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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

Tantos foram os incrédulos

João-Afonso Machado, 28.05.11

Quando o genial Edgar Cardoso apresentou o seu projecto para a nova ponte, não faltou quem vaticinasse a catástrofe. Aquele arco lançado sobre o rio, sem um apoio, qual mola de amortecedor, não resistiria. A ponte jamais chegaria a ser ponte, alvitravam os mais conhecedores... De modo que, em 1963, aquando da colocação da secção central, tripeiros e gaienses amontoaram-se nas margens, a uma distância prudente, de binóculos em punho, a máquina fotográfica em riste, para assistir ao desastre, nada do apocalipse ficasse por registar. Um pouco à semelhança do sucedido, uns séculos antes, com a célebre abóbada da Batalha.

Tudo correu bem, ninguém morreu e a terceira ponte (em antiguidade) do Porto foi o princípio da auto-estrada voltada a sul - essa sim, uma ponte complicadíssima, só concluida trinta anos depois...

Edgar Cardoso ainda riscaria a também magnífica Ponte de S. João, substituta da velhinha D. Maria, uma autêntica pista ferroviária sobre o rio. Era, então, já octogenário!

Mas aqui da Arrábida há paisagem para todos os gostos. A montante, as cidades que o Douro congrega: o Porto e Gaia; opostamente, a foz, as embarcações e as gentes piscatórias da Afurada - a vastidão, o mar e o céu, notícias e ecos da tempestade.

 

A 28 de Maio

João-Afonso Machado, 28.05.11

«Portugueses:

Para homens de dignidade e de honra, a situação política do País é inadmissível.

Vergado sob a acção de uma minoria devassa e tirânica, a Nação, envergonhada, sente-se morrer.

Eu, por mim, revolto-me abertamente.

E os homens de valor, de coragem e de dignidade que venham ter comigo, com as armas nas mãos, se quiserem comigo vencer ou morrer.

Às armas, Portugal!

Portugal, às armas, pela Liberdade e pela Honra de Portugal.

Às armas, Portugal!».

 

Esta não é uma proclamação recente, da autoria de um Otelo ou de umas Brigadas Revolucionárias quaisquer. Data de 1926 e o seu teor expressa bem a coboiada que foi a I República. Com ela o Marechal Gomes da Costa deu início à chamada Revolução Nacional, com princípio em Braga - que delirantemente a aplaudiu, como o Porto também e o resto do País, cansado de golpes, contra-golpes, politiquices, corrupção e fome.

E a Revolução atravessou pacíficamente Portugal e foi instalar-se em Lisboa, onde se demorou 48 anos. Tantos quantos viveu a II República. A mais longeva filha da República-mãe.

O preço da extinção da "ditadura das ruas" foi elevado. A II República surgiu muito autocrática, impondo o silêncio a toda a gente. Refinou a actuação da polícia política, perseguiu, prendeu, torturou. Actualmente, é de tal modo execrada que os próprios republicanos a renegam. Esquecendo que, na tirada final dos seus dias, os propósitos liberalizantes de alguns foram aparados cerces pela facção mais ortodoxa, encabeçada pelo Presidente Almirante Américo Tomaz.

O que será a IV República ainda não sabemos. Sabemos apenas que os mais entusiastas da actual, a III, gastaram 10 milhões de euros a comemorar o fim da Monarquia.

Quando o País, de Norte a Sul, já era, como é, literalmente, uma casa de penhores!

 

 

Anos 70

João-Afonso Machado, 28.05.11

«Principiava-se, de ordinário, com o timbre cavo de Barry White e evoluia-se na "soul music" - Temptations, Isaac Hayes, Four Tops, George MacRae... Depois - Suzie Four, Slade, Eric Clapton, Rolling Stones, quando não Doors. Os bailes do Liceu de Famalicão tinham nível (...). Os mocetões da redondezas afluiam, em peso, ostentando as mais aperaltadas toilletes. E que toilletes, meu Deus!

Cavalgando uns sapatões de saltos altos que, se o bom-senso ainda fosse algum, desmedidas bocas-de-sino ocultavam quase raspando no chão; quando não, depois das calças, um tacão ai de palmo e a sola compacta, de pouco menos, como se os pés poisassem nuns patins disformes, ruidosos, desprovidos de rodas. Antes um par de andas! De bolsos, nem vestígios, salvo uma pequena ranhura onde cabiam algumas moedas ou notas dobradas em quatro. As camisas ostentavam colarinhos ináuditos, caprichosamente arredondados, pelo tórax abaixo, parecendo peitorais de uma armadura, e os pull-over's tinham decotes semi-circulares - sim, falo de indumentária masculina! - e não iam abaixo do umbigo. Sobre o conjunto, um casaco tipo blazer, acolchoado nos ombros e curto, deixando o rabo mal tapado, e, obviamente, incapaz de suster os tais colarinhos que se agitavam como asas de gaivota. As cabeleiras usavam-se escorridas, até às costas, e a pose completava-se com um certo ar gingão e as mãos ajeitando as melenas de volta do pescoço».

 

(in Famalicão - Recordações de uma Vila, ed. Circulo de Cultura Famalicence, 2004)