Ao jantar
Nem cheguei a perceber por que voltas a mesa de jantar reuniu ontem tanta gente. E tanto barulho, acrescente-se. O Patriarca estava manifestamente irritado, estas Presidenciais bolem-lhe com os nervos.
- Já não os posso ver. Cambada!
Deixei-me estar no meu lugar, disposto sobretudo a ouvir. Quando as vozes são muitas... nada como não as acrescentar. E, no meu silêncio, principiei a escrutinar os resultados eleitorais em nossa casa.
- Nem lá ponho os pés. Danem-se todos!
Abstenção. Um punhado deles.
- "Viva o Rei!". E está feito.
Votos nulos. Outros tantos.
Depois falaram as Senhoras. O lado ponderado da Família. Sobretudo as mais idosas, a Tia e o seu eterno terror à Esquerda ímpia. Que não, apesar de tudo o Cavaco, o homem ainda é dos mais sérios.
A mesa ia virando de cangalhas.
- Haja respeito pela bandeira nacional!,
bradava um dos do meio, já transtornado, com ganas de revolucionar a freguesia:
- E eu vou lá cima votar. Dobro o papel em quatro à frente de toda a gente...
Também cá temos os votos em branco. Se calhar um deles será meu...
E de repente o Patriarca sorriu, cheio de matreirice:
- E que tal um votozinho no Coelho da Madeira?
lançou, num misto de quem aponta os canos às orelhas do láparo e de quem goza o estado da República: nua e a fugir espavorida, como o pobre bicho.