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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

Linha do Norte

João-Afonso Machado, 31.05.11

...

É um amplo deserto de convergências. Mas a viagem prossegue ondulantemente, ora abaixo, ora acima, num quadro onde só não são intermitentes os postes de alta tensão. E os carris sempre hirtos, rectilíneos até se juntarem, muito lá atrás, num ponto só.

(Bizarra via coberta de vegetação, bitola estreita e musgos, sentido paralelo mas ferrugento, proveniente de que passado?).

Em redor do comboio a paisagem é enganadoramente cinzenta. Incaracterística. Sempre igual na diversidade dos quintalórios e das vinhas, das duas ou três cabras pastando em qualquer recanto que se repete. Só muito esporadicamente as janelas se pintam do verde dos pinheirais. Antes do súbito empobrecimento feito de carrasqueiras, montes agrestes e esfomeados, sem vivalma. Progredindo para o pó, elevações de terra solta, acumulada pelas obras de um gigantesco viaduto a carregar o futuro de sombras sobre as nossas epopeias. Até mais um necrotério de fábricas confortado com o nome de lugares sagrados, em imprevista paragem do comboio. Nessa diminuta e quieta estação onde somente se ouve o canto das ramagens dançando melancolicamente.

 

A tradição é, ou já não é, o que era?

João-Afonso Machado, 31.05.11

A tolerância de ponto na Quinta-feira Santa resulta de uma tradição cultural.

A indigitação para 1º Ministro do dirigente máximo do partido mais votado corresponde a uma intocável tradição política.

A prorrogação do prazo de entrega das declarações fiscais vem sendo, ano após ano, uma pacífica tradição administrativa.

Até hoje, parece. Assim apanhando desprevenidos- com o fim dessa inofensiva tradição - cerca de 500.000 contribuintes, engarrafados frente ao portal da DGCI. Querendo cumprir as suas obrigações tributárias sem o conseguir. E com uma coima suspensa sobre as suas cabeças, qual espada de Dâmocles.

Não obstante, a oclusão dos serviços fora detectada a tempo de os interessados avisarem o Ministério das Finanças, solicitando lhes fosse concedido mais tempo para o aludido efeito. Mas sem lograrem convencer os poderes decisórios.

A explicação parece maquiavélicamente simples: contas feitas, surge assim no horizonte um encaixe de 58 milhões de euros, mais coisa, menos coisa, em coimas aplicáveis nos processos contra-ordenacionais que, inevitávelmente, serão movidos aos involuntários inadimplentes. A que acrescerão as taxas de justiça para quem não se conforme com a sanção e actue judicialmente.

Uma receita extraordinária sem dúvida oportuna nesta hora de insolvência estatal. E outra inundação dos Tribunais Administrativos e Fiscais, onde já agora só de bote ou de barbatanas nos conseguimos movimentar.

Enquanto isso, a campanha eleitoral prossegue. Com Sócrates vangloriando aos quatro ventos o seu Simplex.

 

Douro

João-Afonso Machado, 31.05.11

Era o rio, nesse tempo, que me devolvia a liberdade. Em pequenas doses, é certo, tardes de rio mais a cana de pesca e o piar das gaivotas, a olharem de esguelha, asas no vento, o passinho travado. Quando não, madrugada fora até nascer o sol, calhando o robalo andar com fome.

Era o rio, mesmo entre magotes de pescadores, se a cavala e a savelha entravam. Inesquecíveis, deliciosas conversas que me anzolaram a memória. Como correm os anos, meu Deus!

Eramos felizes, eu e o rio. Com ele me sentava à mesa, depois, com as suas cores, o bater das águas nas pedras, o peixe por mim amanhado, assado, devorado. O meu peixe, pescado no meu rio, uma palmadinha nas costas, agradecida, - hoje rendeu, para onde mandaste a nortada?...

Eram também as tasquinhas na vizinhança, uns canecos de branco espertíssimo, muito fresco, e, a nadar neles, a petinga, os carapauzinhos fritos.

