu.

 

A gente está sempre a aprender

João-Afonso Machado, 27.05.11

Bela vivenda, sim senhor! Há uma parecida na minha terra, assim côr-de-rosa, mas muito mais pequena, claro, e falta-lhe o arvoredo. Além de que esta tem vista para o mar e transportes públicos à porta...

Um parzinho namorava na relva, perto de mim. Talvez se disponibilizasse para satisfazer a minha curiosidade. Pedi desculpa e inquiri.

- Isso aí? É o Palácio de Belém.

E sufocou-se num beijo enorme, de quem esgotou o repertório de informações. Afastei-me. Um palácio! Sempre ouvira dizer, palácios pertenciam ao passado, às monarquias... Mas este até tem uns guardas empenachados ao portão, de espadas em punho... Já sei! É uma embaixada. Da Etiópia, possivelmente. Não, está ali a bandeira: do Gana ou dos Camarões. À grande e à francesa, estes africanos... Mas sempre a queixarem-se.

Ainda sem certezas, abordei um cavalheiro, já de idade e sem namorada. Com tempo. Então que embaixada era aquela?

- Embaixada? A sede da Presidência da República, diga antes!

Embasbaquei. Mas a República não vive tirando aos ricos para dar aos pobres? E alapa-se assim, toda luxo e requinte, ele é só Mercedes a entrar e a sair... O ancião sorria.

- Para dar aos pobres? Meu jovem amigo, pureza a sua... Olhe, dali, a aproveitar ao povo (pagando bilhete, evidentemente), só o Museu Nacional dos Coches. Aliás, fundado pela Rainha D. Amélia, como Museu dos Coches Reais... Mas desde 1911, quando eles se instalaram...

- "Eles", quem?,

quis saber, já completamente baralhado na História.

- Eles, os Presidentes da República. Ou o meu amigo julga que esta gente não gosta do bem bom?

Bela vivenda, perdão, palácio, sem dúvida. Com vista para o mar e guardas perfilados ao portão. De repente apeteceu-me ser Presidente. E, numa derradeira interrogação ao simpático velhinho:

- E o que fazer para chegar a Presidente?

- Para chegar a Presidente? Oh oh oh!!! Talvez jogar todas as semanas no euromilhões. E, ganhando, comprar o Palácio de Belém.

 

Será equívoco?

João-Afonso Machado, 26.05.11

- How do you do, Mr. Anderson?

avançava eu, já quase a estender a mão. Um clarão de luz susteve, porém, a gaffe. Não, o tempo não permanece estático, como as capas dos discos de vinil. Ian Anderson pertence à minha juventude e ao que dela mantenho e tenciono conservar. Os Jethro Tull deixaram de editar, nem mesmo sei se ainda tocam. Quando muito, eis-me perante um neto do grande Ian, talvez o mais velho. O seu sucessor naquela genial arte da flauta transversal.

Embora o rapaz empunhe a gaita-de-foles... E está em Compostela, o malandro! Fugiu de Stonehenge! Em que Heavy Horses? Too Old to Rock & Roll Too Young to Die, será? Pernas para que vos quero Songs From the Wood! Bardo fajuto! This Was, pronto!

Mas depois reparei no ar triste do siberiano, atrelado ao portal, nem por isso apreciador da melodia. Encolhido, quase a pedir um trenó, antes a corrida, as patas enterradas na neve. E percebi, enfim. Estava ali um refugiado político, um monárquico exilado em uma das maiores capitais da Fé protectora.

E, obviamente, deixei-o sossegado e incógnito. Retirei-me discretamente, certo de que encarara, a meia dúzia de metros, um descendente de Nicolau II.

No regresso do passeio ele desaparecera. Qualquer dia encontro-o em Braga. Aposto!

 

 

Os "Bolinhas", antigos "carros de praça"

João-Afonso Machado, 26.05.11

«O Sr. Lopes, um nariz maior do que um repolho sanguíneo, como um tomate maduro, reformara-se já de "chofer de praça". Deixara há muito o seu Austin A40 (um "Bolinhas"), onde, quantas vezes, transportara a minha avó, a minha tia, a minha mãe - e eu com elas -, e sustentava a velhice a vender carrascão e nicotina aos da sua idade e à ganapada. Sobretudo aos de mesada mais comprimida. Um dia reconheceu-me, neto da minha avó, sempre minha, e alto e bom som proclamou este seu achado. Que não, redargui, "está enganado". (Apressei o pagamento dos dois cigarritos que comprara). - "É, é" - teimava o Sr. Lopes. - "Não sou, não sou" - insistia eu. Sim, sim; não, não, - até que disparei pela porta fora, ávido de sol e envergonhado como S. Pedro. Porque, como ele a Cristo, repetidamente renegara, tal o medo de uma denúncia por fumar, a avó com que o Senhor fora servido agraciar-me».

 

(in Famalicão - Recordações de uma Vila, ed. Círculo de Cultura Famalicence)

 

O filme e a "espiga"

João-Afonso Machado, 26.05.11

O circuito é sempre o mesmo: principia na Internet, curva nos jornais e acelera na vasta recta das televisões, até voltar a passar pela zona das redes sociais e dos blogs. De onde eu relato agora.

As imagens da jovem de 14 anos a ser agredida - a pontapé, arrastada no chão pelos cabelos - são de arrepiar. Aquela sova inquestionávelmente deixará marcas para toda a sua vida.

O ódio e a crueldade das que lhe bateram e dos mais, rindo e comentando enquanto fotografavam, é a outra faceta deste apocalíptico percurso.

Mas será desnecessário prosseguirmos nos caminhos do notório (e público): a selvajaria campeia. Entre "meninas" também.

Uma testemunha do sucedido - cinco pêlos sobre o beiço, outros tantos no queixo, o eterno boné de pala, comentava alvarmente perante as câmaras: «filma-se para mostrar depois; a maior espiga foi pôrem na Internet»!...

Pois, não fora esse percalço...

E do lado de quem são expectáveis providências adequadas?

A resposta é simples: os Tribunais de Família e Menores, intervindo numa das mais sensiveis áreas do Direito, são o que são - encurtando razões, de uma impreparação confrangedora; o Ministério Público, já veio esclarecer, não dispõe de meios para detectar crimes divulgados pelas redes sociais; o legislador é brando, excessivamente brando, e tortuoso na tramitação processual por si congeminada; e as instituições de integração social espantosamente irresponsáveis.

Contas feitas, não faltarão atenuantes ou obstáculos à realização de justiça. Conforme-se a vítima com o previlégio de ter sobrevivido - sem sequelas físicas.

E até ao próximo "caso", então. O assunto do dia amanhã já será outro, com certeza.