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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

O "Cedro Grande"

João-Afonso Machado, 24.05.11

É o nome por que sempre conhecemos esta pseudotsuga, com mais de trinta metros de alto, classificada de interesse público.

Um gigante e um espaço desde a infância indissociável das nossas brindadeiras e dos nossos sonhos. Dos nossos esquemas...

Teria os meus 17 anos. Lembro-me desse misterioso telefonema, uma voz lindíssima, queria encontrar-se comigo, só podia ser alguma beldade cá da terra!

Expliquei-lhe as rotas que conduziam ao Cedro Grande e marcámos a hora. Mas, ainda assim, tão inusitada proposta deixou-me a pensar. Cautelarmente, fui mais cedo e, com a ajuda de umas cavilhas que habilidosamente colocára-mos no tronco, subi (outra agilidade, outro peso, outras décadas...), subi aos ramos cimeiros. E pus-me à coca.

Ela foi pontual. Chegou assobiando e... enorme! Um verdadeiro bombardeiro, já sem aquele mavioso trinado, roncando de todos os motores. Nem mais do que a..., o monstrengo da minha turma!

Dizem que o medo dá asas. A mim deu-me ventosas. Sim, entrei em pânico. Se vissem aquele carão, a sua musculatura! E se eu espirrasse? Se fosse topado?. Ainda era ali esmurrado a beijos, triturado num ajiboiado abraço. Nem ousava respirar. E a matulona sentou-se num penedo vizinho, decidida a esperar. Primeiro a resmonear ditos imperceptiveis, por fim desbragando-se em impropérios de carroceiro.

E eu lá em cima, aflito como um passarinho. Pensando em Monteiro Lobato, nas aventuras no Sítio do Picapau Amarelo, a Cuca, horrenda, a Iára (a pentear-se ao luar, fulminante para quem a mirasse) e, sobretudo, a mula-sem-cabeça-que-deita-fogo-pelas-ventas.

Até que a criatura se fartou e partiu. Deixando no ar uma nuvem de mil ameaças de morte. Vendo a costa livre, desci o Cedro Grande e só parei em casa. Onde o meu Pai, exigentíssimo com o horário das refeições, não parecia disposto a perdoar o atraso...

Por meias palavras (para deixar a Mãe à margem) sempre fui justificando o sucedido. Uma senhora... aflita... queria falar comigo... mas só treta, afinal. O Pai percebeu - e deixou-me sentar à mesa.

- Pronto!... Mas assuntos desses só umas tantas freguesias adiante. Não quero maçadas aqui à porta.

E eu ataquei, esfomeado, a feijoada. Ainda hoje os meus irmãos gozam com esse casanovismo de cacarácá.

 

A "agenda" deles

João-Afonso Machado, 24.05.11

Contra o habitual, assisti hoje a um pouco de campanha eleitoral no noticiário televisivo. E não tardou me chegasse à memória o "Os deuses devem estar loucos", e aquela lata de coca-cola caída do céu na tola de um pigmeu.

Assim Pedro Silva Pereira - está gordo, governar faz subir o colesterol... - desabou em cima de Alijó. Entre o vernáculo de alguns indígenas e, já no palco, o auge da demagogia, o apelo à derrota nas urnas - da "agenda da Direita"!

Silva Pereira - e, como ele, tantos, obviamente - terá pinchado dos bancos da Faculdade para um gabinete qualquer. De Vila Real, onde é cabeça de lista pelo PS, há-de guardar uma vaga recordação do Circuito e meia dúzia de dossiers decorados a correr, para não fazer completa má figura. Mas tanto não chega para se dar a entender a quem, seguramente, não sabe, nem quer saber, o que são "agendas políticas".

Os comícios resultam nisso mesmo: em expressões ocas, grupos arregimentados, um vitelo a assar e um cançonetista lamechas a cançonetar. Mais as enteadas das "Mães de Bragança", em cuecas, saracoteando-se atrás dele. E chega-lhe com força no acordeão e nos bombos!

O efeito destas bizarrias é para ser produzido nos ecrans. Lá, sim, a imagem do entusiasmo popular ainda conseguirá enganar alguns incautos. No mais... antes as arruadas e as inevitáveis beijocas lambuzadas das velhotas.

Num caso e noutro, porém, o povo não se dá conta de que está a ser utilizado. E de que maneira está!!!

 

"Florestal"

João-Afonso Machado, 24.05.11

Voltarei

à memória e aos penedos:

segredarei

aos meus ouvidos

uma história,

dias esquecidos,

ramos laçados de medos.

 

Deitarei

nessa cama acobertada.

Remexerei

os musgos, o colchão,

camada sob camada

de invernos e folhagem.

 

Clara noite suada,

beijos eternos,

não envelheças coração!

 

Foste, és e serás.

Coragem! Coragem!

 

Das "Memórias de um Átomo"

João-Afonso Machado, 24.05.11

A populaça tornara-se ameaçadora. Olhando sempre com maus olhos os enviados de Sua Senhoria. Esses que vinham pelos tributos, deixando em troca uma marca de fome. Évora era já um rastilho a arder, a revolta iminente. D. José de Sousa ordenou aos seus validos tocassem a reunir as tropas. À cautela.

- Tropas, Sire?,

espantou-se Pedro Pereira, somando à janela uma dúzia de lanças, com as suas rosáceas flâmulas, lá em baixo na praça.

- Pois trazei-as dos confins do Império. Ide com ordens e com vitualhas e Martim Moniz, o meu Alferes-mor, saberá como proceder.

Assim partiu Pedro Pereira, com muitas bençãos de Francisco de Assis e insistências em mercenários africanos, asiáticos...

- Mercenários, irmão Francisco? Não consta da História me haveis recomendado tal!

- Ide, irmão Pedro, ide. Cá me arranjarei com a irmã História.

E Martim Moniz (o Alferes-mor) prodigalizou esforços. A hoste entrou em Évora, enfim, perante o espanto generalizado. Nunca antes tais turbantes, e pintalgados pelames, haviam sido vistos. D. José de Sousa ordenou reunisse o Conselho, todos seriam chamados a votar  a nova contribuição. Todos! Os da hoste também.

- Mas, Sire, eles são forasteiros, as Ordenações não o consentem!,

alertavam os sempre leais conselheiros.

- Eles votam!,

teimava o Senhor, querendo-os já burgueses do burgo, tão burgueses como os demais, naturais e nacionais.

- Eles votam, ordeno eu! São iguais!

- Como iguais...

- ... e como votam, se não desbotam?

desesperavam os leais conselheiros, desesperava Pedro Pereira, ele próprio, o das Sete Partidas.

 

(Com a devida autorização do meu Amigo J. da Ega, a quem mui grato sou.)