Era tudo isso e um coração renovado, o regresso à prisão. Até à próxima fuga para o rio e os seus falares. Sim, no rio a animação produzia marés de reflexão, cantares de silêncio. Um encher de pulmões antes de submergir na incompreensão. Quer as nuvens trouxessem trovoada, quer o sol me despisse a camisa, ... quer as estrelas apertassem devagar os botões do meu agasalho.

Era o rio. Horas e horas e horas, muitas centenas de horas, meia vida de rio.

 

O avestruz

João-Afonso Machado, 31.05.11

 

As insolvências multiplicavam-se e o desemprego subia em flecha? Ele assentava o rabo na areia e abria uma covinha com o bico.

A Economia apodrecia, como aquele ovo esquecido há meses, tresandando? O buraco alargava, escurecia-lhe a visão.

A dívida soberana subia, crescia no ar, já ninguém lhe chegava, nem com uma escada para a apanhar? O quente do areal afagava-lhe a cabeça já semi-oculta.

O Estado, desacreditado, financiava-se a juros inimagináveis? Que bem se sentia ao sol, o micro-cérebro guarnecido na toca cavada.

Gritavam-lhe a urgência da ajuda externa, os cofres vazios, não havia para pagar aos funcionários agora mesmo, no fim do mês? Consolado, acabara de enfiar o pescoço inteiro, o melhor refresco para o braseiro cá fora no mundo real.

Diz a sabedoria popular que é assim na savana, quando o avestruz tem medo e se esquiva de ignorar a verdade. Dizemos nós que assim foi, em Portugal, no capim governamental, com um 1º Ministro a recusar ver, absolutamente blindado. Esse mesmo que anda por aí em correrias eleitorais, ainda e sempre como se nada fosse consigo, como se nada tivesse acontecido.

 

 

Pausa e cor

João-Afonso Machado, 31.05.11

A serra dá-nos nada de descanso. Parece a mais cosmopolita avenida. Não há como não espreitar à esquerda e à direita, para cima e para baixo, tudo são surpresas a estafar a máquina registadora. Mesmo se o objectivo cheira a sangue quente de animal comestível. E o pior são as pausas - os trinados dos chapins, o curvetear de um réptil ou o silêncio garrido dos insectos.

Portas do Rodão. O sol a pique, pouco convicente, e o restante do florido que a estação ainda não afogou em chuva.

- Olha aquela! Enorme!

Pelas minhas contas, de um merceeiro nesta ciência das borboletas, uma papílio-raiada. Realmente, de invejável porte. A nossa imobilidade consentia esvoaçasse à vontade, gozando plenamente a curta vida que a Natureza lhe reserva fora da crisálida. Até por isso, era agora ou nunca.

Que se amanhassem os veados e os javalis. A arma encostada a um galho deu a vez à fotografia. Sossegadamente, tentando a aproximação, um retrato decente. Saiu assim.

Não me pareceu mal de todo. Trouxe com ele a gulodice do polén, as asas intocáveis (ainda não percebi como se conservam e coleccionam borboletas...), um poisar que não o é, mas vale como se fosse. Metralhei-a com a máquina, por via das dúvidas.

E levei-a para casa. Da extensão do monte, recortada nas asas, uma rainha junto dessas esbranquiçadas e minorcas de todos os nossos dias.

Veio comigo. Ela e nenhum outro animal. Veio e mantenho-a, do único modo que sei usar para guardar um insecto que, neste momento, já só se passeia aqui e na minha memória.

Platónicamente....

João-Afonso Machado, 31.05.11

 

«A Avenida sobe, interminável, num mutismo tão longínquo do buliçoso centro da vila. Dirigiamo-nos à Estação, na peugada de um vulto solitário que marchava adiante um pedaço - um vulto feminino, trigueirinho, que o coração do Gabriel Amandi elegera para amar. Mas faltavam-lhe as palavras e as forças, tolhia-o uma inibição imensa, que mais não lhe consentia senão estas vigílias. Era no regresso das aulas e a menina encaminhava-se para o comboio que a levaria a casa. Sentávamo-nos na gare, irrepreensivelmente afastados, sem ditos, sem gestos, como se o Gabriel se quisesse invisivel. A automotora aproximava-se, vinda do Norte, ronceirando, a expelir uma fumacinha pela chaminé. E aquele anjo moreno - bem engraçado, sim senhor! . entrava, sem olhar para o lado, o chefe da estação soprava no apito e o Gabriel consumava a sua paixão, vendo-a sumir na primeira curva da linha férrea».

 

(in Famalicão - Recordações de uma Vida, ed. Circulo de Cultura Famalicence)

 

 

Socialistas de alta sociedade

João-Afonso Machado, 31.05.11

Enquanto Sócrates continua a insultar os portugueses com a sua cantilena do Estado Social, de que se diz o paladino (!), e os portugueses continuam a sofrer privações em faixas cada vez maiores da população, enquanto prossegue o seu vómito eleitoral pelas estradas do País, os voluntários do Banco Alimentar Contra a Fome deram de si mais um domingo às famílias carenciadas.

Quantos socialistas terão abdicado das arruadas e dos comícios, em homenagem ao seu Estado Social, participando nesta iniciativa?

Mas os números estão aí: 2.300 toneladas recolhidas à porta dos supermercados, traduzindo, apesar da "crise" (criada para tramar Sócrates...), um acréscimo de 15% em relação a idêntica jornada do ano transacto.

O que significa que os portugueses podem (e, à cautela, devem...) contar mais com a iniciativa privada e altruísta do que com o Estado Social atulhado de socialistas de alta sociedade, parvenus de Armani e negociata fácil.

E este é o verdadeiro discurso da Direita verdadeira.

Esvaziada a sua estomacal imaginação, é provável nesta semana reste a Sócrates apenas bílis para bolsar às multidões. Até porque, sabe-se agora, depois dos acordos participados pelos outros partidos, o Governo foi caladinho assinar mais gravoso papel com o FMI e a UE. E há que alucinar o povo, morfiná-lo, para os dias após as eleições.

Para o Estado Social socialista.

 

Deve valer a pena

João-Afonso Machado, 29.05.11

Estava lá uma aldeia gaulesa inteira. Entravam e saiam, à vez, para uma volta sobre a cidade. Sempre com ar de quem tinha gostado.

Percebi como a coisa funciona: o helicóptero levanta junto ao rio, em Massarelos, e sobe até à Arrábida, onde inverte o sentido. Depois vai para nascente, a perder de vista, presumo que até ao Freixo. Reapare pouco depois - cerca de sete minutos, mais precisamente - sobre a Serra do Pilar e aterra. Para uma nova carrada.

Decerto uma oportunidade magnífica para fazer as melhores fotografias do Porto. Ainda pensei esconder-me entre duas Caralindas, a ver se ia na boleia. Mas pensei no Abraracourcix, por ali também, e desisti. Fica para a próxima. Se, obviamente, houver entretanto orçamento que chegue.

 

Hoje é dia de caça

João-Afonso Machado, 29.05.11

Confesso que não estava a contar. Atravessou-se de repente, o Coelho, mal tive tempo de disparar. Mas ficou. Compostinho. Ainda não perdi os reflexos...

Havia muita caça hoje. Na Alfândega andavam os do Bloco. Mais acima, no Palácio de Cristal, os socialistas. Parece que o PSD se guardou para logo à tardinha, do outro lado do rio, na Afurada. Terreno difícil, eles devem saber. Assim o Meneses dê uma mãozinha...

Enfim , nada que perturbasse os muitos que aproveitaram esta tarde quente para o seu passeio na Marginal. Como se o objectivo dos caçadores não fossem os próprios, a sempre cobiçada espécie do eleitorado.

 

"Passeios"

João-Afonso Machado, 29.05.11

Águas ondulantes

de esquecimento

e mágoas...

 

Antes do vento,

o rasto de amantes

de manhã na baía...

 

A gaivota que ia,

ia e voltava,

e um barco sem cor

calava

as redes e o pranto,

a desilusão...

 

Nada mais em redor,

nada – senão

o grande salto de uma taínha

em circulos da vontade minha.

 

Entardece.

 

Ouve-se a força dos remos,

os medos

e a espuma sussurrando

como se dissesse

segredos...

 

E eu nesta margem

chorando

(maldita maresia)

chamo aos sonhos viagem

e aos acenos

travessia.

  

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